Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 15 de setembro de 2018

RECORDANDO O GRANDE ENSAÍSTA CRUZ MALPIQUE

Por: Humberto Pinho da Silva
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
Conheci-o no liceu Alexandre Herculano, no Porto, embora nunca fosse meu professor.
Todos o reconheciam como intelectual e erudito invulgar, além de excelente professor.
Diariamente, pelas cinco da madrugada, levantava-se; e após tomar o cafezinho - bebida que não dispensava, - sentava-se à secretaria, e, escrevia, escrevia muito, e reflectia ainda mais.
Escreveu mais de duzentos livros! Na minha pequeníssima biblioteca, tenho alguns volumes seus – ensaios, – com delicadas e generosas dedicatórias.
Por ter sido figura eminente da literatura portuguesa, e conhecidíssimo na cidade do Porto, pareceu-me justo, referir-me a ele, numa das minhas crónicas.
Estava, todavia, a colher dados biográficos, quando deparo com artigo de: Orlando Courrège – da Associação: “ Amigos do Porto”, – datado de 1976, onde se insere curiosa carta- autobiográfica, do ensaísta.
Por mais minuciosas que fossem as minhas referências, seriam sempre mais incompletas do que a autobiografia, mesmo reduzida; pois nela, pode-se, também, saborear, a leveza e a graça da prosa, tão peculiar, do reputado ensaísta. Ei-la, para regalo do leitor:

Meu prezado Courrège:

Pede-me, você, algumas palavras autobiográficas.
Nada mais fácil. Os homens pequeninos teem biografias pequeninas. Lê a dizer com crê… (Parece que é assim, e não lé com cré…)
Nasci em Nisa, há um ror de anos. Vou a caminho dos 74. Brincando com a minha idade, costumo dizer que sou quinhentos anos mais novo que o Infante Santo (ele vindo ao mundo a 29 de Setembro de 1402, eu, neto do meu avô, vindo à luz a 28 de Setembro de 1902), cem anos mais novo que Vítor Hugo (este da geração de 1802, eu da geração de 1902...). Para notar outras coincidências, direi que assim como Suas Majestades o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia nasceram a 28 de Setembro, também eu nasci num 28 de Setembro…
Outras coincidências históricas eu podia mencionar a favor da minha data de nascimento…Mas basta citar essas para eu me sentir muito lisonjeado… Puxa!
Fiz a minha instrução primária – primaríssima! - nunca passei de um primário… - em Nisa. Aí pertenci ao piorio dos alunos. Fiz, depois, o meu liceu, em Portalegre, o meu distrito. Continuei no piorio. Fiz depois a minha Filosofia e o meu Direito, na Universidade de Lisboa, e fiquei um licenciado analfabeto. Reconheci, muito socraticamente, que terminadas as minhas licenciaturas, era universitariamente… analfabeto. Só fiquei sabendo que não sabia nada. Nadinha. Docta ignorantia, para empregar a expressão do Cardeal Nicolau Cusa. E foi isso que me salvou. A partir do dia em que soube que não sabia nada, é que comecei a desbastar a minha ignorância, maior do que permite (e promete) a força humana…
Das licenciaturas que se perdem já na idade da pedra lascada, até agora (1976), nunca mais deixei de folhear livros, livrinhos e livrecos. E nunca – dos nuncas! - tive outro jeito de ler que não fosse em presença de papel em branco e em…bruto, para, sobre ele, ir escrevinhando as minhas ruminações. Com um saber de experiências feito, posso garantir-lhe que a caneta é uma óptima parteira do espírito. Ela me tem ajudado nos meus partos intelectuais (sem dor), clarificando-me ideias, estruturando-as, propiciando, de caminho, a relativa originalidade dos meus escritinhos. Até agora, não me parece que tenha tido partos de originalidade absoluta. Fruta é essa que não existe no meu pomar. Nem no de ninguém, valha a verdade, porque todos nós, no dizer do poeta, chegamos muito tarde a um mundo já muito velho. Se alguma relativa originalidade tenha mostrado é estilo: non nova, sed nove. Nada (nadinha!) disse de novo, mas talvez o tenha dito de maneira nova. Se o estilo é o homem, eu, homem - Manuel-da-Cruz-Malpique, não tenho feito mais do que malpiquizar o meu estilo.
Se há aí no mundo alguma actividade que me dê prazer é a de pôr o preto no branco. É escrever. Melhor: é escreviver. E à conta dessa paixão, que paixão é, publiquei um mundo de páginas – nulla dies sine linea –, e deixo (o escândalo dos escândalos!) toda uma larga caterva de inéditos, que espero serem editados no dia de São-Nunca-à-Tarde, ou para as calendas gregas…
Não é a escrever que ganhei o pão para a boca. Credo! Ser escritor, em Portugal, é tirar bilhete de ida e volta para a miséria e… ilhas adjacentes. Ganhei a côdea diária, não advogando (porque não sofro da auri sacra fames), mas leccionando rapazes, nos liceus de aquém e além-mar, nos Açores e em Africa, mas sobretudo, nos liceus da banda de cá, o de Alexandre Herculano, na linha da frente, desde 48 à minha aposentação. Fiz-me tripeiro, à força de no Porto viver. E aqui hei-de morrer (favinhas contadas!), sem que você, nem o mais pintado, vá ao meu enterro, porque deixo ordens terminantes para que a minha morte (única coisa a que posso chamar minha) não venha nos papéis públicos, senão, oito ou quinze dias depois, de eu espichar…E se dos papéis públicos não constar, será isso oiro sobre azul.
Casei. Tive 2 filhas: uma que é médica-psiquiatra, outra que é arquitecta-professora, mais professora do que arquitecta. Tenho netos, que seguem a tradição do avô, como estudante: não furam paredes…Tenho esposa, com a qual voltaria a casar, se houvesse de casar outra vez, tão devedor me sinto ao clima que ela sempre me criou em casa, para eu dar largas às minhas orgias de leitura, e sobretudo, de caneta.
Que mais lhe hei-de eu confessar, neste meu curriculum vitae, amigo Courrège? Mais nada. É altura de pingar, aqui, o ponto final. O “ outro ponto final” não se fará esperar muito. E essa é a minha raiva, porque, se coisa há de que eu goste, é de viver. Tal Mecenas, o favorito Augusto, e pela boca de Séneca, eu direi: “Que a mão se me torne trémula, que eu vire coxo ou marreca, que os dentes me caíam, mais do que contente ficarei, se continuar vivendo”.
O nosso homem disse isto em latim. Mas como falar em latim é, hoje, como dizia a Ramalhal Figura, um modo erudito de estar calado, vai a coisa traduzida na língua que você, Courrège, e eu, Malpique, mamámos com o leite materno.
E pronto. Agora é que nem mais uma palavrinha.
(Não releio isto. Livra! Se houver de espalhar por aí umas vírgulas ou outros acessórios essenciais, tem carta branca…)

Amigo, et nunc et semper.

Porto, no frio Dezembro de 75


Humberto Pinho da Silva, nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA.Foi redactor do jornal: “Notícias de Gaia"” e actualmente é o responsável pelo blogue luso-brasileiro: " PAZ".

Sem comentários:

Enviar um comentário