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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

INQUISIÇÃO – LUTAS POLÍTICAS – PUREZA DE SANGUE (1) VILA FLOR: JULIÃO HENRIQUES E LOPO MACHADO

A divisão da sociedade em cristãos-novos e cristãos-velhos foi talvez a origem das maiores das calamidades que assolaram Portugal. Esta divisão, caldeada com as inevitáveis diferenciações económicas e sociais, proporcionou o aparecimento de “bandos” e “parcialidades” que, em muitas terras, se envolveram em ferozes lutas políticas e autênticas guerras civis.

Porventura em nenhuma outra localidade Transmontana esse ambiente de guerrilha foi tão intenso e prolongado como em Vila Flor. E talvez não fosse por acaso que a lei da limpeza de sangue, proibindo os cristãos-novos de aceder aos empregos públicos e cargos de governo municipal, começou exatamente por ser aplicada em Vila Flor, em 1571,(1) a título experimental.

Assim, logo na primeira grande investida da inquisição em Vila Flor, em 1558, uma prisioneira explicava aos inquisidores que a sua e as outras prisões tinham causa única nas lutas políticas, dizendo:

— Entende provar que na dita vila os cristãos-novos andavam sempre nas eleições e requerimentos na dita vila e algumas pessoas disso se escandalizavam tanto que, com inveja, difamavam deles.(2)

Intensa luta política e um turbilhão de intrigas. A ponto de o inquisidor-mor, cardeal D. Henrique pegar num dos seus mais próximos colaboradores, o licenciado Jerónimo de Sousa, inquisidor em Évora e mandá-lo para Vila Flor, como abade da igreja matriz. Ele próprio se sentia “desnorteado”, parecendo mais um espião político do que um juiz inquisidor. Veja-se o excerto de uma carta sua para Coimbra, datada de 6.1.1577:

— Ficou tanto olho em mim depois que falei com aquela mulher que não dou volta que me não notem e por isso busquei tempo para não ser sentido; (…) Avise VM ao oficial que cá vier que se não venha a minha casa porque trazem nisso tento e haverá reboliço, que nunca me saem de casa todos os dias, que por isso fui tirar a filha de sua casa e de noite, porque a trazem atrelada, que nunca a deixam.(3)

Por 1620, o “partido” dos cristãos-novos era liderado pela família Eminente e, mais em concreto, o “Eminente Lopo Vaz”.

Em janeiro de 1638, o Dr. Diogo de Sousa, inquisidor de Coimbra esteve em visitação em Vila Flor. De entre as pessoas que perante ele se apresentaram a denunciar, destacamos uma Filipa Nunes, filha do médico Francisco Nunes, a qual disse:

— Haverá 5 anos que começou a servir a Leonor Henriques, cristã-nova, casada com Bartolomeu Lopes Teles, cristão-novo, mercador, que mora nesta vila junto à Fonte, os quais serviu um ano e no decurso dele viu que a dita Leonor Henriques em todas as sextas-feiras varria a casa e lha mandava varrer mais que nos outros dias e mandava acender mais cedo os candeeiros…(4)

Abordamos este depoimento não pelo interesse do mesmo mas para notar o facto de a filha de um médico cristão-velho ser criada de servir em casa de um mercador cristão-novo. É apenas um exemplo de como, naquela época, a “gente da nação” se posicionava no seio da sociedade Vila-Florense.

De resto, em consequência desta visitação seria presa a viúva de Francisco Vaz Eminente (Isabel Pereira) e duas filhas. A propósito, veja-se o excerto de uma carta que Lopo Machado Pereira escreveu para a inquisição de Coimbra:

— Obrigado das injustiças, moléstias e vexações que se me fazem, tudo causado pela gente da nação desta Vila Flor (…) E podem perturbar o dar-se a execução às diligências do santo ofício que V. S. me mandam fazer. (…) Assim, mandando prender a Isabel Pereira e suas filhas, pelo corregedor António Cardoso de Sousa, depois de se fazer a prisão a pouco tempo, indo pousar a casa de um clérigo, por nome Pero Esteves, do lugar de Samões, meia légua desta vila, e dando-lhe o dito clérigo um copo de vinho com o qual morreu logo, apressadamente e sem confissão e desde esse tempo até hoje, a gente da nação, principalmente Julião Henriques, cabeça deles, corre com o dito clérigo e seus irmãos com muita amizade, o que deu muita suspeita da sua morte.(5)

Como se vê, Lopo Machado queixa-se da dificuldade que tinha para executar as ordens do santo ofício, como sejam as prisões de cristãos-novos. Olhe-se um pouco mais da carta que vimos citando:

— Tanto que eu prendi a Diogo Henriques e os mais, logo se fintaram contra mim e todos os que nessa ocasião ajudaram, dando 5 mil réis cada um, sendo que passam nesta vila de 100, fazendo-se o dito Julião Henriques a cabeça deles (…) tudo falsidades de que esta gente usa e se gabam poucamente que pois me hão-de destruir e não hei-de prender outros…(6)

Se bem que apenas a viúva e filhas do Eminente fossem então presas, o inquisidor Diogo de Sousa levou para Coimbra um rol de denúncias que, certamente, originaram a abertura de outros processos, os quais foram sendo acrescentados com denúncias enviadas por comissários e familiares da inquisição, bem como as confissões feitas por prisioneiros.

