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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Entrevista a Silvia Ribeiro, investigadora do Grupo Lobo

O seu nome?
Silvia Ribeiro

A sua profissão?
Bióloga, Investigadora do Grupo Lobo

Está envolvida no Grupo Lobo há quanto tempo, qual a sua função concretamente?
Trabalho no Grupo Lobo desde 1996, tendo realizado a minha tese para conclusão da licenciatura em Biologia (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) no âmbito das linhas de investigação daquela ONG. A minha função tem sido ajudar a implementar e coordenar o Programa Cão de Gado, linha de acção desenvolvida pelo Grupo Lobo no âmbito da sua estratégia de Conservação do Lobo Ibérico em Portugal, desde o seu início em 1996. Este Programa visa recuperar e fomentar o uso de métodos de protecção dos animais domésticos, nomeadamente o uso dos Cães de Gado, como uma forma eficaz de diminuir os prejuízos económicos que os lobos causam nos rebanhos e assim aumentar a tolerância das comunidades rurais para com o lobo, contribuindo para a conservação deste predador, ameaçado de extinção no nosso País.

Diga-nos em traços gerais em que consiste a acção do Grupo Lobo, em particular na nossa região?
O Grupo Lobo é uma Organização Não Governamental de Ambiente, criada em 1985, que pretende contribuir para a conservação do lobo ibérico e do seu ecossistema em Portugal. Para cumprir estes objectivos definiu em 1987 o Programa Signatus, uma estratégia de conservação do lobo baseada em três linhas principais de actuação:

Investigação Aplicada – Promoção e realização de projectos e estudos técnico-científicos, no âmbito da biologia e antropologia, conducentes a um melhor conhecimento do lobo e das interacções Homem-Lobo;

Educação Ambiental – Divulgação de informação correcta acerca deste predador tão incompreendido e perseguido;

Promoção de medidas práticas de conservação – Contribuição para uma verdadeira política de conservação, não só deste canídeo mas também do Património Natural Português em geral. Neste âmbito destaca-se o Programa Cão de Gado (acima referido).

Todas estas linhas de acção estão a ser desenvolvidas na região de Vila Real, nomeadamente acções de monitorização da população lupina, estudos de avaliação dos impactes ambientais causados pela construção de grandes infra-estruturas, como sejam as auto-estradas, os parques eólicos e as barragens, e ainda acções pontuais de formação e sensibilização ambiental (palestras e actividades em escolas, passeios de ecoturismo, participação em reuniões científicas e outros eventos).

Também o Programa Cão de Gado decorre no Distrito de Vila Real desde 1996, tendo permitido a integração de cerca de 150 cães da raça Cão de Castro Laboreiro. No entanto, a área de intervenção do Programa é mais vasta, abrangendo ainda os Distritos do Porto, Braga, Viana do Castelo, Bragança, Aveiro, Viseu, Guarda e Castelo Branco. Após a integração de cerca de 300 cães, maioritariamente das raças Cão de Castro Laboreiro e Cão da Serra da Estrela (variedade de pelo curto e comprido), os resultados são bastante satisfatórios, pois verifica-se uma redução dos prejuízos económicos resultantes dos ataques dos lobos aos rebanhos ou manadas em cerca de 75% dos casos. Além disso, mais de 97% dos criadores de gado estão Satisfeitos-Muito Satisfeitos com os seus cães. Um grande problema, em virtude do grande número de riscos associados à sua função, tem sido a mortalidade bastante elevada destes cães, que ronda os 40%, maioritariamente devido ao veneno, que afecta também o lobo e outras espécies da fauna.

Foi galardoada com o 2ºprémio “Terre de Femmes”como se sentiu, que significado teve este prémio para si?
Foi uma grande honra ter recebido este prémio que reconhece o trabalho que venho desenvolvendo desde 1996, em prol da conservação do lobo, e o meu empenho no desenvolvimento do Programa Cão de Gado, iniciativa que tem tido bastante sucesso e servido de exemplo para acções similares noutros países Europeus, permitindo demonstrar que a coexistência com o lobo é, afinal, possível. Foi com grande orgulho que recebi esta distinção que premeia mulheres empreendedoras, de 15 países Europeus, que tenham desenvolvido projectos que contribuam para a sustentabilidade ambiental.

