Café Portugal - Quais são os grandes desafios demográficos do nosso país?
Jorge Arroteia - Temos um problema que reside fundamentalmente num crescimento moderado da nossa população e isso viu-se nos dados preliminares do Recenseamento de 2011. A nossa população terá crescido em cerca de 200 mil indivíduos. Muito pouco.
CP - Em seu entender isso deveu-se a que factores?
J.A. - Esta situação decorre de duas razões distintas. Em primeiro lugar, de uma realidade que tem a ver com o crescimento natural da população e que resulta da comparação da natalidade e da mortalidade. Ou seja, em termos reais, a nossa natalidade tem vindo a decrescer desde 1960, acentuou-se não só em função do processo de mudança social operada pela passagem de uma sociedade rural a uma sociedade industrial - e de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços – mas também devido a todo um processo que decorre da emancipação da mulher, da sua integração no mundo do trabalho, da actual situação laboral que leva os jovens a entrarem cada vez mais tarde no mundo do trabalho, de todo um conjunto de situações de dependência e de uma grande instabilidade e incerteza em termos prospectivos e dos cenários de desenvolvimento económico que teremos de enfrentar.
CP - Estamos então perante um problema estrutural do nosso crescimento natural?
J.A. - Nem mais. Esse crescimento natural tem vindo a reduzir-se através do número de nascimentos e da redução das taxas de natalidade. Porém, há um factor, que sucedeu em 2006/2007, significativo em que os valores da mortalidade superaram os da natalidade. Isto é, a partir dessa altura entramos em derrapagem, ou seja, em perda demográfica significativa.
CP - E como se têm comportado os movimentos migratórios?
J.A. - Portugal, que era considerado uma reserva demográfica nos anos de 1960 no sul da Europa e caracterizado pelas taxas mais altas de natalidade e fecundidade e em crescimento. Um cenário que se tem vindo a alterar. Em primeiro lugar, por via da emigração, houve um conjunto de saídas de casais jovens em idade de procriação, que se estabeleceram noutros contextos e onde vieram a contribuir também para um crescimento efectivo da população em alguns locais. É um dado objectivo: temos um problema relacionado com os movimentos migratórios. E, neste contexto, temos igualmente a emigração, que é relevante.
CP - O fenómeno da emigração está a decrescer?
J.A. - Os valores da emigração que se registaram nos anos 1990 voltaram a descer. Só que essa emigração está mais camuflada, porque no contexto europeu não temos emigrantes mas cidadãos europeus. O que conta é a emigração temporária, aquela que é estabelecida pelos contratos temporários e a emigração de longa distância. Depois, dentro das alterações a que assistimos internamente, temos o problema do envelhecimento da população, cujos índices estão entre 117 a 120%. Temos um envelhecimento de topo da população. E temos também um envelhecimento de base que se traduz num decréscimo de nascimentos. Ou seja, temos uma pirâmide etária quase em urna, com uma base estreita e um tronco largo de população adulta e idosa.
CP - E nesta conjuntura difícil que será de longo prazo, como se resolve o problema demográfico, perante a crise económica grave e com a eventual incapacidade dos Estados em agirem?
J.A. - Vou dar um exemplo concreto que não tem a ver com Portugal mas que nos pode situar no contexto europeu. O Luxemburgo, enquanto país, teve o máximo da sua população autóctone nos finais do século XIX. A partir dessa altura, aquele país tem vindo a ver a sua população decrescer. Contudo, o Luxemburgo tem sido, no contexto dos países europeus, um país que tem mantido a sua população estável.
CP - O que fez o Luxemburgo que Portugal não fez?
