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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Falando de noite e de amor

 O que não significa, como fica dito acima, que não haja poetas que, falando de noite e de amor, mantêm em relação a eles uma puritana reserva.
É o caso de Soares de Passos, poeta a que ainda voltaremos, no tão decantado — e cantado, acompanhado ao piano — «Noivado do sepulcro», poema narrativo que começa justamente dando logo no primeiro decassílabo as coordenadas temporais e espaciais da história que vai contar: «Vai alta a lua! na mansão da morte». Ou seja: é noite no cemitério. Nessa balada seminal, que tanto epigonismo fez pingar em álbuns de senhoras aliteratadas e tanta lágrima fez derramar a meninas tísicas, o poeta faz da noite do cemitério o cenário para umas núpcias que não foi possível celebrar em vida. De forma que:

[...] mais tarde, quando foi volvido
 Das sepulturas o gelado pó,
 Dois esqueletos, um ao outro unido,
 Foram achados num sepulcro só.

Presume-se, naturalmente — et pour cause — que a união post mortem dos dois noivos tenha sido casta. De qualquer modo, há a meio do poema uma alusão de passagem ao «infernal prazer» que se presume condenável.
O alemão Friedrich Novalis, cinquenta anos antes, não tinha ido tão longe na exploração macabra da noite. O romantismo ainda não degenerara e ainda se continha dentro de limites apesar de tudo razoáveis. Os melancólicos “Hinos à Noite” — hoje de leitura quase tão estimulante como um cronicão medieval, mas que na altura (princípios do século XIX) fizeram a reputação do poeta — são a sua obra definitiva. Uma vez mais, estes hinos são o oposto da visão da noite como alcoviteira. A noite é antes uma figuração da morte. De resto, foi a morte da sua amada noiva, Sofia, com apenas quinze anos de idade, que lhe inspirou os hinos. A noite de Novalis é uma porta mística por onde se entra à presença de Deus. Já não está associada a Eros, mas a Thanatos — o que para alguns não será tão contraditório assim. Pois não há quem, com boas razões, afirme que o momento supremo do êxtase amoroso é uma benévola prefiguração da agonia final? Novalis, contudo, não foi por esses caminhos, que então ainda estavam por percorrer. Para ele, a noite é um pouco como para Fernando Pessoa, aliás Álvaro de Campos, numa conhecida ode: «enfermeira antiquíssima», que pode arrancar o poeta «do solo de angústia e de inutilidade». Ou seja: consoladora dos aflitos.
Como se vê, a cada um sua noite.

(continua)

A. M. Pires cabral

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