[Contemplando o céu estrelado] Entendia então melhor os arroubos cósmico-místicos de Soares de Passos:
Glória a Deus! Eis aberto o livro imenso,
O livro do infinito,
Onde em mil letras de fulgor intenso
Seu nome adoro escrito.
E ficava uma boa meia hora a remoer o poema, em que o amável poeta tísico cisma e interroga:
Estrelas, que brilhais nessas moradas,
Quais são os vossos destinos!
E depois, descendo da imensidão do céu à pequenez da terra:
Terra, globo que geras nas entranhas
Meu ser, o ser humano,
Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,
E com teu vasto oceano?
Tu és um grão de areia arrebatado
Por esse imenso turbilhão dos mundos [...].
E depois ainda, alargando a passada e saltando da pequenez da terra para a mesquinhez do homem:
E tu, homem, que és tu, ente mesquinho
Que soberbo te elevas,
[...] Tu vives um instante, e de teus ossos
Só restam cinzas que sacode o vento.
Tudo bem dentro dos cânones ultra-românticos. Mas mesmo assim desinquietador.
Percorria, na noite profundíssima dos campos de Grijó, a via-sacra angustiada de Soares de Passos, levando-lhe se calhar vantagem, por estar alumiado — e, se calhar, por isso mesmo mais angustiado — por teorias que ele ainda não podia conhecer, o Big Bang e essas coisas todas que ainda não decidi se me aproximam ou me afastam de um hipotético relojoeiro celeste.
Em especial, aquela comparação da Terra com um «grão de areia arrebatado / Por esse imenso turbilhão dos mundos» cavava abismos na minha noite. O mistério do infinito espacial trazia agarrado a si, como se fosse a outra face da moeda, o mistério do infinito temporal, a eternidade, coisa que nunca pude entender — nem de resto é para entender, a não ser vagamente, através de alguma formulação poética, como uma de Hendrik van Loon que li já não sei onde e me deu no goto. Na verdade, a poesia com as suas intuições sempre explicou esses mistérios melhor do que a filosofia. Sabedor disso, em vez de lucubrações filosóficas que o não levariam senão à desistência ou ao desespero, o escritor, holandês de nascimento e naturalizado americano, prefere uma imagem de serena simplicidade: «Longe, ao Norte, numa terra chamada Svithjod, existe um rochedo. Tem cem milhas de altura e cem milhas de largura. Uma vez em cada mil anos, vem um passarinho afiar o bico na pedra. Quando esta tiver sido totalmente desgastada, então terá passado um só dia da eternidade.»
Pondo de lado sáfaros conceitos abstractos, Hendrik van Loon serve-se da sugestiva e frágil imagem do passarinho que afia o bico no formidável rochedo de Svithjod. É evidente que, ainda assim, não logrou fazer-nos apreender a eternidade, mas apenas um período de tempo muito, muito longo — que não é o mesmo que a eternidade. Mas também não vejo outra maneira de nos aproximarmos do infinito, senão reduzi-lo a um finito muito grande, susceptível de ser, com mais ou menos esforço, apreendido pelo nosso espírito.
E, olhando sempre o céu da noite, também entendia melhor o impulso lírico do povo, que o faz cantar coisas cristalinas como esta:
Setestrelo rondador,
Contrário a quem namora,
Recolhe-te, ó Setestrelo,
Que eu quero rondar agora.
E não é que, chegados aqui, estamos de novo a pontos de encarar a noite no seu ancestral papel de alcoviteira? Pois que diferença ética — à falta de melhor palavra — encontramos entre esta redondilha e a quadra acima citada do soneto de Bocage? Que se pede à frouxa lumieira do Setestrelo senão que, retirando-se, fomente a escuridão «amiga de Amor»?
Caramba, foi uma reviravolta de 360 graus!
(E pronto, terminou. Desculpem se enfadei.)
Créditos da imagem: Wikipedia
(...) -Lindo e, para mim óptimo texto. O Mestre Jesus, (supostamente!), terá dito: "Há muitas moradas na casa de meu Pai" . Se Ele disse, talvez a metáfora ou parábola não se referisse só e apenas ao sentido espiritual. Já sabemos muito mais que há dois mil e tal anos, mas só sabemos um pouco mais, de que: "nada sabemos!". Dos 100% da massa do Universo (ou Multiverso?!...), não conhecemos nada sobre 95% da mesma que o formam que é, a "matéria escura", por isso foi designada pela ciência com este nome. Mas como sou adepto de pensar que não há verdades absolutas, não vou deixar de me questionar, sobre "outros mundos" independentemente digamos, das (supostas!) formas de vida, macro, micro ou "outras coisas" que por lá existam.
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