©MarioCerdeira |
A originalidade e a diferença dos vinhos de Trás-os-Montes para os outros de Portugal, e entre si, vêm das diferentes combinações que proporcionam (o plural é importante) os solos, as altitudes, as exposições, as idades das vinhas, os microclimas dos locais onde vicejam as cepas e amadurecem as uvas. Globalmente, Trás-os-Montes é mais alto, mais frio e mais quente, mais seco e mais húmido, mais xisto e mais granito. Medindo-se à régua e com termómetro, então teremos parcelas e microclimas mais adequados para esta ou aquela casta. Se examinarmos a paisagem com binóculo, descobriremos os spots ideais para espumante ou para brancos e as encostas certas para poderosos tintos. Calçando as botas, poderemos descobrir o cheiro das urzes, giestas e estevas a chegar às videiras dos adagues ao lado. Se, nalguns sítios, há barros e há calcite, noutros, os feldspatos, quartzos e micas da mineralidade dos vinhos, aninham aluviões próprios para uvas mais gordas e produtivas. Campos intermináveis de xisto, ondulando em lombos e vales, interrompem-se abruptamente para dar passagem a veios de descontinuidades geológicas que o velho planalto trasmontano exibe como cicatrizes orgulhosas. Nenhuma costa de mar, mas uma grande fronteira com Espanha, de que sopra um vento que é bom para os vinhos. É uma velha paisagem com um velho clima em mudança. Em que uma geração nova, hoje, esmaga as uvas, apura monocastas e lotes, produz, com um grande e justo orgulho, dos melhores, originais e diferentes vinhos que se fazem em Portugal. Com uma enologia tradicional e moderna, cientificamente actualizada, tanto capaz de usar tonéis e pipas (que aqui são feitos em tanoaria conterrânea) como a mais recente wiseshape para cá trazida.
Há meia dúzia de dias no Hotel Marriott, em Lisboa, alguns produtores e representantes participaram numa mostra de vinhos, Trás-os-Montes em Prova, iniciativa da CVRTM, Comissão Vitivinícola de Trás-os-Montes. A Mariana e eu fomos, curiosos, expectativa alta – e correspondida! Apenas uma sala, uma vintena de mesas, umas dezenas escassas de marcas, sorrisos, os copos de prova, a água, as bolachas de água e sal… e os vinhos! Estas linhas não lhes fazem justiça porque a brevidade não permite referir todos os que provámos e tudo o que haveria a dizer, mas como pecar por omissão também seria muito grave e os repetentes como o Palmeirim de Inglaterra seria pleonástico comentá-los, escrevemos os que mais nos surpreenderam, a começar por um rosé monocasta mencía, estupendo, que a Maria da Graça nos pôs nos copos, já a nossa prova ia quase no fim, e que nos fez desejar estar num fim de tarde em Vilela Seca a comer uma posta de bacalhau assado! Tão bom, estarmos numas provas em que a maioria do que há a dizer é um apontar de qualidades e em que os defeitos nem se notam! Tínhamos começado pelos que não levam sulfitos e têm a inovação da flor de castanheiro, da Casa do Joa, tendo ficado de irmos ter com o Jorge Afonso à adega para explicações in loco, um destes dias. Os monocastas tinta amarela são particularmente expressivos em Trás-os-Montes e estão a ser muitíssimo bem conseguidos: muito bom, o das Encostas de Vassal, absolutamente estupendo, o da Quinta das Corriças, de Vale de Salgueiro. Vinhas Velhas, provámos uns quantos – e as vinhas velhas de Trás-os-Montes são mesmo velhas! – o difícil é ter um adjectivo padrão porque são todos diferentes, originais, exprimindo o que cada uma dessas vinhas velhas é e onde está: os reserva de Valle Madruga (o Fernando Nicolau de Almeida explicou-nos os vinhos e o evoluir futuro da adega), do Salvante, de Sonim, Marimbelo (Valter Cadavez, de Mirandela), Flandório (Leandro Garcia)… Também estavam a Quinta de Arcossó (o minimalismo, a gravidade como força motriz da adega); os Vinhos dos Mortos, de Boticas, do Nuno Pereira; os Mont’Alegre Vinhos, do Francisco Gonçalves; Quinta Serra d’Oura; Olivia’s Winery (Jaldim-Bebiano, em Alfândega da Fé); Terras de Mogadouro; Romano Cunha, de Vilar de Ouro. Quase ao sairmos ainda provámos o Quintino, da Encantos da Quinta, a que a Márcia Bernardo e a Ana Martins davam um sentido familiar emotivo e próximo. Seria fastidioso apontar pormenores de cada um, assim a seco, porque os vinhos são bons sobretudo na ocasião certa, são para se beber, para acompanhar momentos e, agora de Inverno, umas perdizes ensopadas com pão e cogumelos, umas alheiras tostadas, uma carne de vinho de alhos assada e comida à lareira num dia frio. Hoje, ao almoço, serão umas casulas secas – com orelha, entremeada e chouriço… Mas há, ainda, um vinho branco memorável que não posso deixar de comentar. Monocasta. Ora, a Mariana e eu somos fãs, em Espanha, dum bom godello. E deu-se um facto numa tarde, há já uns anos, em que estava no IVV e o telefone tocou: era a Ana Alves sobre a portaria da CVRTM e querendo confirmar que o godelho figurava nas castas elegíveis para certificação. Godelho, a casta assim pronunciada como na Galiza, nada de confusão com o gouveio de Portugal. Assim foi. Agora, ali, no Marriott, provámos do monocasta godelho da adega Vidago Villa, do Paulo Martins. Um supervinho. Como os outros vinhos vendidos desta marca. Trasmontanos.
Este evento da CVRTM vai ser repetido no Porto. Vinhos da região de Portugal em que são mais originais, mais diferentes entre si e capazes das maiores surpresas. Vinhos de Trás-os-Montes.
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