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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O senhor Venâncio e o amigo

 Conheci o senhor Venâncio há vários anos. O senhor Venâncio era muito popular lá na terra. Grupo de amigos em que estivesse presente, proporcionava a todos um grande divertimento e uns momentos bem passados que faziam esquecer as vicissitudes da vida. E aquela gente bem o merecia. Subjugados por um trabalho de subsistência – uns a cuidar das suas propriedades e outros a ajudá-los em troca da jeira – pouco dispunham de uma vida melhor do que a ruralidade, na qual o precário se avantajava em toda a extensão do seu significado.
Pois o senhor Venâncio, além de outras caraterísticas que lhe eram inerentes, portava-se como um grande contador de histórias e de anedotas, por vezes bem picantes. Mas antes de avançar para uma das mais apimentadas, feito palhaço, metia-se pelo grupo à procura de alguma senhora, menina ou criança que estivessem presentes. E fazia-o de tal maneiro que toda a gente lhe achava graça. Era um pândego, mas muito boa pessoa. Também ele, vivendo da jeira, suportava a precariedade da vida rural.
Porém, uma sua caraterística que a todos metia confusão, (e não era assim tão má), era o de abusar um pouco da hospitalidade que muitos lhe proporcionavam, principalmente a de um seu grande amigo – o senhor Horácio, a troco de um ou outro favor. Nesta hospitalidade habituou-se a sentar-se à mesa e servir-se da refeição, como se fosse em sua casa. Acabada a refeição, derretia-se em agradecimentos, saía e retomava a sua vida normal.
Conhecido nas redondezas como pessoa esperta e com algo de ambição, ali estava o homem que procuravam.
Um dia, subitamente, e com a admiração de todos, viu-se fiscal das feiras do concelho. E, como a ambição muitas vezes muda o caráter das pessoas, começou a falar de alto e distanciar-se um pouco dos amigos da sua terra, a quem raramente dava alguma atenção, excetuando o já falado amigo senhor Horácio que várias vezes o aconselhava a comportar-se de forma a que toda a gente o tomasse por pessoa séria e imparcial. Isto, porque corria um rumorejo sobre a sua estranha atuação em relação aos vendedores, fazendo vista grossa para alguns e intimando outros.
Começou a perceber-se depois que a vista grossa acontecia só para aqueles com quem se dava melhor e a quem deixava passar uma ou outra infração – aqueles que o convidavam a almoçar gratuitamente e lhe entregavam, no fim da feira, algo contido num saco de compras que ele depressa e à sorrelfa, recolhia no seu automóvel comprado há pouco tempo por um preço e condições especiais… Já agora, a talho de foice, era ele que fazia de taxista para quem precisava de se deslocar e a quem exigia um preço algo exagerado.
Principalmente em datas assinaláveis, era também no seu automóvel que transportava para as pessoas importantes da vila os melhores produtos da sua e de outras terras ao redor, nomeadamente cabritos e cordeiros, galos e perus, queijos e requeijões, compotas e produtos artesanais que comprava por um preço muito em conta e vendia por um preço em conta – um favor que fazia às pessoas importantes.
E chegou a altura em que as pessoas importantes, ansiosas por terem alguém contorcionista que se movimentasse à vontade num campo político, onde sempre quiseram penetrar, pensaram preparar para tal o senhor Venâncio que decerto iria manejar esse campo bastante bem.
E assim foi. Apesar das recomendações do amigo Horácio, que o foram acompanhando pela vida fora, nunca tendo aceitado dele qualquer favor que colidisse com a sua consciência e reconhecida probidade, o senhor Venâncio, não deixando de aliciar quem ele sabia e podia aliciar, vive muito bem, e vai ressonando diante da televisão, na sua poltrona de pele, enquanto o amigo Horácio saboreia, à mesa, o parco jantar, sentado numa cadeira de pau.

Manuel António Gouveia

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