Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
PREFÁCIO: o leitor deverá entender que o ACAS pesquisa falares e acentos regionais brasileiros, há longa data. As “pajadas”, (ou "poemas crioulos/poesias crioulas/poemas gaúchos" - conforme Paulo de Freitas Mendonça), ao que parece originária ou originadora das “payadas” platinas, são na interpretação deste caipira paulista, “causos em versos”.
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- E o índio velho, queixo duro, estava cevando o mate amargo. A prosa galponeira estava animada. Há muito tempo aqueles gaudérios pretendiam fazer aquele tchêncontro, com surungo, roda de jogo de truco, vinho, um assado, umas bagas, um amargo e uma charla ao pé do fogo. Ele gostava de haraganear, por isso o evento lhe agradava.
Enquanto despejava mais água quente na cuia de porongo (cabaça, como se diz em caipirês), na qual a bomba de prata já lá estava; o índio velho e aporreado; lembrava dos tempos em que desfilava com seu flete nas coxilhas e invernadas verdejantes, varridas pelo Naragano; que fazia com que os ossos doessem do fresco demasiado, mesmo usando o poncho, sombrero, bombachas e botas de couro; mas a cuia ficava à la cria!
Ele lembrou também do cusco preto que o seguia ao pé de seu bagual, nas vezes em que ia a um bolicho ou para ver uma chinoca querida. Lá, ele se encontrava com os gaiteiros, chamameros (ou chamameceros; como gostaria Paulo de Freitas), poetas e pajadores, que se apresentavam, por uma baga , na tertúlia nativista, com o melhor da poesia crioula. Naquelas noites trigueiras, enquanto dobravam o cotovelo, se mateavam ou tomavam a água-benta, ou o vinho da colônia, iam sentindo saudades dos tempos de guri e piá hermoso, das coisas da vida levadas à laço e espora, da querência amada. No final da tertúlia, era sempre servida uma comida campeira e um churrasco digno de um campeiro gaúcho. Mesmo depois de comer, beber, ouvir música, abichornar-se e chorar de saudades, o índio velho, por la gracia do Patrão Velho, num upa, ele abria cancha para o onírico e ficava ali, à meia guampa, fingindo não estar gateado, um tanto jururu, declamando “pajadas” do macanudo gaudério Jayme Caetano. Afinal, nesta vida campeira, ele já estava com o pé no estribo; pronto para falar com o patrão velho.
E então, o índio velho levantou-se e em voz solene, declamou esta poesia do grande poeta Rillo:
Eis a poesia:
Título da Poesia: Cusco Cego
Autoria: Apparicio Silva Rillo
Este cusco brasino, cara branca,
Pequenote e rabão,
Que o parceiro está vendo enrodilhado,
Aí perto do fogão,
Foi mordido de cobra na paleta,
Quando troteava atrás de uma carreta,
Cruzando um macegão.
Resultou de tal manobra
Que o veneno dessa cobra
Cegou meu cusco rabão.
Faz um tempão
Que se deu esse tropeço.
Dava pena, no começo,
Ver o cusco atarantado,
Pechar de frente e de lado,
Chorando como um cristão.
Agora vagueia solitário pelo pátio,
Perdido nessa noite sem aurora,
Que um dia lhe desceu pela retina.
Por quando a noite se embalsama de perfumes,
E os pequenos e inquietos vagalumes,
Acendem lamparinas nos brejais:
Eu maldigo a injustiça do destino,
Que não ouço o uivo triste do brasino,
Chorando a lua que não vê mais!
Epílogo: sentados a uma mesa posta com as comidas e bebidas campeiras, o ACAS e sua esposa ouviram a poesia acima e aplaudiram no final; não sem antes, tomados pela emoção, verterem quatro lágrimas paulistas.
- Bem pareço ser paulista de quatro costados, mas com uma centelha gaúcha!
Criado em: 22/11/2010 16:47:35
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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