O rigoroso sistema de recrutamento e o seu longo período de cumprimento, em Portugal e Espanha, durante o século XIX, incentivou muitos jovens à fuga ao serviço militar, à deserção e à emigração. As famílias, sempre que possível, e quando os recursos materiais o permitiam, pagavam uma fiança/taxa de isenção ao Estado, optando pelo pagamento da remissão do serviço militar, ou antecipavam a fuga dos mancebos, que emigravam para Portugal ou Espanha, em função das respetivas nacionalidades, levando a que as autoridades de cada país os reclamassem na idade de se apresentarem ao serviço militar, sob pena de serem considerados refratários.
O Governo Civil de Bragança, a partir de 1839, em obediência à portaria de 12 de janeiro desse ano, vai expedir repetidas ordens “para capturarem e entregarem às autoridades espanholas, de acordo aliás com as portarias de 7 de março de 1839 e 5 maio de 1840 que regulavam a extradição de espanhóis … todos os mancebos que do reino vizinho se vierem acolher a este, a fim de se subtraírem ao recrutamento, no caso de não apresentarem o competente passaporte e a licença ou escusa porque se mostrem isentos do serviço militar e que se fizesse menção do número de espanhóis que foram saindo de Portugal”, uma vez que “um grande número de espanhóis se hão acoutado em Portugal, para se subtraírem ao sorteio do seu país”, mencionando-se, “em especial”, a província de Trás-os-Montes.
Com efeito, era, considerável, em certos períodos, o número de espanhóis refugiados em Portugal que pretendiam fugir ao recrutamento do seu país ou suspeitos de serem desertores, merecendo este tema sensível toda a vigilância e atenção. As autoridades militares espanholas, na emergência, faziam constar às autoridades portuguesas, como aconteceu em 1835, “que muitos espanhóis se querem subtrair ao recrutamento que ali se está fazendo de cem mil homens, evadidos para Portugal, assim como já consta sobre mancebos espanhóis recrutados, que se refugiaram nos povos da raia, introduzidos neste Reino por Moimenta Pinheiro e por outros sítios”.
Caso se verificasse a prisão destes indivíduos, seriam conduzidos aos lugares mais próximos da raia para serem entregues às autoridades espanholas.
Dezenas de capturas de desertores espanhóis encontram-se mencionadas na correspondência oficial oitocentista do Governo Civil de Bragança, devido, em grande parte, às denúncias e à vigilância concertada da raia, sobretudo até 1847, por força da instabilidade política e militar que afetou os dois países ibéricos. Idêntico procedimento tinham as autoridades espanholas para com os desertores portugueses.
Na sequência da lei de 27 de julho de 1855, que regularizou o processo de recrutamento com disposições mais eficazes e tendentes a evitar a fuga ao serviço militar, a emigração de bragançanos para o Reino vizinho aumentou de tal modo que várias freguesias ficaram despovoadas de mancebos fugidos ao recrutamento anual.
O Governador Civil de Bragança, em 1863, lamentava “que tais emigrados facilmente alcançam nos alcaides das zonas da raia cédulas de vecindad e com elas seguem, livremente, para onde lhes aprouver”, o que prejudicava sobremaneira o recrutamento anual em Portugal. Por tal facto, em consequência deste cenário, o magistrado de Bragança solicitou aos governadores de Salamanca, Castela e Orense que, “enquanto pelos governos das duas nações não forem adotadas medidas mais profícuas, rogo se digne expedir as convenientes ordens para que em nenhuma povoação a seu digno cargo se concedam cédulas de vecindad ou outro documento que autorize a permanência em Espanha a súbditos portugueses que não vão munidos de passaporte legal, e antes se lhes proíba o trânsito para o interior, obrigando-os a regressar ao seu país”.
Por seu lado, os apelos do Governo Civil de Bragança às autoridades suas subalternas e a vigilância das povoações da raia, no sentido de evitar ou reduzir a permanência de espanhóis refratários ou desertores, eram uma constante. Apelava-se no sentido de não se confundirem os desertores com os emigrados por opiniões ou factos políticos. As autoridades portuguesas e espanholas concertavam as suas posições para evitarem que a emigração lusa para Castela e Andaluzia, em procura de trabalho, não camuflasse uma forma de os mancebos se eximirem ao serviço militar – os habitantes do Distrito de Bragança tinham o antiquíssimo costume de emigrarem temporariamente para o Reino de Espanha e especialmente para Castela e Andaluzia, em procura de trabalho.
Em circular de 26 de outubro de 1836, depois de se constatar que as ordens e circulares expedidas às autoridades não tinham surtido o efeito desejado, o Ministério do Reino, “fazendo justiça às reclamações do ministro de Espanha na Corte Portuguesa e em cumprimento de determinação da Rainha, ordenou que para obstar à introdução de espanhóis em Portugal, para aqui se refugiarem e subtraírem ao recrutamento ou mobilização da Guarda Nacional espanhola, teria de se reprovar a criminosa emigração, prejudicial à segurança e liberdade da Península Ibérica”. Neste sentido, estipulou-se que deveria providenciar-se para “apreender todos os espanhóis que transitassem pelos distritos sem legítimos passaportes, expedidos pelos administradores de concelho, visados pelos representantes consulares de Portugal ou Espanha, sob pena de os viandantes serem apreendidos e enviados às autoridades fronteiriças de onde se tinham evadido ou do sítio da raia que mais próximo ficasse do lugar em que fossem encontrados”. Esta circular foi emitida na sequência de uma outra, de 10 de outubro do mesmo ano, dirigida em particular aos administradores gerais dos distritos administrativos da fronteira, com base nos pedidos do cônsul português em Vigo sobre mancebos naturais da Galiza que, a pretexto de procurarem trabalho em Portugal, se subtraíam ao recrutamento.
Uma nova convenção peninsular, assinada e aprovada em 25 de junho de 1867, entre Portugal e Espanha, foi ratificada em carta de lei de 13 de janeiro de 1869, para a recíproca entrega de malfeitores, desertores e prófugos do serviço militar. Do seu teor constavam novas regras para o ato da extradição, mais completas e adequadas para se “promover e assegurar o bem e tranquilidade dos seus súbditos e facilitar a reta e pronta administração da justiça”.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
Número total de visualizações do Blogue
Pesquisar neste blogue
Aderir a este Blogue
Sobre o Blogue
SOBRE O BLOGUE:
Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
(Henrique Martins)
COLABORADORES LITERÁRIOS
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário