Para o caso de alguns dos meus Amigos FB não estarem familiarizados com esta vista, diga-se desde já que o rio que corre lá no fundo é o Sabor, um dos afluentes da margem direita do Douro. Atravessando a ponte, passada meia dúzia de quilómetros, estamos em Torre de Moncorvo. Aqui o rio está já muito próximo (um ou dois quilómetros, talvez) da sua entrada no Douro.
Agora que lhes satisfiz a curiosidade, deixem-me espraiar um pouco, dando largas aos sentimentos que a fotografia acorda em mim.
Este troço do Sabor era um dos nossos favoritos para a pesca. A proximidade do Douro abastecia-o abundantemente de peixes. E que peixes? Ainda não tinha aparecido, nesses anos 50 e 60 do século passado, uma certa casta de pescadores criminosos, porque criminosamente têm andado a introduzir nos nossos rios espécies alóctones que destroem as espécies autóctones, como é o caso do tristemente célebre lúcio, que na sua insaciável voracidade leva tudo a eito: peixes, rãs, cobras-d’água e até aves aquáticas. Dizendo-o com todas as letras: esses senhores têm destruído em dois ou três anos, o que a mãe Natureza construiu em milhões de milénios.
Pois nesses tempos, o que se pescava nesta parte do Sabor eram barbos, escalos, bogas, enguias e tencas (estas, também chamadas pimpões, uma espécie que não subia muito o rio e só se encontrava próximo da foz). Pescavam-se ainda uns peixes pequenos e sem valor culinário, a que os pescadores de rede locais chamavam ironicamente tubarões. E por vezes pescava-se involuntariamente um ou outro cágado, a que também se chamava sapo-concho ou sapo-conqueiro. Num certo dia particularmente azarado, o meu Pai pescou nada menos de sete destes pachorrentos quelónios, a que era dificílimo retirar o anzol, e ainda por cima cheiravam pior do que ol que dizem que cheira o ninho da boubela. Foi um record que nunca vimos igualado, quanto mais superado.
Já nos anos 70, constituí a minha própria equipa que aos sábados me acompanhava para o rio. Deixo aqui os seus nomes em respeito à sua memória (já faleceram todos) e como preito de gratidão pela camaradagem e amizade que me dedicavam. Eram eles Joaquim Santos, o ‘Ramex’, Leopoldo Ribeiro e Alfredo Fraga. Aos sábados, como digo, lá íamos todos no meu Anglia Fascinante para onde nos palpitasse que o peixe picaria mais. Podia ser a Ponte de Remondes, também sobre o Sabor, umas dezenas de quilómetros a montante, ou a ribeira de Gralhós, que dava escalos estupendos, ou este troço do Sabor de que vimos falando.
Tão importante como a pesca, era a hora da merenda. Cada um de nós levava o seu farnel, e, ao fim da tarde, juntavam-se os quatro farnéis num farnel único. Com a passagem do tempo, os farnéis foram-se especializando (à falta de melhor termo). Cada um trazia o que já sabia que todos apreciavam. O Sr. Leopoldo trazia bolos de bacalhau, o ‘Ramex’ trazia uma omeleta, o Fraga creio que trazia um naco de presunto. E eu? Eu trazia uma coisa que na aparência era uma omeleta, mas na verdade era uma espécie de pastelão doce feito com Nestum Figos (coisa que a Nestlé deixou de fabricar, e é pena), que a minha Mulher inventou e era uma delícia para encerrar condignamente e em doçura a comezaina.
Se repararem na fotografia, do lado de lá da ponte, sobre a direita, vê-se distintamente uma casa branca, que julgo que era um armazém da Junta Autónoma das Estradas. Do lado oposto, vê-se muito mal uma outra construção não rebocada, que dera uma taberna: a taberna do Lino, santo homem, que nos deixava merendar, a troco das duas ou três laranjadas
que nos vendia ao longo da jornada de pesca. O Lino decerto já morreu também. E a mim, único sobrevivente, no termo desta evocação saudosa e comovida, não me ocorre nada de melhor do que, à semelhança do que oiço fazer às gentes de Grijó, formular o voto sincero de que Deus fale muitas vezes na alma do ‘Ramex’, do Leopoldo, do Fraga e do Lino, que, todos eles, encheram de sentido tantas das minhas tardes de sábado e me proporcionaram momentos de uma alegria que poucas veze terei repetido e por isso não posso esquecer.
Onde me trouxe esta fotografia que tirei há sessenta anos!
Resta dizer que o que se vê na fotografia está hoje debaixo da água represada por uma barragem que creio não estará longe deste lugar. E juntamente com a ponte e a taberna do:Lino e tudo o resto, também um pedaço da minha vida está ali submerso. O que me leva a acrescentar o voto que acima formulei: que Deus fale muitas vezes no rio Sabor de outros tempos, do qual se dizia, não sei se com razão, que era o último rio selvagem da Europa.
