domingo, 26 de fevereiro de 2023

Para o teu coração num domingo

 Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)

Podia dizer-to em qualquer outro dia, mas creio que hoje, domingo, é um bom dia. Porque tem cor de manhã que nos aquece mais um pouco na preguiça vagarosa das horas. E tem o som dos pássaros nas árvores, que começam a preparar os braços vazios para receber o riso morno da primavera. E o céu a esconder-se, envergonhado, por trás das nuvens que procuram o riso de um céu mais azul.
Portanto, talvez hoje, que é domingo, suponho que me ouças mais atento, como os amigos que escutam melhor quando o tempo lhes sobra nos dedos e no olhar.
Hoje, deixa-me sentar ao teu lado e falar ao ouvido dos teus fantasmas que te são presença indispensável e que os outros não veem. 
É que quero contar-te um segredo. Um segredo daqueles tão imensos como a própria vida e que, por isso mesmo, não têm nada de secreto. Porque todos o conhecem. 
Sabes, não vale a pena fugir dos espelhos que tratas como inúteis e aos quais finges que não ligas no teu cansaço escondido, enquanto escreves nas páginas do teu peito cansado, palavras sobre a esperança de alguém vir tocar-te no coração. O peso do tempo é sombra que sempre virá e retornará, mesmo que dês um pontapé nas vidas que não queres ter. Mesmo que durmas enrolado nas dúvidas do abismo a descoberto nas rugosidades dos anos e da tua pele, como uma fenda na estranheza do que em ti se faz noite.
São as raízes do teu sangue transportadas pelos fios do tempo, ainda que te dispas de cada um dos teus sonhos, ainda que caminhes à maneira de um desesperançado nos silêncios das paredes da casa onde, tantas vezes, te alimentas das lágrimas desse homem que se acredita vivo para nada.
Descobre a urgência de mudares em definitivo o teu mundo, deixares no esquecimento os que te calam a paz que anseias. E entenderes que há desventuras que não são desdita nenhuma, mas apenas o fim possível de todos os destinos do corpo.
Não te demores demasiado nas sombras que te cegam. Não te permitas morrer assim, nesse desejo de não te amares.
Se me deixares, talvez ainda te encontre uma noite de verão para poderes contar às estrelas o pressentir das palavras claras do teu sol.
Afinal, tu sabes, sou capaz de ficar ao teu lado de olhos fechados como me fizeste prometer, para não corromper a imagem que a memória afagou e nela sentires que me permaneces eterno. Como um amor perfeito.

Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021: Cultura sem Fronteiras (coletânea de literatura e artes) e Nunca é Tarde (poesia).
Prefaciadora do romance Amor Pecador, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021) e da obra poética Pedaços de Mim, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021).
Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."-Bragança, da Revista HeliMagazine e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, sendo administradora da página de poesia e fotografia, Flor De Liz..

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