Neste sentido, foi o vigário-geral da comarca e comissário da inquisição, Dr. Paulo Castelino de Freitas encarregado de fazer novas investigações em Vila Flor, em novembro de 1642. Uma das pessoas que então se apresentaram a testemunhar foi Lopo Machado Pereira. Vejamos um pouco do seu depoimento:

— Disse que é fama pública nesta vila (…) que a gente da nação guarda os sábados em observância da lei de Moisés (…) e quando ele vem pela Rua da Fonte, por ser toda de cristãos-novos e gente da nação e às vezes vem de dia e outras de noite e vê estarem as mulheres da nação às janelas, sem trabalharem nem fazer coisa alguma (…) e é público e notório que a gente da nação celebrou uma festa este setembro passado fez um ano e nesse tempo viu ele as mulheres da nação muito bem vestidas…(7)

Não vamos continuar com o depoimento de Lopo Machado e deixamos para outra ocasião os depoimentos de outras pessoas. Diremos tão só que se seguiu a prisão de vários cristãos-novos, entre eles um filho de Julião, chamado Diogo Henriques e, tempos depois, o mesmo Julião Henriques.

Mas se Lopo Machado, Castelino de Freitas e outros conseguiam que a inquisição decretasse a “leva” de Julião para as cadeias de Coimbra, os cristãos-novos não se ficaram quietos “a lamber as mágoas”. Não tendo influência nos tribunais religiosos, o mesmo não acontecia nos tribunais civis, nomeadamente na vedoria e corregedoria da comarca.

Aconteceu que, em Castela, faleceu o padre Abreu Moutinho, de Vila Flor. E logo Lopo Machado, invocando a qualidade de juiz dos órfãos, se meteu a fazer o inventário dos bens do defunto. Porém, o vedor da fazenda encarregou disso um cunhado de Julião Henriques, chamado Rodrigo Fernandes Portello. Ou porque Lopo Machado não respeitasse a ordem do vedor ou porque na execução do inventário tivesse lesado a fazenda nacional, os seus adversários conseguiram que o rei ordenasse ao corregedor da comarca a instauração de um processo. Em consequência, o corregedor decretou a prisão de Lopo Machado.

Competia ao meirinho da correição executar a ordem de prisão. Este, porém, “não se atreveu a isso”. Então, o corregedor tirou-lhe a vara de meirinho, entregando-a a um filho de Julião Henriques, juntamente com o decreto seguinte:

— Eu, André Barreto Ferraz, corregedor desta comarca de Torre de Moncorvo, por este meu ofício e assinado, dou poder a Luís Henriques, morador na dita vila de Vila Flor para que, como meirinho desta correição, possa prender a Lopo Machado, morador na dita vila, por culpas mui graves que dele há neste juízo, e preso o trará à cadeia desta vila, e poderá o dito Luís Henriques, com este mandado, requerer sobre a prisão, todo o favor e ajuda às justiças desta comarca, a qual lhe darão, da maneira que ele requerer, com pena de suspensão de seus ofícios; e feita a dita prisão, não poderá o dito Luís Henriques usar o dito mandado em outra diligência porque só por esta vez lhe dou este poder, por assim convir ao serviço de Sua Majestade; e para o trazer preso à cadeia desta vila poderá pedir ajuda às pessoas que lhe convier, à custa do dito Lopo Machado. Dado na vila da Torre de Moncorvo, feito e assinado por mim, se minha letra e sinal, aos 30 de Agosto de 1644. Ferraz.(8)

Notas:

1 - MORAIS, Cristiano de, Cronologia da História de Vila Flor 1286 - 1986, p. 12.

2 - Inq. Lisboa, pº 2893, de Maria Álvares.

3 - ANTT, inq. Coimbra, pº 536, de Isabel Lopes.

4 - Idem, pº 2903, de Leonor Henriques.

5 - Idem, pº 3869, de Julião Henriques.

6 - Segundo alguns testemunhos, apenas 5 moradores cristãos-novos não contribuíram para esta “finta”. O dinheiro serviria, naturalmente, para contratar bons advogados e “meter cunhas” em Lisboa, na Corte real.

7 - Idem, pº 2903.

8 - Idem, pº 3996, de Jerónimo Guterres.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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