Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Fake news… De um momento para o outro uma expressão que não conhecíamos salta para o ar ou, como se diz agora, para o ciberespaço. E com o mesmo fascínio da rapaziada que se esfalfa para apanhar a cana de foguete caída no meio de umas touças, corremos sôfregos a apanhá-la para lhe chamar nossa, mostrarmos que estamos à la page e nada nos escapa do que se passa à nossa volta. O mesmo se poderia dizer de muitas outras, tais como austeridade ou crise.
No entanto nem ela nem aquilo para que aponta são realidades novas. A falsidade é parte inerente do mecanismo da vida. O predador tem que ser falso se quer apanhar a presa, e esta também se lhe quiser escapar. Se não fosse a falsidade nenhum de nós estaria aqui para tomar conhecimento dela. É certo que no universo humano o jogo do faz-de-conta se aprimorou de forma extraordinária. Curiosamente, chamou-se secretário à pessoa mais próxima do chefe porque o segredo, o fingimento, a astúcia, a mentira, andaram sempre estreitamente ligados a todos os tipos de poder. Mas não é necessário saber isto nem ir buscar sociedades ou polícias secretas, contrainformações, segredos de estado, de justiça e de família para o exemplificar porque, na verdade, nas nossas vidas pessoais quase todos vamos gerindo melhor ou pior diferendos confidenciais com a verdade.
Quando o velho sócrates, há vinte e cinco séculos, fez a célebre recomendação “conhece-te a ti próprio”, estava no fundo a informar-nos de que por detrás das máscaras mais ou menos produzidas que exibimos existe outra realidade, muito mais verdadeira do que essa, que seria necessário conhecermos para conhecer (todo o universo). Portanto, assumia claramente que não somos o que parecemos, que as nossas vidas acabam por ser um teatro, uma representação.
Já mais perto de nós, em princípios do século que passou, um vienense de barbas brancas, sigmund freud de seu nome, foi mais longe. Jurou a pés juntos que o nosso comportamento é controlado por forças que desconhecemos, tão poderosas quanto irracionais. Era gravíssima uma das coisas a inferir das suas descobertas: a parte racional, consciente, não controla mais do que uma pequena porção dos nossos atos. Numa fórmula mais crua ainda, apenas somos senhores de uma parte reduzida daquilo que fazemos. Na época, a indignação e o escândalo não poderiam ser maiores, tanto assim que tudo foi feito para desacreditar, e depois esquecer, esse clínico de aspeto venerável. É que se tratava de uma machadada de vulto no orgulho de quem há muito se vinha denominando “animal racional” ou, com uma pompa que a ciência caucionava, “homo sapiens”. Mas pouco importou: a partir daí compreendeu-se que era extremamente difícil a um ser humano descobrir a sua própria verdade, quanto mais pretender atingir qualquer tipo de verdade.
Todavia, já mil e novecentos anos antes, quando um dia tinham desafiado jesus a que se definisse ele declarara simplesmente: eu sou o caminho, a verdade, a vida. Aquela palava do meio não deixa dúvidas de que ele via a fuga e a traição à verdade íntima como a fonte do padecimento humano, assim como a sua procura a única coisa suscetível de o poder salvar desse padecimento. E tendo em conta que também conhecia bem de mais a dificuldade da tarefa, tudo isso lhe inspirava uma infinita comiseração pelo ser humano.
De facto, a verdade pode provocar-nos calafrios. A sua recusa tem o potencial de nos fazer adoecer com gravidade. Quando por vezes ousa assomar sem ser chamada, desviamos a vista aterrorizados. Usamos de mil subterfúgios para lhe escapar. Criamos vidas que se situam entre a comédia, a farsa e a tragédia só para a esconder. Assassinamos se for preciso para que não seja conhecida e conste aquilo pelo qual a queremos substituir.
E então, no meio disto tudo, fake news... E toca de brincarmos com as duas palavrinhas novas como com um brinquedo que um tio trouxe do estrangeiro (quando os tios traziam brinquedos do estrangeiro). Virgem santa, chocarmo-nos por saber que há pessoas que publicam coisas falsas! Descobrimos então agora de repente que somos enganados, manipulados, instrumentalizados, coisa que sempre fomos e vamos continuar a ser. Mas não será isso apenas um simples retorno resultante de cada um de nós instrumentalizar, enganar, manipular?