Agora que lhes satisfiz a curiosidade, deixem-me espraiar um pouco, dando largas aos sentimentos que a fotografia acorda em mim.
Este troço do Sabor era um dos nossos favoritos para a pesca. A proximidade do Douro abastecia-o abundantemente de peixes. E que peixes? Ainda não tinha aparecido, nesses anos 50 e 60 do século passado, uma certa casta de pescadores criminosos, porque criminosamente têm andado a introduzir nos nossos rios espécies alóctones que destroem as espécies autóctones, como é o caso do tristemente célebre lúcio, que na sua insaciável voracidade leva tudo a eito: peixes, rãs, cobras-d’água e até aves aquáticas. Dizendo-o com todas as letras: esses senhores têm destruído em dois ou três anos, o que a mãe Natureza construiu em milhões de milénios.
Pois nesses tempos, o que se pescava nesta parte do Sabor eram barbos, escalos, bogas, enguias e tencas (estas, também chamadas pimpões, uma espécie que não subia muito o rio e só se encontrava próximo da foz). Pescavam-se ainda uns peixes pequenos e sem valor culinário, a que os pescadores de rede locais chamavam ironicamente tubarões. E por vezes pescava-se involuntariamente um ou outro cágado, a que também se chamava sapo-concho ou sapo-conqueiro. Num certo dia particularmente azarado, o meu Pai pescou nada menos de sete destes pachorrentos quelónios, a que era dificílimo retirar o anzol, e ainda por cima cheiravam pior do que ol que dizem que cheira o ninho da boubela. Foi um record que nunca vimos igualado, quanto mais superado.
Já nos anos 70, constituí a minha própria equipa que aos sábados me acompanhava para o rio. Deixo aqui os seus nomes em respeito à sua memória (já faleceram todos) e como preito de gratidão pela camaradagem e amizade que me dedicavam. Eram eles Joaquim Santos, o ‘Ramex’, Leopoldo Ribeiro e Alfredo Fraga. Aos sábados, como digo, lá íamos todos no meu Anglia Fascinante para onde nos palpitasse que o peixe picaria mais. Podia ser a Ponte de Remondes, também sobre o Sabor, umas dezenas de quilómetros a montante, ou a ribeira de Gralhós, que dava escalos estupendos, ou este troço do Sabor de que vimos falando.
Tão importante como a pesca, era a hora da merenda. Cada um de nós levava o seu farnel, e, ao fim da tarde, juntavam-se os quatro farnéis num farnel único. Com a passagem do tempo, os farnéis foram-se especializando (à falta de melhor termo). Cada um trazia o que já sabia que todos apreciavam. O Sr. Leopoldo trazia bolos de bacalhau, o ‘Ramex’ trazia uma omeleta, o Fraga creio que trazia um naco de presunto. E eu? Eu trazia uma coisa que na aparência era uma omeleta, mas na verdade era uma espécie de pastelão doce feito com Nestum Figos (coisa que a Nestlé deixou de fabricar, e é pena), que a minha Mulher inventou e era uma delícia para encerrar condignamente e em doçura a comezaina.
Se repararem na fotografia, do lado de lá da ponte, sobre a direita, vê-se distintamente uma casa branca, que julgo que era um armazém da Junta Autónoma das Estradas. Do lado oposto, vê-se muito mal uma outra construção não rebocada, que dera uma taberna: a taberna do Lino, santo homem, que nos deixava merendar, a troco das duas ou três laranjadas
que nos vendia ao longo da jornada de pesca. O Lino decerto já morreu também. E a mim, único sobrevivente, no termo desta evocação saudosa e comovida, não me ocorre nada de melhor do que, à semelhança do que oiço fazer às gentes de Grijó, formular o voto sincero de que Deus fale muitas vezes na alma do ‘Ramex’, do Leopoldo, do Fraga e do Lino, que, todos eles, encheram de sentido tantas das minhas tardes de sábado e me proporcionaram momentos de uma alegria que poucas veze terei repetido e por isso não posso esquecer.
Onde me trouxe esta fotografia que tirei há sessenta anos!
Resta dizer que o que se vê na fotografia está hoje debaixo da água represada por uma barragem que creio não estará longe deste lugar. E juntamente com a ponte e a taberna do:Lino e tudo o resto, também um pedaço da minha vida está ali submerso. O que me leva a acrescentar o voto que acima formulei: que Deus fale muitas vezes no rio Sabor de outros tempos, do qual se dizia, não sei se com razão, que era o último rio selvagem da Europa.
Muito oportuno e verdadeiro
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