(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Começo por mencionar o facto de esta ser uma atividade artesanal que no tempo da minha criação, tinha um peso diminuto nos resultados económicos da laboração das pessoas e famílias brigantinas.
Há alguns dias mencionei na resposta a um comentário sobre a atividade no antigo Mercado Camões que as doceiras que alguém lembrava com saudade eram mulheres que sendo de origem de terras de Santa Marta de Penaguião, tinham feito as suas vidas em Bragança à qual dedicaram todo o seu potencial de gente trabalhadeira e de honradez incontestável.
Humildes no mais estrito senso de cidadãos de Portugal, desempenharam um papel de fautores de progresso que sendo já prática corrente noutras terras era novidade em Bragança. Depois de tornar clara a sua atividade falarei das doceiras de Bragança que os meus amigos nos seus comentários me chamam a atenção de eu haver omitido.
Começo por dizer que os pastéis que se vendiam, na década de 60 à porta do Mercado Municipal da Praça Camões, eram feitos na Pastelaria Ribeiro da Rua Alexandre Herculano, onde hoje se encontra a Pastelaria Dómus.
De manhã por volta das 08:00 da manhã, uma das três mulheres que mencionei chegava e tomava posse de um tabuleiro com uma variedade substancial de pastéis e bolos de arroz, assim como alguns biscoitos e confeitos que elas iriam vender à porta do Mercado. Da primeira remessa constavam mais ou menos oitenta pastéis sortidos e duas dúzias de bolos de arroz. Alguns biscoitos de amor e canela juntamente com confeitos e rebuçados que com o devido invólucro eram preparados antecipadamente e eram entregues num tabuleiro de madeira à vendedeira que se deslocava com o tabuleiro à cabeça para a porta principal do Mercado onde sobre uma mesa também de madeira expunha a mercadoria que vendia ao preço que era corrente nessa época: Pastéis Sortidos 1$20 - Bolos de Arroz 1$00. Os restantes produtos tinham preços condizentes e constavam de um preçário colado numa base de madeira que os clientes consultavam facilmente. Era feita a soma de cada variedade à qual se subtraía os que não fossem vendidos quando a vendedeira regressasse ao fim da manhã por volta das 13:00. Obtinha-se assim o total apurado ao qual era retirado 30%, sendo este o ganho da vendedeira que era paga no momento das contas. Havia ainda a considerar o valor do "pagamento à Câmara que cobrava 3$00 diariamente", sendo esta operação atribuída ao fiscal, pai do César que vivia nos Batoques, ou o Senhor Cepeda que morava no Loreto e era sogro do Guerra. Estes dois personagens eram duas pessoas com quem as doceiras mantinham uma relação de gato e rato, pois se pudessem evitar o pagamento, era 1$50 que poupavam já que este encargo era dividido pelas duas partes.
Foram presentes nesse local estratégico, por cerca de duas décadas, três mulheres que residiram na Boavista e que se tornaram em gente de Bragança e à qual legaram descendentes que são hoje verdadeiros bragançanos e que todos nós consideramos dos nossos. As mulheres a que me refiro chamavam-se, a mais antiga, Senhora Isménia que acabou morando na Rua Direita, a Senhora Constância mãe do Marcelo Cunha que sempre morou na Boavista e a Senhora Maria Cândida que era mulher do Geofre e também viveu na Boavista até que a construção do Liceu fez desaparecer as habitações ali construídas mudando os residentes para o Bairro de Santa Isabel e Formarigos.
De Bragança havia algumas mulheres que eram conhecidas como doceiras e que também eram cozinheiras que durante décadas fizeram todo o tipo de doces regionais e cozinhados tradicionais, sendo elas as Mestras que faziam casamentos, batizados e comunhões, que nesse tempo eram geralmente feitos em casa. Fora deste tempo faziam bolos que vendiam na rua ou executavam encomendas que lhe fossem pedidas por quem podia dar-se a esse luxo.