No entanto nem ela nem aquilo para que aponta são realidades novas. A falsidade é parte inerente do mecanismo da vida. O predador tem que ser falso se quer apanhar a presa, e esta também se lhe quiser escapar. Se não fosse a falsidade nenhum de nós estaria aqui para tomar conhecimento dela. É certo que no universo humano o jogo do faz-de-conta se aprimorou de forma extraordinária. Curiosamente, chamou-se secretário à pessoa mais próxima do chefe porque o segredo, o fingimento, a astúcia, a mentira, andaram sempre estreitamente ligados a todos os tipos de poder. Mas não é necessário saber isto nem ir buscar sociedades ou polícias secretas, contrainformações, segredos de estado, de justiça e de família para o exemplificar porque, na verdade, nas nossas vidas pessoais quase todos vamos gerindo melhor ou pior diferendos confidenciais com a verdade.
Quando o velho sócrates, há vinte e cinco séculos, fez a célebre recomendação “conhece-te a ti próprio”, estava no fundo a informar-nos de que por detrás das máscaras mais ou menos produzidas que exibimos existe outra realidade, muito mais verdadeira do que essa, que seria necessário conhecermos para conhecer (todo o universo). Portanto, assumia claramente que não somos o que parecemos, que as nossas vidas acabam por ser um teatro, uma representação.
Já mais perto de nós, em princípios do século que passou, um vienense de barbas brancas, sigmund freud de seu nome, foi mais longe. Jurou a pés juntos que o nosso comportamento é controlado por forças que desconhecemos, tão poderosas quanto irracionais. Era gravíssima uma das coisas a inferir das suas descobertas: a parte racional, consciente, não controla mais do que uma pequena porção dos nossos atos. Numa fórmula mais crua ainda, apenas somos senhores de uma parte reduzida daquilo que fazemos. Na época, a indignação e o escândalo não poderiam ser maiores, tanto assim que tudo foi feito para desacreditar, e depois esquecer, esse clínico de aspeto venerável. É que se tratava de uma machadada de vulto no orgulho de quem há muito se vinha denominando “animal racional” ou, com uma pompa que a ciência caucionava, “homo sapiens”. Mas pouco importou: a partir daí compreendeu-se que era extremamente difícil a um ser humano descobrir a sua própria verdade, quanto mais pretender atingir qualquer tipo de verdade.
Todavia, já mil e novecentos anos antes, quando um dia tinham desafiado jesus a que se definisse ele declarara simplesmente: eu sou o caminho, a verdade, a vida. Aquela palava do meio não deixa dúvidas de que ele via a fuga e a traição à verdade íntima como a fonte do padecimento humano, assim como a sua procura a única coisa suscetível de o poder salvar desse padecimento. E tendo em conta que também conhecia bem de mais a dificuldade da tarefa, tudo isso lhe inspirava uma infinita comiseração pelo ser humano.
De facto, a verdade pode provocar-nos calafrios. A sua recusa tem o potencial de nos fazer adoecer com gravidade. Quando por vezes ousa assomar sem ser chamada, desviamos a vista aterrorizados. Usamos de mil subterfúgios para lhe escapar. Criamos vidas que se situam entre a comédia, a farsa e a tragédia só para a esconder. Assassinamos se for preciso para que não seja conhecida e conste aquilo pelo qual a queremos substituir.
E então, no meio disto tudo, fake news... E toca de brincarmos com as duas palavrinhas novas como com um brinquedo que um tio trouxe do estrangeiro (quando os tios traziam brinquedos do estrangeiro). Virgem santa, chocarmo-nos por saber que há pessoas que publicam coisas falsas! Descobrimos então agora de repente que somos enganados, manipulados, instrumentalizados, coisa que sempre fomos e vamos continuar a ser. Mas não será isso apenas um simples retorno resultante de cada um de nós instrumentalizar, enganar, manipular?
(Nordeste - jan. 2019)
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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