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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O PARTIDO REPUBLICANO CONSERVADOR LOCAL

Trata-se, provavelmente, de uma das primeiras e mais precoces dissidências – um dos primeiros “partidos”, de âmbito local, surgidos após a proclamação da República – inspirada, segundo pensamos, em motivações de índole pessoal e em razões de ordem religiosa. Considerando a precocidade do “cisma” e os verdadeiros motivos que lhe subjazem, não é de estranhar a projeção que este caso e as suas circunstâncias conheceram e o eco que tiveram.


Não teria sido por acaso que surgiu em Bragança esta tentativa. Logo que desponta 1911, a nova força já dispunha de um documento, de um manifesto fundador e, em meados de fevereiro, lançava um jornal. São muitas as reações que o “Partido Republicano Conservador Local” acabou por provocar no espaço nacional. Este caso, com as manifestações que provocou, constitui a prova provada de que o País chegava a Bragança e de que Bragança chegava ao País… Com princípios doutrinais – embora não confessados e, por conseguinte escondidos – semelhantes aos do Partido Nacionalista, como denunciava, no Jornal de Bragança, Raul Teixeira, é compreensível que o influente e republicaníssimo Mundo quisesse “meter na ordem” quem propugnava por tais ideias…
Seriam elementos da Igreja Católica que, por convicções religiosas, estavam por detrás desta aposta. Mas os pressupostos doutrinários enunciados, de inspiração cristã, assumem um cariz progressista que acentuava as dimensões sociais e humanistas da doutrina cristã. É difícil saber se esta orientação progressista correspondia a convicções sinceras dos seus fundadores, ou se se tratava de uma estratégia para facilitar a aceitação do novo partido. Dificilmente se aceitaria, logo nos começos de 1911, um partido, que também se dizia Republicano, ainda que conservador, com conceções muito tradicionalistas e reacionárias da religião.
Esta tentativa de criar uma nova força partidária demonstra que estalam, desde os primeiros momentos, cisões na família republicana; permite saber um pouco mais sobre a perceção e as reações, carregadas de receios, que alguns setores de opinião tinham acerca da agenda religiosa do Governo republicano e as respostas que esses elementos foram dando; permite conhecer os processos com que se tentava contrariar a hegemonia dos poderes instituídos que eram, por vezes, como vimos, considerados não legitimados e ditatoriais.
Este Partido, que se intitulava Republicano, teria uma dupla matriz: republicana e católica. Esta última não seria, contudo, assumida expressamente na designação. Utilizava-se o qualificativo “conservador”, porque se visava, com certeza, uma demarcação em relação à ideologia “avançada” do Partido Republicano e porque era necessário tentar organizar e enquadrar muitos dos que não se reviam nessa ideologia e que podiam sentir saudades do passado.
A alma mater e protagonista de todo este movimento é Olímpio Cagigal, importante funcionário público, muito conhecido na urbe e no meio rural. As funções que desempenhava de médico municipal e as tarefas que exercia teriam contribuído para a projeção de que gozava. Os que o rodeiam e apoiam na concretização deste projeto – e, eventualmente, os que dele se aproveitam –, servem-se do seu prestígio e do seu peso social.
O jornal O Concelho de Bragança é lançado para servir, fundamentalmente, o novo “Partido”. No editorial do primeiro número, explica-se a “Razão de ser” do novo periódico: implantada a República “e separada já a família republicana”, não se compreende que neste Concelho não “surgisse, sem demora, e na mesma arena”, um órgão que não defrontasse o que já existia, A Pátria Nova. “Será rude a peleja”, até porque, segundo crê Olímpio Cagigal, estarão “fusionados” contra o jornal os “antigos partidos – Republicano, Regenerador e Progressista.”