J.A. - É aqui que entra a componente da imigração. Ou seja, se quisermos renovar a nossa população, vejo na imigração uma porta aberta. Porém, não nos serve qualquer imigração. Servir-nos-ia uma imigração constituída por população jovem e adulta em idade de procriação e não uma população envelhecida, porventura oriunda de contextos civilizacionais onde o número de nascimentos seja já reduzido, como acontece em relação à população do Leste europeu que nós acolhemos. Essa é a primeira solução para tentar resolver o nosso problema. Por via interna, as medidas que se prendem com o desenvolvimento de uma política natalista de incentivo aos nascimentos parece-me difícil mas só consegue ser levada a cabo com uma boa dose de ânimo, de incentivo aos jovens, às famílias, às estruturas estatais e oficiais que facilitem os nascimentos e que dêem condições à vida. «Dose de ânimo»:
CP - Mas isso não será algo difícil, se actualmente o que o Estado (e os governos) nos prometem para os próximos anos é um pacote violento de medidas de austeridade?
J.A. - Tem toda a razão. Diziam os nossos antepassados que uma das razões por que as famílias eram numerosas há 50 anos era porque não havia televisão. Mas hoje há não só televisão como tantas outras alternativas, e acontece precisamente o contrário. Não me parece possível que a nossa população venha a aumentar, se não tivermos uma boa dose de ânimo, crença e valorização individual, global e societária dos valores da família. E aí a sociedade civil tem de ser organizar e pode ter uma palavra a dizer. A verdade é que não temos tido uma política de incentivo à natalidade nem uma política de família. Não obstante, podemos considerar um conjunto de medidas pontuais, como foi o arrendamento jovem, como algumas políticas da segurança social, que teoricamente são favoráveis ao desenvolvimento da família. Só que em termos práticos falta-nos saber o efeito imediato dessas políticas no que respeita à contabilidade demográfica, ou seja, no que se refere a nascimentos. Continuamos com muitos estudos e, neste ponto, ainda somos um país muito feudal. Cada um tem os seus estudos e os seus dados e defende a sua capelinha mas não abre muito a mão para os divulgar, mesmo ao nível de organismos institucionais, que têm bons estudos, mas que os cidadãos não conhecem.
CP - Falou das políticas da família e dos jovens. Deixámos descambar o problema demográfico. Mas nos últimos 30 anos tivemos ou não verdadeiras políticas de família e de incentivo à natalidade no terreno com efeitos práticos?
J.A. - Recordo-me de, nos anos de 1980, ter havido uma Direcção-Geral de Família, dirigida pela Dra. Raquel Ribeiro. Foi nessa altura que as questões da família começaram a preocupar a população portuguesa. Dou-lhe outro exemplo concreto. Eu próprio faço parte de um núcleo fundador de um Centro que começou por ser o Centro de Estudos de População e Família, criado na Universidade do Porto, nos anos 90, e que devido à fraca receptividade, passou a designar-se por Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade. Tem havido, em termos políticos, uma preocupação de diversos Governos em haver sempre uma tutela em que estes assuntos da família surjam.
CP - Mas foram realmente importantes ou foram mais «para inglês ver»?
J.A. - Eles foram importantes à sua medida mas também para «inglês ver» e não resultou daí um crescimento efectivo da nossa população de forma a que pudéssemos configurar um crescimento sustentado da população portuguesa dos núcleos familiares. Mas não o foram por razões que têm a ver com movimentos de opinião que, entretanto, valorizaram muitos outros aspectos desta união social que decorre de diversas posturas relacionadas com outras formas de constituições de uniões, não familiares mas uniões de facto, com o incentivo à interrupção da vida (o aborto).
CP - E esses movimentos sociais «despromovem» o incentivo à vida?
J.A. - Não sei. Mas o que digo é que há padrões diferentes do conceito de família e não podemos esquecer que temos a crise a bater-nos à porta. E tenho dito frequentemente que é fundamental apostar em políticas atractivas. Por exemplo, no caso dos jovens, e no que se refere aos mercados de habitação em vez de termos casas de T1 e T2, talvez fosse bom que fossem T3 ou T4, para que os casais tivessem opções à medida do futuro.
CP - Ainda no que se refere aos jovens, com todas as dificuldades que estes enfrentam actualmente, teme que o país, nas próximas décadas, não consiga alterar a pirâmide etária?
