Na ânsia de dar vida às regiões periféricas, vão-se cavando motivos de atracção, porque se acredita que as particularidades podem trazer curiosos, investigadores ou simples turistas, divertidos e disponíveis para experiências que nunca lhes passaram pela cabeça.
No que já passou deste mês várias povoações da raia transmontana, assim como, provavelmente, de toda a fronteira com a vizinha Espanha, lembraram uma actividade que, durante séculos, marcou a realidade económica local, o contrabando de produtos.
Trata-se de uma realidade cujas características gerais são similares um pouco por todo o mundo. Naturalmente com riscos muito diferenciados, dependentes de condições políticas, mas também do tipo de produtos que circulam e dos efeitos que podem fazer repercutir na economia e na realidade social dos países.
A memória da actividade na raia, que secularmente nos demarcou, permite reflexões sobre as agruras da vida de muitos cidadãos, que encontraram condições de sobrevivência percorrendo trilhos, pelas noites escuras ou mais claras, quentes ou de gelar os ossos, carregados de mercadorias.
Houve fenómenos interessantes, como o da actual cidade de Campo Maior, no Alentejo, que se tornou o centro nevrálgico de um dos impérios comerciais do país, ligado ao café, produto de elevada rentabilidade quando colocado em Espanha, à revelia das alfândegas, durante décadas. Era produto que também circulava com frequência na raia do nordeste transmontano. No regresso entravam tecidos, produtos alimentares, relógios e outros aparelhos e a vida fluía sem grandes sobressaltos.
Hoje diz-se que não há fronteiras, portanto tais lucros escoaram-se, o que não significa que não haja negócios, mais ou menos obscuros, a fazer passar produtos ou pessoas que não convém que sejam vistos. Chegam pela fronteira marítima e, em terra firme, ficam com campo aberto para chegar aos confins da União Europeia. São geralmente, menos benignos que o café, o bacalhau, a pana (bombazine), o pimentão vermelho para as adobas ou os caramelos.
Os contrabandos não são sempre actividades mais ou menos românticas, quase heróicas, na mira de sobreviver. Todos sabemos da miserável situação que se vive no Mediterrâneo, mas também na Indochina, nas Américas Central e do Sul e na África sub-tropical sem que se encontrem formas de garantir direitos básicos a milhões de pessoas, verdadeiramente contrabandeadas sem escrúpulos, tratadas pior que gado destinado ao abate.
É verdade que houve tempos em que as rotas do contrabando também serviram para abrir portas de liberdade a vítimas de injustiças, perseguições ou guerras. Também foi por aí que se saltou para vidas melhores. Mas, as democracias não se podem deixar desgastar pela displicência que tolera o oportunismo sem freio, o abuso sanguinário ou a consagração da total ausência de valores porque, no fim de contas, o individualismo de olho vivo e pé ligeiro, mais cedo ou mais tarde resulta em graves prejuízos para as comunidades e mesmo para toda a humanidade.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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