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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Mia Couto e o que nos diz, hoje, no Face e a associação automática que me ocorreu.

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


Há uns dias atrás o meu amigo Serafim Pires, perguntou-me se eu ainda me recordava de um episódio, passado no tempo que sendo nós ainda pequenos, nos teria marcado pela forma inusitada como foi provocado, causando um efeito inesperado de tomada de consciência em grande parte daqueles que assistiram e mesmo descontando a reprovação de outros, que por razões compreensíveis o criticaram, não deixaram de mais tarde e depois da calma voltar a reinar, terem alterado a posição reprovadora e haverem mudado de ideia.
Para aquele tempo e na cidade de Bragança, foi algo de inédito e um ato de coragem pois confrontaram-se conceitos que a prática ancestral havia inculcado na mente dos cidadãos e tinham cunho de tradição, sendo considerados como elevadores de pendor desportivo mesmo que indubitavelmente dignos de crítica à luz de outros conceitos éticos ainda não vistos como degradantes.
Passo a explicar-me:
Até à década de 60 do século passado era prática que em tempos festivos, particularmente no Verão, se organizassem torneios de Tiro aos Pombos. Consistia tal prática em colocar em gaiolas de um tipo concebido com porta de mola que retinham dentro, pombos, que eram colocadas em semicírculo num espaço aberto e que ao comando de uma voz imperativa, alguém fazia abrir, ocasionando com o ruído da abertura da porta o espavento do pombo ali encarcerado, fazendo-o voar rápido e elevando-se a uma determinada altura, o desportista munido de espingarda, o pudesse visionar e calculadamente o abater.
Pois bem, confesso que ainda hoje o elemento estético desta prática me fascina. É cultural e só com a capacidade de reflexão conseguida com uma certa aprendizagem de outros de ordem moral e comparando-os, me foi possível tomar posição contrária e isso só foi viável após o ato de consciencialização que nesse dia interiorizei. 
Eu, e pelos vistos, o meu amigo Serafim e tantos outros, novos e velhos, que assistiram ou tiveram notícia à posteriori fomos colocados em frente de um conceito até ali incontestado de que o homem podia dispor da vida de todos os seres viventes a seu bel prazer.
Pois bem, era tempo de festas da Cidade e como tradição a comissão de Festas, tratou de fazer vir os pombos de lugar próprio para o Torneio, que era um dos pontos altos das festividades e se realizava no velho campo de futebol do Toural. 
Chegaram na véspera e ficaram nas respetivas gaiolas no Faria & Lico que era onde paravam as "carreiras" e hoje é a Estação de Serviço do Patronato. No dia seguinte montou-se o aparato para o Torneio e era o homem encarregado de fazer abrir as gaiolas, o velho Cantaria, futebolista, bombeiro e roupeiro do Desportivo, para além de sempre pronto para o que fosse trabalho em favor da Cidade.
Convém dizer que havia na cidade dois senhores que possuíam pombos correios e portanto eram amantes destas aves, praticantes de columbofilia e que tinham forçosamente uma ideia destas práticas bárbaras de divertimento, menos entusiasta do que a da maioria dos outros que se divertiam a ver abater os bichos que assustados se alçavam espaventosamente com um bruuuuuuuum acelerado e com voo em zig-zag, instintivamente fugindo do perigo que representavam todos aquelas armas das quais sairia fogo e chumbo para lhes acabarem com a existência.
Sinceramente algo obscuro na minha mente impede-me de identificar esses dois columbófilos, atrevendo-me apenas a situar a morada de um na Vila e a do outro na Estacada.
Depois de tudo pronto para o Torneio e depois de se haverem arrematado as armas, exercício que, confesso, ainda hoje,
não sei bem qual era o mecanismo usado para tal ato e o seu objectivo final, mas suponho que fosse para a comissão fazer algum dinheiro para cobrir as despesas. Armas arrematadas, os atiradores tomavam posição e de arma pronta esperavam para cada um, de sua vez, tentarem abater o maior número de pombos possível.
O comissário juiz certificava-se de que as gaiolas colocadas a uma distância razoável estavam devidamente fechadas e o mecanismo que o Cantaria acionava para abrir as gaiolas estava devidamente pronto. Com o braço no ar o juiz deu ordem ao primeiro homem para estar pronto e de coronha encostada ao rosto o primeiro atirador expectante, esperou a saída da ave. Abre, gritou o juiz e o Cantaria acionou o dispositivo e a porta abriu-se com a rapidez e o ruído caraterístico. Mas o pombo não saiu! Ouviu-se um oooooooo de desencanto. Passou-se à segunda gaiola e de novo a voz do juiz, imperativa gritou, abre. Segundo acionamento, porta aberta, ruído de ferros, mas o pombo também não saiu. Um outro murmúrio de desencanto e a face do juiz e do atirador deixaram perceber que algo estava a correr mal.
