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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

«Ah, que melhor alcaiota que a noite!»

 Vêm-me estas considerações à ideia quando leio, na Casa Grande de Romarigães, de mestre Aquilino, esta exclamação jucunda: «Ah, que melhor alcaiota que a noite!» E a seguir: «Todos os demónios da sensualidade saíram à uma dos seus tugúrios, do céu, do inferno, da alma e da carne, e reforçaram o seu poder abismal.»
Vamos por partes. Uma alcaiota é, dito por outras palavras, uma alcoviteira, ou seja, a utilíssima figura tutelar da grande crónica portuguesa dos amores furtivos. Gil Vicente imortalizou esta personagem inescapável no Auto da Barca do Inferno. Dá-lhe o nome de Brízida Vaz, aquela que «dava as moças aos molhos» e «criava as meninas / para os cónegos da Sé». Aquela que se vangloria da sua eficiência apologética desta forma irrespondível: «Santa Úrsula não converteu / tantas cachopas como eu». Aquela, enfim, que levava na bagagem com que contava — por seus merecimentos e seus serviços aos reverendos cónegos da Sé — embarcar na barca da Glória, entre outros apetrechos do ofício, «seiscentos virgos postiços / e três arcas de feitiços».
Na incomparável e cheia de propriedade linguagem da minha terra, chama-se a uma tal mulher — porque esse é um ofício exclusivamente feminino — uma chegadeira. Pode parecer que o termo «chegadeira» traz consigo uma certa carga humorística ou punitiva (ridendo...), mas não estou certo de que assim seja. Ele é usado com total naturalidade. Vem de «chegar», que, entre outros significados que o verbo partilha com o Português normal, significa também, inocentemente, «levar a fêmea (geralmente falando da vaca) à cobrição». «É preciso chegar a vaca ao touro», diz-se com toda a candura deste mundo quando a vaca dá sinais de querer. No mundo rural, onde os humanos e os irracionais compartilham a condição animal em toda a sua extensão, tanto se chega uma vaca ao touro como uma rapariga ao seu pretendente. Tudo é chegar. 
Voltando à alcaiota. Aquela exclamação serve ao romancista — homem com alguma reputação de sanguíneo e susceptível ao «poder abismal» da noite e aos tais «demónios da sensualidade» que o reforçam — para justificar a rendição da arisca Dionísia às arremetidas de Telmo. Ela capitula porque é de noite, deitando a perder todas as resistências diurnas que até ali opusera aos avanços do primo. Dia versus noite, isto é, virtude versus pecado.

A. M. Pires Cabral

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