J.A. - Temo até que ela se inverta. Não se trata de manter a pirâmide em urna, mas inverter a pirâmide da situação normal, que era uma base alargada e um topo estreito. Os dados que dispomos, e que nos indicam os resultados preliminares dos Censos 2011, no cenário actual de retracção económica, de crise de valores, de emigração de jovens, leva a que a nossa pirâmide etária daqui a uns anos se inverta e se agrave. Nos últimos quatro anos perdemos população. É expectável que a nossa imigração não venha a acontecer a um ritmo tão intenso. E o que se verifica é que, do meio milhão de imigrantes que se acolheram na última década em Portugal, há uma redução gradual nos últimos anos. A menos que façamos um apoio selectivo à imigração, como fizeram vários países europeus – casos da França, Alemanha e Luxemburgo. Nesta cultura ocidental é fundamental que haja meios para que os idosos continuem a ter uma actividade útil. Envelhecimento: CP - Falando dos nossos idosos e do envelhecimento do país. Sabemos que a situação está a agravar-se, e registam-se cada vez mais situações de pobreza. Como é que o envelhecimento em termos demográficos pode evoluir?
J.A. - Tenho-me ocupado em torno da população aposentada nos últimos anos. Nas regiões rurais têm-se retomado muitas actividades, de reconstrução de habitações, de utilização de jardins para outros fins que não sejam só as flores. Em áreas não urbanas há como que um incentivo à actividade. É onde nós encontramos o regresso à terra.
- E nas cidades?
J.A. - Nas cidades há vários exemplos. Dou-lhe o caso das hortas sociais. Mas quero sublinhar uma coisa: as instituições sociais, as misericórdias, as Instituições Particulares de Solidariedade Social e as autarquias têm por missão criar espaços de sociabilidade da população idosa que lhes permita uma vida que não seja apenas a residência mas que a ocupem e que possam ter alguma aplicação. Há uns anos, quando a nossa população começou a envelhecer, falava-se muito do diálogo inter-geracional. Esse diálogo é bom que exista, mas só se for biunívoco. Mas o que vemos é avós em demasia e não há netos para cuidar.
CP - Do que conhecemos dos resultados preliminares dos Censos 2011, voltamos a ver a dicotomia Litoral/Interior acentuar-se. Como se pode combater a desertificação e alterar o actual mapa demográfico do país?
J.A. - O nosso mapa demográfico está decadente há muitos anos. Na década de 1940, foi publicado um primeiro trabalho do professor Amorim Girão sobre «As migrações internas no continente português», que veio demonstrar que havia, já nessa altura, uma orientação clara em relação ao encaminhamento das pessoas das áreas rurais para as cidades. Nessa mesma altura, o mesmo professor fez uma afirmação terrivelmente determinista mas que ainda hoje se mantém: «para onde correm os rios, correm as gentes». Num estudo pioneiro que Alberto de Alarcão publicou no final dos anos 70, num artigo interessante sobre a “Atracção Rural e o Êxodo Urbano” no continente, onde isso vem evidenciado. Muitos outros trabalhos têm sido feitos nestas últimas décadas. Outrora, havia um contraste entre o Norte povoado e o Sul desertificado. No século XIX, quando começamos o processo de industrialização e de crescimento urbano, houve uma dicotomia Norte/Sul e Litoral/Interior. Mas o que acontece nos dois últimos recenseamentos da população é que há não só uma litoralização e o despovoamento do Interior, como nas áreas litorais e no Interior, despovoadas já de si, os únicos centros que continuam a crescer em termos demográficos são as sedes concelhias e as sedes que coincidem com bacias de emprego minimamente favoráveis e positivas. A geografia do despovoamento tende, assim, a acentuar a dicotomia Interior /Litoral. E isso é um facto cada vez mais incontornável.
Ana Clara
in:cafeportugal.net
Jorge Arroteia - Temos um problema que reside fundamentalmente num crescimento moderado da nossa população e isso viu-se nos dados preliminares do Recenseamento de 2011. A nossa população terá crescido em cerca de 200 mil indivíduos. Muito pouco.
CP - Em seu entender isso deveu-se a que factores?
