quinta-feira, 22 de novembro de 2018

FOLIA DE REIS

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..")
São Paulo - Brasil


A companhia de Reis vai de casa em casa, da sua região

Lembro-me menino, na fazenda de café, onde nasci e vivi até os treze anos de idade.
E como era esperada a visita da folia de réis!
Na região onde eu vivia existiam duas "Companhias de Reis"; uma que cantava versos mineiros, a outra, versos baianos. 
Logicamente a tradição paulista manifestava-se nas duas correntes mais significativas no Brasil para a Folia de Reis.
Normalmente era um grupo, dirigido pelo "mestre". Eles visitavam cada casa da fazenda, entre as oito e onze horas da noite, quando findavam a função. No dia seguinte retomavam a casa seguinte. Era formada por três "puxadores de versos" e acompanhantes, que faziam solos de viola, violão, percussão e coral; cantando os estribilhos. E tinha o "palhaço". Ele usava máscara, que o diferenciava de todos. O palhaço era alter ego do Judas Iscariotes; aquele que traiu Jesus! Não raro, a "Companhia de Reis" tinha um palhaço principal e mais alguns aprendizes; poderiam chegar até quatro ou cinco. A razão era que a função de palhaço era uma espécie de promessa que o pretendente fazia, normalmente pedindo perdão de alguma falta, ou pecado que cometera na vida. E a função de palhaço não poderia exceder mais que sete anos ininterruptos. Portanto, a partir do quinto ano, ele tinha que convencer outra pessoa a fazer a promessa e acompanhar a "Companhia" durante dois anos; para aprender.
Quando a cantoria de dentro da casa terminava, a companhia de Reis saía da casa e os percussionistas rodeavam o palhaço e repicavam os tambores, pandeiros, bumbos, caixas, zabumbas e tãs-tãs; em ritmo alucinado, o palhaço tinha que dançar e só parava quando o dono da casa se fizesse de satisfeito, jogando ao chão, defronte ao palhaço, algumas moedas ou notas de dinheiro: quanto maior o valor, mais se dizia que o dono da casa estava satisfeito. Alguns, por não estarem satisfeitos com o desempenho da dança, "judiavam" do palhaço; jogando ao invés de moeda, alguns dentes de alho. Nesse caso, o palhaço tinha que recolher os dentes de alho com a boca (sem o auxílio das mãos) e tinha ainda que engolir os dentes de alho, tudo sem deixar de dançar! Caso ele fizesse tudo muito rápido, geralmente o prémio em dinheiro era de boa monta!


Palhaços. Um é o titular,os outros ou são seus reservas ou aprendizes

Já os "puxadores", ou mestres da folia de réis, começavam o canto homenageando os três réis magos, em primeiro lugar, depois o menino Jesus e por último, o dono da casa e  , em alguns casos, homenageavam cada um dos familiares do dono da casa. era tudo feito em versos de redondilha, simples, direto.
Lembro-me de alguns versos e trovas:

Vinte e quatro de dezembro, ai
Campo verde floresceu, ai, ai,
Campo verde floresceu, ai, ai (*)
Vinte e cinco de dezembro, ai
Menino Jesus nasceu, ai ,ai,
Menino Jesus nasceu, ai, ai    (*)

(*): observar que no terceiro verso de cada grupo de três versos, os acompanhantes da folia de Reis, elevavam a nota do último “ai” e o faziam com duração maior.

Alguns donos de casa que eram conhecedores profundos da arte da Folia de Reis, ao constatarem que o “puxador” era fraco (mau poeta), faziam uma pequena maldade: como o dono da casa tinha que ficar segurando a “bandeira de réis” na frente da companhia e de seus familiares, eles de modo exagerado e às vistas do puxador, amarravam uma nota de dinheiro graúdo em uma das fitas que enfeitavam a bandeira de reis. Quando se desse por satisfeito, desamarrava a nota e a mergulhava na cavidade da viola ou violão do puxador, dando por fim à apresentação. (muitos eram também os intrusos, pois normalmente ao final, eram servidos bolos, biscoitos, pães e bebidas sem álcool, tais como café, chocolate, chá de cravo, chá de hortelã, café de amendoim e etc. Então eles iam para comer e beber às custas do dono da casa visitada). Outra coisa: muitas eram as moças que arranjavam namorados nessas ocasiões, pois como os pais delas estavam ocupados com a cantoria, as visitas e a arrecadação de dinheiro para a festa dos réis, elas ficavam um pouco mais à vontade e os rapazes se aproveitavam desses momentos para “paquerar” ou conquistar tais moçoilas. Enquanto a companhia se deslocava de uma casa à outra (tanto poderiam ser algumas centenas de metros, como até alguns quilómetros), os namorados se conheciam melhor. Não raro, acabavam por se casar!

