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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Peripécia 7 : Roubar fruta no Seminário

Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Peripécias de um Penalbilhas na Escola Industrial de Bragança

Numa noite de luaceiro leitoso, dessas noites em que os  grilos nos lameiros se esmilhafram em trinados polissonoros para conquistar a dama para uma noite a dois, estávamos uma dezena de bardinos sentados nas imediações dos Correios. Tentávamos matar o tempo com javardices pouco éticas e tchotchices pouco Cristãs.
    De repente, o penalbilhas levantou-se, sacudiu as calças no rabo e disse peremptoriamente :
     - Bom...ou bou já prá cama, ou bamos ós morangos ó Seminário.
     - É pra já – disse a maioria.
     Levantámo-nos todos, excepto três. Descemos a Almirante Reis e fomos até à Avenida do Sabor – penso que era assim que se chamava, onde tínhamos o Seminário do lado esquerdo. Confesso que eu só fui por carneirismo, porque se me palpitava que a coisa iria correr mal. Aliás, comigo, essas coisas corriam sempre mal! Já na minha aldeia, quando os garotos iam roubar melões, uvas, cerejas ou pêssegos, nunca eram apanhados. Pois, quando eu fazia parte da “ cmandita “ (comitiva), nunca falhava: éramos sempre descobertos e depois...lá vinham as nalgadas e as chineladas da Mãe.  Eu era aquilo  a que os brasileiros chamam de “ pé frio”.
     Além do mais, acresce ainda que eu tinha um primo padre que era Professor de Matemática no Seminário, a quem chamavam o “ bruxo “. Diziam os seminaristas que aparecia sempre nas horas mais inconvenientes. “ Inté parece qu´adbinha. Parece qu´ é bruxo! “ - exclamavam. Já agora,  na eventualidade de alguém do grupo ter sido aluno dele e para quem tiver curiosidade em saber quem é ( era, paz à sua alma), chamava-se   Padre Belizário.
     Saltámos o muro no local mais acessível e procurámos o campo dos morangos. Passámos por uma horta grande, bem cuidada, com talhões de tomates, feijão de enrolar, um enorme talhão de cebolo, alfaces e pimentos. Tudo muito bem cuidado e tratado. Lá chegámos ao campo dos morangos. Parecíamos um bando de estorninhos numa oliveira “ negrutcha”. Parecia dia, tal era a luminosidade do luar!
     Como os morangos estavam camuflados pelas folhas, tínhamos que descobrir os maduros  pelo apalpar. Quando, ao tacto, a plasticidade do dito estava dentro da escala, era dizimado logo ali. Aqueles que estavam a descoberto, a cor ia da cornalina à granada,  passando pelo rubi e pelo jaspe. Uns de cócoras e outros deitados, movimentando-se  como os sapos,  que mais pareciam soldados a rastejar em teatro de guerra, todos queríamos apanhar aquele fruto rico em antioxidantes (flavonoides). Todos andávamos com a maior descontração e despreocupados de todo, sem tomarmos o mínimo de cuidado. Parecíamos crianças em campo aberto,  no retouço, a jogar a bola ou à barra. Quantos de nós seria assim que libertávamos os demónios – ou os santinhos – conforme o caso ?!
  Quando eu descobri  uma quantidade apreciável deles maduros, junto a uma estrema, gritei para os outros : “ É pá! Binde prá qui, qu´aqui é qui os há bôs “. Mal eu tinha acbado de dar a informação, eis que um vulto enorme, projectado para o Céu, com um cajado nas mãos, ameaçou: “ Andende cá, seus ladrões, qu´eu dou-bos os bôs e os ruins “. 
