A paisagem agreste e de fragaredos está-me na retina da infância. Para quem, até aos 11 anos não tinha outro horizonte além da aldeia e pouco mais, aquela paisagem selvagem e um rio entalado e contorcido entre as fragas abria-me os olhos para outras realidades, quando viajava na terceira-classe de bancos de madeira do comboio.
Dos meus condiscípulos só o António Serrano, filho de um escrivão judicial de Murça, viajava em segunda-classe, em bancos de napa, mal cheirosa. Eu achava aquilo uma estragação de dinheiro e a privação da companhia dos amigos. E recebia o rótulo de «copinho de leite».
Essa paisagem de saudade no «camboio do Tua» acabou e com ela morre a obra-prima da engenharia ferroviária lusa oitocentista. Sinto as palavras do «Pinóquio» a dizer ao Presidente da EDP que o Tua precisava de betão. A luta tem sido desigual e de muitas falsas promessas, mas desde filmes, concentrações, manifestações e participações, até para a UNESCO, têm tentado travar o dinheiro viciado.
Com o avanço da barragem vamos ficar mais pobres no campo cultural e turístico e os ganhos energéticos nunca cobrirão os da potencialidade turística da ferrovia. Estivesse o comboio do Tua a deslizar pelos centenários carris e as revistas de turismo mundial já o tinham badalado, como uma forte alavanca do Douro vinhateiro. Com este embalse, o clima propício ao licoroso sol engarrafado duriense, vai perder brilho, finura e espírito.
Até o famoso surfista, Garrett McNamara, das ondas gigantes da Nazaré aderiu à causa, liderada pela «Plataforma Salvar o Tua». Artistas solidários lavraram documentários, vídeos e canções em letra e música d’"Um dos sítios mais lindos que vi"... Mas, as rádios e os meios de comunicação engajados ao capital desavergonhado e selvagem ignoram esta criação musical e o grito das fragas e da memória de uma região abandonada.
Jorge Lage
in:diario.netbila.net
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(Henrique Martins)
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