A assistência começou a comentar e a opinar sobre o caso, insólito, mas efetivo. Tentou-se o terceiro pombo, já sob um certo pendor para a dúvida, pois opinava-se que fora o calor que fizera os pombos ficarem apáticos e também se aventava que era o dispositivo de abertura que não estava bem e o pombo não sentia o fragor da porta contra o ferro da gaiola e portanto não reagia em consonância com o pretendido. De novo o juiz grita, abre, e a passividade da ave segue o exemplo das antecedentes. Nada, quedaram-se todas num letargo de siesta espanhola que exasperou o juiz, os atiradores e toda a assistência presente, que incluía a fina Flor da sociedade brigantina, sem que faltassem as belas e as que intentavam sê-lo, os bem e mal vestidos e os que gostavam do espetáculo que até esse tempo não sofrera qualquer contestação quanto à sua prática, mas que alguém com ideias mais inclusivas já criticava pelo simples facto de as gentes praticarem a violência gratuita, embora o seu discurso recorrente fosse contrário. 
Ninguém se preocupava com a matança em elevado número de criaturas indefesas que eram lançadas à ferocidade de gente que se julgava incapaz de matar uma mosca. Contradições que haviam sido percecionadas pelos dois columbófilos mencionados, que sabendo da dificuldade de alertar as pessoas para o caso resolveram fazer algo que as fizesse pensar que não basta parecer, é preciso ser.
Concluído que algo de estranho se passava a prova foi suspensa e diligenciou-se para achar justificação para tão insólito caso. Veio depois saber-se que os pombos não voavam porque estavam bêbados, alcoolizados! Os dois columbófilos, na noite anterior entraram na garagem oficina onde as aves tinham ficado e eles próprios fizeram tal. Habituados a lidar com aves dessa espécie e tendo posto em equação a dificuldade de por outros meios obstarem a tal carnificina, usaram de inteligência para fazerem pensar quem nunca o havia feito de que o homem não é dono das criaturas, no estrito senso de que porque Deus lhe deu maior inteligência, não lhe conferiu o direito de as aniquilar a seu bel prazer e pior, de o fazer por método sanguinolento e assaz primitivo. 
Neste ponto é imperativo analisar o escrito de Mia Couto que, hoje, li com satisfação, pois com algumas frases, claras e sucintas, o escritor nos confronta com o paradigma atual que a esmagadora maioria dos adultos, incluindo alguns séniores que almejam a que a sua descendência possa vir a ter um diploma académico que lhes abra a porta das empresas de topo ou a possibilidade de se sentaram à mesa da messe perdulária dos vários departamentos que o Estado põe à disposição de "Sus muchachos". Ora é hoje facilmente constatável que a educação que a maioria dos jovens e adolescentes recebe é permissiva, desresponsabilizadora e acima de tudo condescendente, com atitudes de má educação, violência gratuita e pior que tudo facilmente influenciável pela drogas que os destroem e os reduz à condição de parasitismo, com a descida na escala social e consequente necessidade de mendigarem, roubarem, ou exercerem coação nos cidadãos comuns, sob o olhar de quem deve evitar que assim seja.
Não aponto nenhuma instituição em particular, pois todos sabemos que todas elas se complementam e todas são local de trabalho para os homens e mulheres deste país, que são pais e mães e sentem o que eu sinto. Tão só porque concluímos que é com matemática e literatura que se arranja muito dinheiro para saciar a fome ancestral e ignara de possuirmos o que não nos faz falta.
O exemplo dos que têm a missão de serem sensatos e honestos ao ocuparem lugar de poder nas instituições que governam a Pátria, não tem sido o mais consentâneo com o desejo e a expectativa dos cidadãos comuns deste país. Basta ler os jornais ou seguir os "Média" para se saber de como a posse de fortuna em bens de raiz e em dinheiro aos milhões é uma tentação para quem até ganha bem pelo que faz, mas cede à tentação do vil metal. Veja-se o que se diz nos meios de comunicação de políticos, juizes, militares e até agentes mais ou menos importantes do futebol.
Bem, compete-me dizer que não advogo a miséria para o povo, onde me incluo, nem dos outros povos à face da terra mas sim e apenas, menos ganância e mais justiça. Que haja menos delírio e insensatez na educação dos jovens, fazendo passar a ideia que é tão necessário à humanidade um pastor como um doutor, um médico como um canalizador e que todos são parte integrante desta grande família que é a Humanidade. A minha mãe sabia um provérbio que frequentemente citava. Rezava assim: -Um doutor não ordenha tão bem uma cabra como o faz um cabreiro.
Resta-me por hoje agradecer ao meu amigo Serafim e ao escritor Mia Couto, o terem contribuído com as suas ações e omissões tão eficazmente para que eu quebrasse este jejum de escrita que já contava mês e meio. Confesso que me domina um certo medo de escrever coisas desagradáveis que não sendo intencionalmente escritas possam ofender gente com pontos de vista diverso. Mas também é verdade que penso que não podemos deixar de nos indignarmos com o que os tempos atuais nos presenteiam quotidianamente!




Bragança , 06/03/2020 
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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