Lembro mais  versos:

O rapaz que segura a bandeira, ai,
É um rapaz muito honrado, ai, ai,
É um rapaz muito honrado, ai, ai(*)
Ele está feliz e contente, ai,
Com os três reis do oriente, ai, ai,
Com os três reis do oriente, ai, ai (*)

PS: estes últimos versos foram feitos para um então jovem de dezenove anos de idade, eu, recém órfão de pai, quando iniciava o papel de mantenedor e provedor da minha família. Meu pai, Joaquim José dos Santos, adorava folia de reis, tal e qual este agora velho ACAS. As memórias evocadas, dos tempos em que eu,menino e caipira, jogava futebol aos domingos,ouvia modas de violas aos sábado à noite, trabalhava nos eitos e reinava nos pagos, querências, carreadores, cafezais,rios e matas, ouvindo o som dos pássaros, comendo frutas silvestres, nadando nos ribeirões e córregos que passavam arrulhando docemente, a caminho do mar, no vale do Pântano,onde nasci e criei-me. Um tempo em que o amor e respeito em família eram o bastante para tornar-nos orgulhosos.Meu pai faleceu quando eu contava dezoito anos de idade; minha mãe, dona Guidinha, faleceu quando eu tinha trinta e cinco.A saudade é grande! O tempo se esvai, as lembranças ficam!

O que é Folia de Reis?

Folias de Reis: É um folguedo tradicional no Brasil, que integra o conjunto dos folguedos natalinos. Conhecida nas cidades e vilarejos do interior fluminense, capixaba, baiano, mineiro, paulista e paranaense, até pouco tempo era essencialmente rural, mas hoje já se apresenta em centros urbanos.

A peregrinação da Folia de Reis reproduz a viagem dos reis magos à Belém e tem a finalidade de visitar os moradores do lugar para obter donativos para a Festa de Reis, que podem constar de alimentos e até dinheiro. Começam sua peregrinação em 24 de dezembro ou 1º de janeiro e terminam em 6 de janeiro; dia de Reis!  Entretanto, no interior de São Paulo começam já no início de dezembro.

Confira a formação dos grupos da "Companhia"; ou Folia de Reis:

Mestre: que comanda o grupo e tem a tradição dos cantos e louvações.
Contra mestre: responde as cantorias do Mestre.
Cantores: cantam com o contra mestre fazendo a segunda voz .
Músicos: tocam bumbo, sanfona, triângulo, pandeiro, caixa e, eventualmente, a rabeca; também acompanham a cantoria.
Bandeireiro: pessoa que transporta o símbolo da Folia de Reis (bandeira), sempre à frente do grupo.
Palhaços da Folia: também chamados marungos. São devotos que em pagamento de promessa representam o papel de espiões de Herodes na viagem dos três Reis Magos ao local de nascimento de Cristo. Geralmente, esses palhaços vem à frente do grupo dançando e, em muitos grupos podem ser de diversos tipos, falam versos rimados e dançam o ‘pé de jaca’. Eles não entram em locais onde haja quadros ou imagens de santos. Após a louvação, ou cantoria, o Mestre e seus seguidores, inclusive a ror, vão assistir a dança do palhaço. Lembro-me bem; era muito divertido!

- Isso também é folclore !!!!!!!!!!!


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. Nascido em julho de 1946, é natural da zona rural de Cravinhos-SP (Brasil). Nascido e criado numa fazenda de café; vive na cidade de São Paulo (Brasil), desde os 13. Formou-se em Física, trabalhou até recentemente no ramo de engenharia, especialista em equipamentos petroquímicos.  É escritor amador diletante, cronista, poeta, contista e pesquisador do dialeto “Caipirês”. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos” e quatro em antologias, junto com outros escritores amadores brasileiros. São seus livros: “Pequeno Dicionário de Caipirês (recém reciclado e aguardando interesse de editoras), o livro infantil “A Sementinha”, um livro de contos, poesias e crônicas “Fragmentos” e o romance infanto-juvenil “Y2K: samba lelê”. 

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