J.A. - Esta situação decorre de duas razões distintas. Em primeiro lugar, de uma realidade que tem a ver com o crescimento natural da população e que resulta da comparação da natalidade e da mortalidade. Ou seja, em termos reais, a nossa natalidade tem vindo a decrescer desde 1960, acentuou-se não só em função do processo de mudança social operada pela passagem de uma sociedade rural a uma sociedade industrial - e de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços – mas também devido a todo um processo que decorre da emancipação da mulher, da sua integração no mundo do trabalho, da actual situação laboral que leva os jovens a entrarem cada vez mais tarde no mundo do trabalho, de todo um conjunto de situações de dependência e de uma grande instabilidade e incerteza em termos prospectivos e dos cenários de desenvolvimento económico que teremos de enfrentar.
CP - Estamos então perante um problema estrutural do nosso crescimento natural?
J.A. - Nem mais. Esse crescimento natural tem vindo a reduzir-se através do número de nascimentos e da redução das taxas de natalidade. Porém, há um factor, que sucedeu em 2006/2007, significativo em que os valores da mortalidade superaram os da natalidade. Isto é, a partir dessa altura entramos em derrapagem, ou seja, em perda demográfica significativa.
CP - E como se têm comportado os movimentos migratórios?
J.A. - Portugal, que era considerado uma reserva demográfica nos anos de 1960 no sul da Europa e caracterizado pelas taxas mais altas de natalidade e fecundidade e em crescimento. Um cenário que se tem vindo a alterar. Em primeiro lugar, por via da emigração, houve um conjunto de saídas de casais jovens em idade de procriação, que se estabeleceram noutros contextos e onde vieram a contribuir também para um crescimento efectivo da população em alguns locais. É um dado objectivo: temos um problema relacionado com os movimentos migratórios. E, neste contexto, temos igualmente a emigração, que é relevante.
CP - O fenómeno da emigração está a decrescer?
J.A. - Os valores da emigração que se registaram nos anos 1990 voltaram a descer. Só que essa emigração está mais camuflada, porque no contexto europeu não temos emigrantes mas cidadãos europeus. O que conta é a emigração temporária, aquela que é estabelecida pelos contratos temporários e a emigração de longa distância. Depois, dentro das alterações a que assistimos internamente, temos o problema do envelhecimento da população, cujos índices estão entre 117 a 120%. Temos um envelhecimento de topo da população. E temos também um envelhecimento de base que se traduz num decréscimo de nascimentos. Ou seja, temos uma pirâmide etária quase em urna, com uma base estreita e um tronco largo de população adulta e idosa.
CP - E nesta conjuntura difícil que será de longo prazo, como se resolve o problema demográfico, perante a crise económica grave e com a eventual incapacidade dos Estados em agirem?
J.A. - Vou dar um exemplo concreto que não tem a ver com Portugal mas que nos pode situar no contexto europeu. O Luxemburgo, enquanto país, teve o máximo da sua população autóctone nos finais do século XIX. A partir dessa altura, aquele país tem vindo a ver a sua população decrescer. Contudo, o Luxemburgo tem sido, no contexto dos países europeus, um país que tem mantido a sua população estável.
CP - O que fez o Luxemburgo que Portugal não fez?
J.A. - É aqui que entra a componente da imigração. Ou seja, se quisermos renovar a nossa população, vejo na imigração uma porta aberta. Porém, não nos serve qualquer imigração. Servir-nos-ia uma imigração constituída por população jovem e adulta em idade de procriação e não uma população envelhecida, porventura oriunda de contextos civilizacionais onde o número de nascimentos seja já reduzido, como acontece em relação à população do Leste europeu que nós acolhemos. Essa é a primeira solução para tentar resolver o nosso problema. Por via interna, as medidas que se prendem com o desenvolvimento de uma política natalista de incentivo aos nascimentos parece-me difícil mas só consegue ser levada a cabo com uma boa dose de ânimo, de incentivo aos jovens, às famílias, às estruturas estatais e oficiais que facilitem os nascimentos e que dêem condições à vida. «Dose de ânimo»:
CP - Mas isso não será algo difícil, se actualmente o que o Estado (e os governos) nos prometem para os próximos anos é um pacote violento de medidas de austeridade?