Prossegue a declaração de intenções: “não nos esmorece a coragem e, em defesa da pura democracia, dos interesses da coletividade e dos direitos de cada um, aqui estamos”. Vem, depois uma proclamação extrema de portuguesismo e bairrismo. “Tendo nascido portugueses…, e tendo todas as nossas afeições bem radicadas ao povo deste Concelho, à Pátria e a Ele devemos tudo, quanto somos e quanto valemos”. Estão na liça para “corresponder ao seu apelo [do povo] em defesa de tudo quanto ele ama e está habituado a respeitar.” Consideram-se como um “núcleo de resistência à política do representante do Governo”. “Não pretendem engrandecer à custa da baixeza que resulta da subordinação ou recurso às forças de qualquer partido ou seita… No novo partido têm lugar os ateus e os crentes de qualquer religião, “contanto que seja, como nós, português e brigantino e que, concordando com o nosso programa na sua parte exclusivamente política, saiba respeitar as nossas crenças religiosas.”
Não deixa de ser significativo o facto de o Partido Republicano Conservador Local querer enfrentar – como é dito – a política do “representante do Governo”, ou seja, do Governador Civil. Raul Teixeira diz que o manifesto do doutor Cagigal causou viva celeuma – comentado no Mundo e em A Pátria, e analisado, em artigo de fundo, pelo lisboeta A Capital. Depois, serve-se da veia humorística: um Partido “grande a valer… no nome – Partido Republicano Conservador Local! Chega a gente a cansar-se pronunciando-o”. Aconselha, ainda com humor, Olímpio Cagigal a socorrer-se apenas da sigla para tornar as coisas mais simples: ficaria melhor P.R.C.L. “O diabo é que maliciosas criaturas podiam traduzir as iniciais por ‘Partido Reacionário Cagigalista Liberal’ – ao que dá direito a complicada mayonnaise partidária por vós engendrada, cofiando o pelo ao jesuitismo e dando pancadinhas amigas ao republicanismo”. “Cagigal amigo – não se pode agradar a Deus e ao Diabo. E, amigo Cagigal, um conselho: deixai-vos de partido e não penseis em chefia, ide-vos contentando com a chefia do partido… médico… municipal…”.
Para além da mordacidade do periódico de Raul Teixeira, podemos ler os comentários que tece Inácio Pimentel, diretor do Distrito de Bragança, ligado à “defesa dos interesses trasmontanos”. Pelas suas palavras, percebemos o que se teria passado. Independentemente de ser difícil auscultar, em profundidade, o significado político e social do novo partido, é manifesto que traduz dissidências a nível local – reflexo das existentes a nível nacional – e que tem como um dos objetivos “roubar” bases ao Partido Republicano. Como já sugerimos, parece existir, em Bragança, uma ambiência mais propícia a facilitar uma aventura como esta.
O Distrito de Bragança de 15 de fevereiro de 1911, publica o “Manifesto do Dr. Cagigal”, “destinado a servir a Pátria e a defender os interesses do Concelho de Bragança e a fazer oposição ao Partido Republicano avançado”.
Começa por historiar a política seguida pelo Governador Civil e revela, depois, o capital de queixa do médico, que teria pesado na fundação do novo partido: tendo oferecido os seus serviços ao Governador Civil, como antigo influente político, este não os aceitara, embora não tivesse o “direito de, em nome do País, rejeitar o seu oferecimento”, motivo que o levou a organizar o partido novo. Donde se conclui que uma forte motivação residiu no despeito e no orgulho ferido…
Inácio Pimentel sente-se com “autoridade moral bastante” para fazer várias e oportunas considerações que, como acabámos de ver no ponto anterior, nos fornecem elementos para compreender o ambiente político que se vivia. “É claro que, vista a impossibilidade de fabricar republicanos históricos, foi preciso aceitar aqueles que, não sendo republicanos até essa data, espontaneamente ofereceram à República os seus serviços”. E faz questão de notar – o que, em certa medida, desculpabiliza o fundador do P.R.C.L – que, no “partido neorepublicano”, se encontraram, no Distrito, “indivíduos com um passado político mais vergonhoso e muito mais comprometido nas bandalheiras da Monarquia do que o sr. Dr. Cagigal”. E acrescenta: “Isto quer dizer que aqueles sujeitaram-se e sujeitam-se a todas as humilhações e sabugices para conseguir as graças do novo regímen, na fagueira esperança de dentro dele continuarem a ser os refinados intrujões que nós, infelizmente, conhecemos”. Mas, na sua opinião, o que o Dr. Cagigal devia fazer era tornar se esquecido, uma vez que tem grandes responsabilidades na política “nefasta” dos monárquicos, porque trabalhou “em todos os campos políticos da Monarquia.” E se tentou “também conseguir as boas graças do novo regímen”, não chegou “aos extremos do servilismo de outros companheiros das lides na política monárquica”.
Faz, ainda, uma avaliação dos princípios programáticos do P.R.C.L. e avança o que, na sua opinião, são esclarecidas e avisadas razões sobre os inconvenientes de organizar um novo partido. Para “consolidar” as novas instituições, não são precisos inúmeros “partidelhos”, porquanto foram “a manifestação pútrida da política final seguida pela Monarquia”; assim sendo, “não há coerência entre a maneira de pensar do sr. dr. Cagigal e o seu procedimento”.
Num último ponto, afirma que o fundador do novo periódico “teme a dispersão das suas hostes eleitorais” e que, para o evitar, “pensa em conservá-las unidas debaixo de uma nova bandeira”. Termina com um conselho que poderia imprimir uma orientação útil à ação do doutor Cagigal, pondo-a ao serviço dos interesses da Liga de Defesa dos Interesses Trasmontanos: deveria “incitar os indivíduos que lhe são dedicados a pugnar pelas ideias da Liga.” Veria “nobilitada” a sua atuação e seria melhor para o Concelho e para o Distrito, e suas instituições.
Inácio Pimentel, com esta proposta, visava angariar gente para essa “frente cívica” que era a Liga. Conhecemos-lhe as intenções e os propósitos, alguns deles muito louváveis; não sabemos quais os resultados na prática.



Os princípios que informavam o novo partido misturavam a defesa do povo com a defesa dos interesses da Igreja – não é por acaso que no programa merecem tão grande destaque – e com a defesa dos interesses locais. Ingredientes que, em princípio, deviam resultar, numa região com crenças religiosas tão arreigadas. Não se esqueça que já haviam sido tomadas várias providências para combater o papel da Igreja e que se preparava a Lei de Separação das Igrejas do Estado, publicada em 20 de abril de 1911. Numa região onde havia gente assustada com o que estava a acontecer e mais ainda com o que estava para vir, era natural que pressupostos como esses angariassem apoiantes e causassem alguns danos ao Partido Republicano Histórico e ainda ao Partido Neorepublicano. Como já sugerimos, era uma estratégia que visava congraçar gentes que ainda estariam próximas dos partidos monárquicos, que se tinham desorganizado e, aparentemente, desaparecido. Tudo isto nos pode ajudar a compreender manifestações conservadoras como as que se plasmavam no Partido Republicano Conservador Local, que teve vida efémera.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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