Sei que é um trabalho que exige muito empenho, falta de horários e esforço físico, este prémio foi o reconhecimento?
Trata-se, efectivamente, de um tipo de trabalho pouco usual que só consegue ser realizado por quem tem uma grande força de vontade e uma verdadeira paixão pela conservação da Natureza, pois implica um grande esforço (físico e psicológico), muitas vezes em detrimento de outros interesses mais pessoais ou familiares. Este Prémio foi um reconhecimento a nível institucional e com um impacto mais mediático, mas existem outras formas de reconhecimento mais imediatas, como sejam a satisfação dos criadores de gado com o bom desempenho dos seus cães e a compreensão pela comunidade científica e cada vez mais pelo público em geral, de que os cães de gado são uma forma ambientalmente sustentável de mitigar os conflitos ancestrais com o lobo, contribuindo de forma eficaz para aumentar a tolerância para com este predador ameaçado e para a sua conservação.

No acompanhamento que têm diário com os Cães de Gado passou por alguma situação mais delicadas, pode partilhar alguma connosco?
Como refere, o Programa Cão de Gado não se limita a entregar os cachorros, mas procede ao acompanhamento do seu desenvolvimento físico e comportamental, fornecendo algum apoio alimentar e veterinário aos cães, de modo a assegurar o seu desenvolvimento adequado e a sua eficiência em adultos. O acompanhamento é feito através de visitas regulares (geralmente mensais) desde a integração no rebanho até à idade adulta, por volta dos 18-24 meses de idade, realizando-se então a avaliação dos cães. Esse acompanhamento implica avaliar o estado físico e sanitário dos cães, prestando os necessários cuidados profiláticos e veterinários (no local ou transportando-os a um médico veterinário), bem como monitorizar o seu comportamento, corrigindo atempadamente eventuais problemas que possam surgir, e ainda as condições em que é criado, assegurando o seu bem-estar geral. As situações mais delicadas prendem-se com eventuais doenças e acidentes de maior gravidade, requerendo actuações veterinárias urgentes e qualificadas (p. ex. atropelamentos, envenenamentos). Felizmente a nossa capacidade de intervenção, quase imediata, e os meios técnicos e a experiência dos médicos veterinários com quem trabalhamos, têm permitido evitar a morte desses animais, que demonstram também uma extraordinária capacidade de adaptação e recuperação. Claro que a mortalidade acidental destes cães é sempre algo difícil de aceitar, pois forçosamente criamos laços com eles (e vice-versa), pelo facto de os conhecermos desde cachorritos e acompanharmos o seu desenvolvimento. Noutros casos, felizmente pouco frequentes, tem sido necessário retirar ou transferir alguns cães, por inadaptação ou alteração das condições da exploração pecuária. Nestas situações o bem-estar dos cães é o mais importante e procurarmos encontrar novos criadores de gado ou outros donos adequados, felizmente com bastante sucesso. As relações humanas são igualmente uma parte fundamental do trabalho que desenvolvemos — todos os dias contactamos com os criadores de gado e pastores, que têm visões diferentes do mundo e nem sempre estão de acordo connosco, mas com calma, respeito e tolerância tem sido possível ultrapassar todos os problemas.

Aqui na região transmontana, quais as principais raças de cães utilizadas para acompanhar os rebanhos?
Na região a norte do rio Douro, e em particular na região de Vila Real, privilegiámos o Cão de Castro Laboreiro, uma raça oriunda da região de Castro Laboreiro (Concelho de Melgaço).Na região a sul do rio Douro escolhemos o Cão da Serra da Estrela, por se encontrar mais perto da sua região de origem – a Serra da Estrela –, sendo frequente estes cães acompanharem os rebanhos transumantes até às planícies, planaltos e montanhas circundantes, desde a Serra de Montemuro até à região de Castelo Branco.

Porque se escolheram estas raças para esta região?
De todas as regiões de origem das restantes raças de cães de gado nacionais, o solar do Cão de Castro Laboreiro é a que apresenta mais semelhanças em termos ambientais (p. ex. orografia, meteorologia, vegetação, fauna e flora), com as cadeias montanhosas na qual a Serra do Alvão se insere, semelhanças que se reflectem ao nível da produção agrícola e pecuária, com a presença das mesmas raças de gado (cabra bravia, ovelha Bordaleira de Entre Douro e Minho) ou de outras similares (p. ex. Maronesa), e a utilização dos mesmos sistemas de pastoreio. A escolha desta raça baseou-se na assumpção de que a utilização de uma raça adaptada a condições semelhantes resultaria num maior sucesso.

Os pastores com quem também lida diariamente, colaboram e/ou englobam-se bem no projeto?
A abordagem inicial foi mais complicada, em virtude da desconfiança inicial para connosco, mas desde então têm-se criado laços de confiança e de trabalho, o que, juntamente com o sucesso atingido pelos cães integrados, tem permitido o reconhecimento do trabalho e a colaboração dos criadores de gado, igualmente responsáveis pelo êxito do Programa e também por grande parte da sua divulgação a outros criadores de gado interessados.

