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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

A amizade desinteressada que leva a gestos de que o nosso Deus se orgulhará

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Deveríamos estar no ano de 1984, não tenho elementos à mão para confirmar a data, mas não andarei longe, era eu proprietário do Café Flórida e durante a tarde no período antes do jantar estando eu no piso do rés-do-chão, oiço rebuliço na cave onde funcionava o Bar-Restaurante.
Desci as escadas e deparo-me com uma cena quase inimaginável para mim que nunca havia sido capaz de me debruçar com atenção para um facto social que no meu tempo de criação não era considerável, o vandalismo praticado por jovens desviados dos preceitos e regras de convívio que por razões inexplicáveis a eles lhes pareceram obsoletas e merecedoras de erradicação, para darem lugar à anarquia e ao instinto predador que o homem controla desde o tempo em que após a morte de Abel, Caim, depois de repreendido pelo Senhor, recebe a garantia de que será protegido pelo direito alienável à vida que a sua condição humana lhe confere. (Se alguém matar Caim, será castigado sete vezes mais) (Génesis/ 4-15).
Sentado num banco do Bar e com os pés em cima do balcão estava um rapazote que com uma travessa de ossinhos que serviriam de petisco a quem os desejasse, se divertia a dispará-los contra o empregado que tentando esquivar-se gritava por socorro enquanto os vidros que cobriam a parede de fundo se estilhaçavam com os projéteis que partiam garrafas estanteamento e vidros espelhados. Tentei obstar a tal disparate mas o acolhimento às minhas palavras foi apenas o desprezo absoluto pela minha intervenção. 
Chamou-se a Polícia e o rapazola foi levado para a Esquadra. Fui informado depois que era já useiro nestas cenas e que conhecido da Autoridade, no dia seguinte seria presente a Juízo, avisando-me que estivesse presente às tantas horas para depor e informar o Juiz da minha versão dos factos.
Não conhecia o rapaz e encarei o assunto como mais um de comportamento desviante de garoto sem educação.
Já me tinha acontecido tanta coisa desagradável que mais uma menos uma não era de me fazer perder a fé nos homens.
Por volta das dez da manhã do dia seguinte entram no Flórida duas mulheres que eu conhecia e que sempre estimei por todas as razões e mais uma! Tia Aniceta e Tia Preta! Os meus olhos abriram-se de espanto, surpresa e contentamento. Num instante pensei que me visitavam para me pedirem um pouco de fermento inglês para confecionarem algum folar, já que a Tia Lola, mãe do Michelin o fazia algumas vezes com uma frase que retenho com ciosidade, pois era de uma beleza que me comovia: -Ó meu filho, arranja-me aí uma castanhinha de fermento que quero fazer um folar e alguns filhoses. Não imaginava ao que de facto elas iam e porquê!
Depois da minha demonstração de regozijo, a Tia Aniceta diz-me que vêm para me pedir um favor, respondi, só se for coisa impossível, para duas damas desta estirpe, quem sou eu para recusar tal.
Falou a Tia Preta, sabemos que ontem tiveste aqui um problema. Sabemos também que quem o ocasionou irá hoje ser julgado por isso e outras coisa pendentes. -Eu estava confuso-  que teriam elas que ver com o caso? Continuou, vimos pedir-te que retires a queixa. Respondi, fá-lo-ei, mas já agora expliquem-me o que as levou a virem aqui? Responde a tia Aniceta, a amizade pelos pais e o amor ao delinquente, nasceu e foi criado ali à nossa roda e é um ser humano que merece ser encaminhado para o bom caminho.
Não vou revelar quem o rapaz era, mas vou dizer que apenas pensei, outra vez. o coração destas mulheres que ali dentro do peito de cada uma delas tem lugar para caber o mundo inteiro.
Disse-lhe apenas, vão com Deus que por mim não será ele condenado.
Despediram-se de mim com um beijo em cada face e eu fiquei com o ditado que minha mãe me ensinou: -Depois da tempestade vem a bonança. Esta última trouxeram-na estas duas mulheres da idade da minha mãe que não ocuparam a mente com ódios e raivas, mas apenas amor e solidariedade com os mais frágeis e expostos dos que na tempestade da sua existência não sobreviveriam sozinhos.
Não foi possível retirar a queixa, pois era ocorrência reportada à PSP e seguiu para Tribunal. Quando chamado a depor eu contei ao juiz a razão para a minha mudança de atitude, o Juiz disse, afinal não estamos perdidos, ainda há no mundo quem seja benevolente com os que sabe-se lá quem desvia para maus caminhos e porfia por trazer as ovelhas ao redil. Deus guarde essas mulheres para quem o meu pensamento se eleva pelo exemplo de amor e compaixão pelos que elas viram nascer, crescer e serem condenados, o que lhe atravessou o coração.
Retirei-me após o depoimento e fiquei com a consciência tranquila e de novo agradecido à Tia Preta e Aniceta pela lição que me deram. Só as Mães com letra grande são capazes destes gestos sublimes de fazer descer a bonança à cabeça e coração dos homens. 

Este texto dedico-o às netas e netos destas duas DAMAS de coração de ouro, que não traziam rosas nos regaços, mas algo mais valioso, sentimentos puros como a própria PUREZA. 






Bragança 17/10/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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