J.A. - Tem toda a razão. Diziam os nossos antepassados que uma das razões por que as famílias eram numerosas há 50 anos era porque não havia televisão. Mas hoje há não só televisão como tantas outras alternativas, e acontece precisamente o contrário. Não me parece possível que a nossa população venha a aumentar, se não tivermos uma boa dose de ânimo, crença e valorização individual, global e societária dos valores da família. E aí a sociedade civil tem de ser organizar e pode ter uma palavra a dizer. A verdade é que não temos tido uma política de incentivo à natalidade nem uma política de família. Não obstante, podemos considerar um conjunto de medidas pontuais, como foi o arrendamento jovem, como algumas políticas da segurança social, que teoricamente são favoráveis ao desenvolvimento da família. Só que em termos práticos falta-nos saber o efeito imediato dessas políticas no que respeita à contabilidade demográfica, ou seja, no que se refere a nascimentos. Continuamos com muitos estudos e, neste ponto, ainda somos um país muito feudal. Cada um tem os seus estudos e os seus dados e defende a sua capelinha mas não abre muito a mão para os divulgar, mesmo ao nível de organismos institucionais, que têm bons estudos, mas que os cidadãos não conhecem.
CP - Falou das políticas da família e dos jovens. Deixámos descambar o problema demográfico. Mas nos últimos 30 anos tivemos ou não verdadeiras políticas de família e de incentivo à natalidade no terreno com efeitos práticos?
J.A. - Recordo-me de, nos anos de 1980, ter havido uma Direcção-Geral de Família, dirigida pela Dra. Raquel Ribeiro. Foi nessa altura que as questões da família começaram a preocupar a população portuguesa. Dou-lhe outro exemplo concreto. Eu próprio faço parte de um núcleo fundador de um Centro que começou por ser o Centro de Estudos de População e Família, criado na Universidade do Porto, nos anos 90, e que devido à fraca receptividade, passou a designar-se por Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade. Tem havido, em termos políticos, uma preocupação de diversos Governos em haver sempre uma tutela em que estes assuntos da família surjam.
CP - Mas foram realmente importantes ou foram mais «para inglês ver»?
J.A. - Eles foram importantes à sua medida mas também para «inglês ver» e não resultou daí um crescimento efectivo da nossa população de forma a que pudéssemos configurar um crescimento sustentado da população portuguesa dos núcleos familiares. Mas não o foram por razões que têm a ver com movimentos de opinião que, entretanto, valorizaram muitos outros aspectos desta união social que decorre de diversas posturas relacionadas com outras formas de constituições de uniões, não familiares mas uniões de facto, com o incentivo à interrupção da vida (o aborto).
CP - E esses movimentos sociais «despromovem» o incentivo à vida?
J.A. - Não sei. Mas o que digo é que há padrões diferentes do conceito de família e não podemos esquecer que temos a crise a bater-nos à porta. E tenho dito frequentemente que é fundamental apostar em políticas atractivas. Por exemplo, no caso dos jovens, e no que se refere aos mercados de habitação em vez de termos casas de T1 e T2, talvez fosse bom que fossem T3 ou T4, para que os casais tivessem opções à medida do futuro.
CP - Ainda no que se refere aos jovens, com todas as dificuldades que estes enfrentam actualmente, teme que o país, nas próximas décadas, não consiga alterar a pirâmide etária?
