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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O VALOR DE UMA OBRA

Por: Humberto Pinho da Silva 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Naquela fria e sombria manhã de Inverno, do ano de 1967, estava à porta da “Livraria Silva”, na Praça de Sé, quando passa, de reluzentes divisas doiradas, o sargento Mário. Homem de lábios grossos, estatura meã, rosto levemente queimado pelo abrasador sol de Bragança, que descia, despreocupado, em direção ao velho: “Chave Douro”.
Cumprimentei-o com cortesia, curvando levemente o busto, lançando afetuoso e quase impercetível: “bom-dia! …”
Estacou. Mirou-me de cima a baixo, tomando expressão de espanto:
- Então ainda por aqui!? Pensei que estava no Porto?! …
- Parto dentro de horas, na automotora…Aproveito para examinarem o relógio. Dei-lhe corda…e nada! … - Disse, mostrando-o, na palma da mão.
Caía neve miudinha. Fazia vento gelado, vindo da Sanábria, que cortava impiedosamente a epiderme. O céu era sombrio, cor de cinza.
Deambulavam, melancólicos, pela Praça, vultos rebuçados, no aconchego de lúgubres gabões, arrastando e sulcando, a lentos passos, a fofa neve, que tudo embranquecera, em grosso rolão, na enregelada madrugada.
A cidade mergulhara em misterioso silêncio; dir-se-ia, que, a passarinhada, tolhida pela friagem, emudecera nessa triste manhã de Inverno.
Pouco depois, segurando a velha mala de cartão endurecido, comprada na Baviera, acomodava-me na automotora, a caminho do Tua.
Apressei-me a visitar a pequena relojoaria, que ficava nas cercanias da Sé do Porto.
Mirou-o com ar de entendido. Entalou a potente lente, sem aro, nas pestanudas pálpebras, e levou-o para a banca de trabalho, escarafunchando o mecanismo.
Decorridos escassos minutos, o Senhor Júlio – relojoeiro da família, – entrega-me, o relógio, com o tic…tac….bem cadenciado.
Por delicadeza, perguntei-lhe, quanto lhe devia.
E quando aguardava aperto de mão, e indicação, que nada era. Este, com rosto cheio de risos, declarou:
- Apenas cinco escudinhos…
Regressei amuado: cinco escudos, por cinco minutos! …
Já embarcado, no velho comboio do Douro, ainda remoía, indignado, o “atrevimento” do descarado relojoeiro.
O tempo passou. Decorreram mais de cinco décadas. Envelheci, sem dar por isso; e descobri o “atrevimento” ou a “sovinice” do pobre relojoeiro.
Ao ler Cruz Malpique, em: “Vocação e Profissão“, encontrei o episódio, entre Vernet, pintor francês, e o dono de célebre cavalo de corrida.
Recebera o pintor encomenda de retratar o magnifico cavalo. Vernet completou a obra em dez sessões! …
Concluída, pediu: cinquenta mil francos…
- Cinquenta mil francos, por dez sessões?! - Disse o dono do cavalo.
- Não. - Retorquiu, empertigado, o pintor. - Nesta obra está o que aprendi durante quarenta anos! …

Humberto Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".

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