Nos últimos dias voltámos aos noticiários nacionais com algum destaque, como noutras vezes, por razões atípicas, que fazem abrir a boca de espanto à maralha que se acotovela, feliz e contente, pela capital e arredores.
Pelos vistos, um exemplar da espécie urso pardo ibérico, de que não havia notícia no território do país desde o meado do século XIX, terá passeado pelo norte do concelho de Bragança, deixando marca em colmeais, na senda do apetecível mel. Logo floresceram, no anedotário nacional, múltiplas historietas e se encontrou motivo para recuperar conotação semântica do animal com estupidez e molenguice que, na realidade, não tem verdadeira correspondência com o plantígrado, habitante da Eurásia desde tempos imemoriais.
Nada de novo, portanto, no que respeita à atenção que merecemos. Logo nos dias seguintes, na pré-campanha para as eleições europeias, repetiu-se a forma conhecida de tratamento informativo da região, o quase nada, apesar das caravanas de automóveis com as siglas das televisões, das rádios e de jornais de Lisboa e Porto, atrás de dois ou três candidatos de cada partido, como quem passa por vinha vindimada, obedecendo a editores que não se preocupam em conhecer os territórios onde se realiza a gincana, sem constituir espectáculo, porque já lá vai o tempo em que as populações se dispunham a levar literalmente com a poeira nos olhos.
Os raides ao país real não são mais do que isso, porque seria incomodativo parar, escutar e olhar, com olhos de ver, para o resultado do que tem sido a acção dos protagonistas da política, mas também a omissão de escribas e palradores que se foram instalando na comunicação social. Mais cedo ou mais tarde, o tempo há-de revelar a verdadeira face da iniquidade de que têm sido alegremente cúmplices.
Entretanto, alguns dias antes, foi-nos servido, à laia de lenitivo, o resultado de um estudo sobre a sustentabilidade dos municípios, com parâmetros que darão indicações sobre patamares de qualidade de vida a que acedemos, apesar de todas as dificuldades que nos impuseram. Não encontramos razões para nos envergonhar dos indicadores.
Este resultado de uma observação cientificamente conduzida justifica o respeito pela alma grande dos cidadãos destas terras, que não baixaram a cabeça de resignação, resistiram à tentação do abandono e continuaram à espera de varrer do horizonte a iminência do fim.
Fica claro que, se tivesse havido vontade política no último meio século, a região teria garantido condições de desenvolvimento que a arredariam de ameaças que persistem e podem vir a revelar-se fatais, porque já não haverá tempo, nem condições demográficas para as debelar.
Resta a constatação de que a condição a que se chegou não foi da responsabilidade dos nordestinos, porque demonstram força e inteligência para fazer da sua terra um lugar de prosperidade, dignidade e progresso. Houvesse boa-fé e visão histórica e poderíamos ter conhecido um destino diferente.
Quanto a ursos, há-os neste país bem mais perigosos do que os pardos.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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