J.A. - Temo até que ela se inverta. Não se trata de manter a pirâmide em urna, mas inverter a pirâmide da situação normal, que era uma base alargada e um topo estreito. Os dados que dispomos, e que nos indicam os resultados preliminares dos Censos 2011, no cenário actual de retracção económica, de crise de valores, de emigração de jovens, leva a que a nossa pirâmide etária daqui a uns anos se inverta e se agrave. Nos últimos quatro anos perdemos população. É expectável que a nossa imigração não venha a acontecer a um ritmo tão intenso. E o que se verifica é que, do meio milhão de imigrantes que se acolheram na última década em Portugal, há uma redução gradual nos últimos anos. A menos que façamos um apoio selectivo à imigração, como fizeram vários países europeus – casos da França, Alemanha e Luxemburgo. Nesta cultura ocidental é fundamental que haja meios para que os idosos continuem a ter uma actividade útil. Envelhecimento: CP - Falando dos nossos idosos e do envelhecimento do país. Sabemos que a situação está a agravar-se, e registam-se cada vez mais situações de pobreza. Como é que o envelhecimento em termos demográficos pode evoluir?
J.A. - Tenho-me ocupado em torno da população aposentada nos últimos anos. Nas regiões rurais têm-se retomado muitas actividades, de reconstrução de habitações, de utilização de jardins para outros fins que não sejam só as flores. Em áreas não urbanas há como que um incentivo à actividade. É onde nós encontramos o regresso à terra.
- E nas cidades?
J.A. - Nas cidades há vários exemplos. Dou-lhe o caso das hortas sociais. Mas quero sublinhar uma coisa: as instituições sociais, as misericórdias, as Instituições Particulares de Solidariedade Social e as autarquias têm por missão criar espaços de sociabilidade da população idosa que lhes permita uma vida que não seja apenas a residência mas que a ocupem e que possam ter alguma aplicação. Há uns anos, quando a nossa população começou a envelhecer, falava-se muito do diálogo inter-geracional. Esse diálogo é bom que exista, mas só se for biunívoco. Mas o que vemos é avós em demasia e não há netos para cuidar.
CP - Do que conhecemos dos resultados preliminares dos Censos 2011, voltamos a ver a dicotomia Litoral/Interior acentuar-se. Como se pode combater a desertificação e alterar o actual mapa demográfico do país?
J.A. - O nosso mapa demográfico está decadente há muitos anos. Na década de 1940, foi publicado um primeiro trabalho do professor Amorim Girão sobre «As migrações internas no continente português», que veio demonstrar que havia, já nessa altura, uma orientação clara em relação ao encaminhamento das pessoas das áreas rurais para as cidades. Nessa mesma altura, o mesmo professor fez uma afirmação terrivelmente determinista mas que ainda hoje se mantém: «para onde correm os rios, correm as gentes». Num estudo pioneiro que Alberto de Alarcão publicou no final dos anos 70, num artigo interessante sobre a “Atracção Rural e o Êxodo Urbano” no continente, onde isso vem evidenciado. Muitos outros trabalhos têm sido feitos nestas últimas décadas. Outrora, havia um contraste entre o Norte povoado e o Sul desertificado. No século XIX, quando começamos o processo de industrialização e de crescimento urbano, houve uma dicotomia Norte/Sul e Litoral/Interior. Mas o que acontece nos dois últimos recenseamentos da população é que há não só uma litoralização e o despovoamento do Interior, como nas áreas litorais e no Interior, despovoadas já de si, os únicos centros que continuam a crescer em termos demográficos são as sedes concelhias e as sedes que coincidem com bacias de emprego minimamente favoráveis e positivas. A geografia do despovoamento tende, assim, a acentuar a dicotomia Interior /Litoral. E isso é um facto cada vez mais incontornável.
Ana Clara
in:cafeportugal.net
Como diz o povo, andamos ao sabor das correntes!!!!!.
ResponderEliminarPasse a expressão que não tem nada a ver com o tema do blogue, aqui tratado, mas foi o título com que apareceu.
Uma realidade histórica e bem descrita pelo autor.
A industrialização iniciada em 1780 em Inglaterra e depois difundida por todo o momento, foi uma das grandes divisões e um dos maiores motivos de desertificação do interior.
A tercearização da sociedade, tem vindo a acentuar esta discrepância, com tendências evidentes para o crescimento.
Não poderei deixar de incluir, e com grande relevo, as políticas implementadas, que reforçam a assimetria demográfica que se tem sentido no País.