Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
No quintal em frente à minha janela havia lírios, rosas, liláses, também tulipas e a coroar este arco triunfal, como que a afirmar-se como mais popular, uns vasos de barro com cravos vermelhos, brancos e amarelos.
Era nos dias de Maio que o espetáculo subia ao palco e da boca de cena se apresentavam para nossa delícia e deleite, que os tenros anos não assimilavam na perspetiva total. Quero dizer que no cimo da Rua para além das casas caiadas de amarelo ocre e cintadas com biochene marrom havia um jardim pequeno como a meninada da Caleja que sendo infantil e minúscula estava a ser iniciada para as coisas belas que a força da Natureza e a sensibilidade das gentes, criara e usufruía.
A Rua por si só era pedregosa e com declive acentuado, a vida nesse espaço limitado e algo triste, tomava um tom mais azul e realçava a beleza das flores e fazia sentir no ar um perfume que era uma mescla de cheiro a rosa e lilases.
Na parede que sustentava o talude que bordejava a linha do caminho-de-ferro havia uma fonte que talhada a cinzel se oferecia, fresca e húmida com água vinda através de tubo de pedra de nascente algures mais para cima do morro onde construíram o Forte de S. João de Deus logo após, as guerras da Restauração nos tempos da Aclamação do Duque de Bragança, o nosso Rei D. João IV. Um pouco acima do jardim com a tal fonte havia casas construídas para alojar pouca gente mas que em vez disso e dada a pobreza das pessoas estavam cheias de moradores que ostentavam à janela vasos de todas as formas e tamanhos que, carregados de cravos, pelo S. João davam ao Bairro um ar de festa que era bom para os olhos e ajudava a que as cascatas enfeitadas com os mais variados motivos populares dessem azo a que a meninada fosse com elas para as ruas principais, pedir um tostãozinho para a Cascata.
Ao longo das fachadas das casas humildes exibiam-se outras flores de janela que a vizinhança cuidava com esmero numa competição mais ou menos surda, porque a gente capricha sempre para que o seu seja, ou pareça sempre o mais bonito.
As hortas ou jardins das outras casas estavam todas voltadas para as traseiras dos edifícios, sendo apenas aquele espaço ajardinado que se mostrava à rua, pois que fora colocado à ilharga da casa de habitação e gozava de uma situação de alfobre das flores que me ensinaram a gostar do que é belo e subtil na Criação.
Nas bermas do caminho de terra batida que acompanhava até à Moagem Mariano a linha do Comboio, havia sempre erva da mais verde onde também havia flores sendo que umas azuis de uma beleza deslumbrante chamadas miosótis apareciam por ali e pecado nosso havia quem não resistisse e as colhesse para enfeitar a lapela. A casa a que o jardim pertencia, foi agora destruída pela Digníssima Câmara Municipal, o jardim já o havia sido quando da construção do Edifício Translande.
E nas ganas do lucro e na falta de sensibilidade, pouco a pouco se destrói o espaço que seria mais útil à cidade como zona histórica pitoresca não fossem os erros crassos de edis que elegemos e não têm ou não cultivam o gosto pelo belo e simples, mas incensam o betão armado e as vaidades das escadas rolantes.
Este texto é um desabafo de quem foi ali nascido e que cedo aprendeu que contra a força não há resistência e contra a falta de gosto nada há a fazer.
Bragança 21/X/2021
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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