Sei que existem formas de as pessoas, em nome individual ou coletivo, ajudarem no projeto. Pode-nos dizer como?
A actividade do Grupo Lobo, e em particular do Programa Cão de Gado, tem sido possível graças ao apoio financeiro de entidades e de fundos nacionais e internacionais, bem como dos sócios e pais adoptivos. Assim, todo o apoio financeiro é bem vindo, pois irá permitir apoiar o Grupo Lobo em acções concretas de estudo e conservação do lobo. Além disso, é ainda possível colaborar como voluntário em algumas actividades. Para saber mais deverá consultar o Grupo Lobo (http://lobo.fc.ul.pt).

O principal objetivo é evitar a extinção do Lobo, esse objetivo tem vindo a ser alcançado, ou ainda há muito a fazer?
 O objectivo de evitar a extinção do lobo Ibérico em Portugal tem sido alcançado, pois foi possível parar a regressão da população lupina, que se tem mantido estável desde o primeiro censo nacional realizado em 1996/97. O último censo populacional, realizado em 2002-2003, confirma que a população se manteve mais ou menos estável, estimando-se a existência de cerca de 300 lobos.

Claro que ainda resta muito para fazer, pois continua a existir uma considerável mortalidade ilegal (veneno, laços, tiro), continuamos a assistir à destruição e fragmentação do habitat do lobo, o que, aliado à atitude predominantemente negativa do público em geral para com o lobo, fomentada por medos ancestrais e um desconhecimento ainda elevado sobre a biologia e ecologia do lobo, tem impactos bastante negativos sobre a população de lobos. A situação é mais grave no núcleo populacional a sul do rio Douro, cujas alcateias, isoladas da restante população ibérica, apresentam maior instabilidade, estando portanto mais ameaçadas. Assim, é importante que cada um de nós ajude a combater estas causas de ameaça, aprendendo mais sobre o lobo, transmitindo informação correcta sobre este predador ainda tão incompreendido, e agindo, colaborando em iniciativas que contribuam activamente para a sua conservação.

Acha que a maior ameaça do Lobo é o Homem? E os ecossistemas na região, será que ainda são propícios à habitabilidade dos lobos?
A acção do Homem tem sido responsável pela extinção de milhares de espécies a um ritmo muito acelerado, num fenómeno nunca antes observado na Natureza desde a extinção dos dinossáurios. Isto é verdade também no caso do lobo, extinto em cerca de 80% da sua área de distribuição original em Portugal. Mas no caso particular do lobo, para além da perseguição directa e da destruição e fragmentação do seu habitat (p. ex. incêndios, cortes florestais, construção de estradas e de barragens), da caça das suas presas naturais, como o corço e o veado, quase até à extinção, o lobo possui também uma imagem muito negativa em virtude da forte dimensão religiosa e mitológica que lhe é atribuída, a que se associam os prejuízos económicos que resultam da predação que este carnívoro faz sobre os animais domésticos. Sobreviver não tem sido fácil para o lobo. Mas trata-se de um predador com uma grande capacidade de adaptação, o que lhe permite sobreviver até em ambientes muito humanizados. Esta proximidade do Homem não é algo recente, mas que deve ter tido origem nos primórdios da pastorícia. Desta proximidade, da necessidade de proteger os animais domésticos dos ataques dos lobos, surgiu há milhares de anos o cão de gado, resultado da selecção realizada pelo Homem, e que constitui uma forma original, muito engenhosa e ambientalmente sustentável de diminuir os prejuízos, mas sem destruir o lobo.

As regiões serranas são os últimos redutos do lobo, o que demonstra que continuam a manter as condições necessárias à sua sobrevivência. Assim, desde que a protecção da espécie continue a ser assegurada pelo cumprimento da Lei do Lobo (Lei 90/88) e se mantenham algumas condições essenciais, como seja a disponibilidade de alimento (presas silvestres ou domésticas) e de refúgio, permitindo a sobrevivência dos indivíduos e a sua reprodução, a sobrevivência da espécie estará assegurada. Ao protegermos as presas e o habitat do lobo, estamos também a proteger toda uma miríade de espécies, muitas delas únicas, que partilham o seu habitat e que fazem parte do nosso património natural e cultural. Estamos ainda a proteger territórios e paisagens únicas que permitem a manutenção de actividades agrícolas e recreativas essenciais ao desenvolvimento das comunidades locais.

Trabalho realizado por Gina Teixeira

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