Assim, a Tia Sofia fazia os famosos canelões que hoje são de novo famosos pois são o ex-libris da Pastelaria da sua neta Luísa e que se chama exactamente CANELÃO. A Senhora Laurinda, sogra do Ribeiro das Chaves que morava na Avenida João da Cruz, fazia económicos e súplicas e as vendia à porta de casa e nas escadas dos CTT, a Senhora Filomena, sogra do Professor Mina que fazia toda a qualidade de bolos regionais, pastéis de massa tenra, rissóis e pastéis de chila e também era mestra em casamentos para os quais fazia bolos variados aos quais cobria com açúcar glacê e enfeitava com esferas prateadas que a criançada adorava.
A Senhora Constância, mãe da Armandina e avó do Rui e da Guida que como a Senhora Filomena fazia tudo que tivesse de ver com Casamentos e Batizados, Festas de Ano e que nos bailes do Clube de Bragança (Centro) confecionava um Bacalhau à Gomes de Sá que era de comer e chorar por mais. A Senhora Alice do Forno do Tombeirinho, por quem nutro uma amizade que começou quando eu criança ia com minha mãe cozer os folares ao seu forno também foi uma distinta doceira e padeira e estou seguro ainda hoje fará refeições com as quais deliciará as filhas os genros e os netos. Acrescento que todas elas faziam folares que eram autênticas obras de arte e que tanta fama trouxeram à Gastronomia de Bragança. Devo mencionar também a Senhora Fernanda Barata, filha da tia Sofia que era Mestra de Folares e todas as Padeiras como sejam A senhora Catrina (Catarina) e a Camila ambas dos Batoques e que também faziam doces, a Chavasca, mãe da Cremilde e do Henrique na Caleja das Pedras e a Tia Rata e filha na Rua Nova.
Faltará mencionar tantas outras a que deveríamos somar alguns homens que as ajudaram na sua luta pela sobrevivência e que ajudaram a construir este património que perdeu já quase todo o edificado, mas que se mantém na nossa memória, pois foram elas e eles os que mais contribuíram para que todos tivéssemos "O PÃO NOSSO DE CADA DIA”.
Falta-me mencionar o forno do Valente na Boavista e padeiros como o Salvé Rainha, o Vila Real, o Senhor Toninho da Tia Catrina e o "Manco” da Guerra Junqueiro, aos padeiros e padeiras do Necho onde na minha infância ia buscar o pão que serviu de alimento a este Bragançano que hoje aqui vos relembra gente da nossa terra, que merece também todo o meu e nosso respeito e admiração.
Às e aos omissos peço perdão da falta de memória mas prometo lembrá-los quando me ocorrer a sua recordação.
Por último mencionarei as mulheres que faziam as amêndoas, esta uma atividade menos praticada já que o número de especialistas, do meu conhecimento eram poucas mas que mesmo assim faziam obra limpa e dulcíssima. Lembro-me da Tia Maria Butes mãe do Valdemar Reis e da Senhora Emília e sua filha Guilhermina sendo a primeira mãe do Chico Bigodes e a segunda irmã deste e do meu sogro. Faziam amêndoa coberta com açúcar que trabalhavam numas panelas largas de cobre e bordo baixo que aquecidas ao lume derretiam o açúcar que elas trabalhavam com uns dedais próprios envolvendo as amêndoas que depois de frias eram obra bem-feita e saborosíssimas. Vendiam-nas nas festas e romarias juntamente com umas garrafinhas de licor que elas também confecionavam.
Não conheci outra gente que fizesse este tipo de amêndoas cobertas, tendo no entanto uma vaga ideia de que a mãe do Senhor Toninho Verónica também era da arte. Creio ser arte que se podia atribuir aos cristãos novos transmontanos pois que são também famosas as Amêndoas cobertas de Moncorvo.
Para terminar lembro duas mulheres, mãe e filha, que viviam por baixo da Pensão Cepeda e faziam rebuçados da Régua. Vieram dessa vila estabelecendo-se em Bragança onde viveram até à velhice, não sabendo eu qual o desfecho de tantos anos de permanência em Bragança vivendo da venda dos rebuçados que elas próprias confecionavam e embrulhavam em papel vegetal. Creio que lhe chamavam as "Meieiras”, sem certeza.
E está completo o relato das fazedeiras de Bolos, Doces, Folares e Pão bem como de Amêndoa Coberta e Licores, fechando com Rebuçados da Régua.
Bragança 16/06/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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