      “  Ah, carai! Pernas pra que bos quero!! “.  Desarvorámos todos dali como um bando de pardais atormentados por uma fisgada numa das faias da minha aldeia. Conhecendo a fundo as regras básicas da “ profissão “, ordenou-nos o penalbilhas: “ Separai-vos. Não fugis todos juntos pró mesmo lado”.  E assim foi: cada um fugiu para seu lado; uns para a esquerda, outros para a direita e outros em frente, baralhando assim o guardador que ficou confuso e não sabia atrás de quem correr. Umas pedradas isoladas para cada lado, inofensivas e uns impropérios inócuos, assim foi o desfecho de tal aventura, no máximo da adrenalina.
     Juntámo-nos mais tarde todos, ainda a arfar, junto ao Cruzeiro, na Praça da Sé. Ainda mal refeitos do susto, ríamos a bandeiras despregadas. Como diria o penalbilhas : “ Catanchos. Desta já nos safemos...! “. No entanto, culpámos o Moisés por ter levado uma camisa branca.
“ Andába -mos augadinhos e foi só pra desiaugar “- justificava-se o Bernardo, rapaz baixo mas corpulento, de poucas falas.
     Não contentes e nem satisfeitos com a aventura, as hormonas  pediam mais pois,  se assim não fosse,  não passávamos pela (da) fase conhecida como “ juventude “ e éramos toda a vida uns insonsos penalbilhas adolescentes. Não podemos passar directamente da infância para a fase adulta sem passarmos pela adolescência pois, se assim acontecer, seremos uns adultos “ mancos”, incompletos e pagaremos as favas mais tarde.
     Como ia dizendo, cerca de um mês mais tarde, meados de Junho, maioritariamente o mesmo grupo e, por sugestão do penalbilhas – de quem havia de ser! – decidimos ir às cerejas ao mesmo Seminário. Mas desta vez certificámo-nos de que ninguém levava roupa branca, embora a lua estivesse no quarto minguante. Aproximámo-nos com a maior das cautelas, num silêncio absoluto. As cerejeiras eram muitas e de diferentes portes: umas mais altas, às quias tínhamos que subir e as mais baixas, com os ramos carregados, a pender para o chão. A estas nõ era preciso subir; podíamos perfeitamente colhê-las do chão. Tal como os morangos, o espectro cromático era  em tudo idêntico : ia do verde escuro, passando pelo verde claro, roxo e todo o tipo de vermelhos, do claro ao carmim.
    Para ser sincero, os meus Paios apenas tinham uma cerejeira, mas era serôdia.  As primeiras cerejas que comia, eram as que a minha Mãe comprava na feira do dez de Maio, em Moncorvo, presas num raminho – caríssimas! (Quem terá a coragem de dizer que nessa altura não havia já “ Técnicas de Marketing “?
    Como melros numa amoreira, atacámos como uns deslamados – é fartar vilanagem! – as pobres cerejas que se nos ofereciam descuidadas e gratuitas. Eu e o penalbilhas- por sugestão dele – subimos a uma das mais altas. Havia cerejas para comer e meter nos bolsos. No melhor do respasto, eis que, no silêncio e escuridão da noite, zunem os chumbos por cima das nossas cabeças, disparados pela caçadeira do guardador! Fugiram todos diante dumas caralhadas do dito, que corria atrás deles como se fosse tirar o Pai da forca. Como já todos sabíamos a lição, cada qual fugiu para o seu lado, dificultando, assim, a eficácia do guardador que, coitado, corria atrás de todos menos de dois: de mim e do penalbilhas! A consellho deste “ Chiu! No saltes. Deixós fugir, que nós fiquemos aqui sossegadinhos”.  Assim foi: continuámos a deliciarmo-nos com as polpudas cerejas, calmamente, enquanto a rapaziada fugia diante do cano da caçadeira do guardador.
    Quando já não havia perigo, descemos em sossego e, simplesmente, dirigimo-nos para a saída com a barriga , os bolsos e  o lenço do penalbilhas, cheios de cerejas.
“ `Stábamos augadinhos e foi só pra nos desiaugarmos “ – como  diria o Bernardo!

Fontes de Carvalho

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

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