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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 2 de maio de 2020

E JÁ NÃO HAVIA ROSAS - 3

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Hoje estou de férias, na ausência das rotinas que nos plasmam a vida e o tempo.  Lembrei-me de ti e senti vontade de te abraçar, dar-te a mão para nos perdermos na cidade, como tu gostavas, sem falar de amor… só da amizade que fica.  O Verão fez-se azul e o sol desenha sombras nos quintais cheios de sede. Adivinho-te imaterial como a penumbra do teu último sorriso.
A cidade sufoca na imensidão de todos os desertos. As férias me estranham e sobra-me o tempo, no vermelho das cerejas e na doçura dos pêssegos. Despi o fato, levantei-me tarde e como um rapaz vou até à esplanada do café, onde casais ainda felizes namoram, os homens falam de futebol e política e as mulheres mal arrumadas, no abandono das férias, tomam o pequeno-almoço e fumam ávidas imensos cigarros. São elas as habitantes dum bairro de prédios em altura, que vieram para a cidade mas continuam a sentir a nostalgia dos grandes largos e das fontes da aldeia.
Uma idosa fala sozinha e cisma no desconsolo dum estar sem esperança, nem afectos. No abandono do estar, chega uma mulher pálida, de olhar sombrio. Óculos escuros. Ao lado comentam que o marido lhe bate. Empurrou-a, bateu com a cabeça na esquina da cama. Foi ao hospital. Sem querer, revivo as memórias trágicas de outro hospital envolto na sombra.  Ela disse que tinha caído nas escadas. O médico não acreditou. Era um caso de polícia. Mas ela não quis falar.  E aqui estava eu partilhando infelicidades, mas ao mesmo tempo sentindo uma satisfação estranha e sem motivo, vivendo este falso anonimato, este estar ausente numa cidade onde toda a gente se conhece. Comprei o jornal, pedi uma água com sabor a limão e sentia-me bem, com um ar fresco, como se tivesse regressado ao passado sem preocupações, nem responsabilidades, onde só era preciso deixar o tempo correr e dizer um bom dia muito afectuoso e cúmplice aos conhecidos de circunstância.
Entretanto chegou um professor da Faculdade de Filosofia, meu amigo, que já não via há muitos anos. É um homem sábio e experiente em interpretar o mundo e a precariedade da natureza humana. Falamos de muitas coisas, de questões filosóficas, de política, de mulheres bonitas, de mulheres que deixam a casa e a domesticidade bem portuguesa e fazem doutoramentos porque o mundo está a mudar, rumo a uma nova ética e à afirmação científica da sociedade matriarcal.
Também tu tinhas feito o doutoramento e a tua presença cristalina desenhou-se nas longas sebes de roseiras que perfumam a cidade. E não me esqueci de ti! - Gostei de te ver meu amigo, tu pensas bem e pensas doce, como se tivesses medo de magoar o outro na diversidade precária das ideias. Disse o meu amigo. Não soube o que dizer. Já noutro tempo um Deputado Municipal me tinha dito o mesmo: - O teu discurso é sempre tão positivo que quando argumentas e o debate aquece, quase dizes como um enfermeiro: - desculpe mas vou ter de lhe dar uma injecção! Eu sou um pouco assim e muitas vezes e sem querer trauteio a canção do Godinho: “(…) que força é essa amigo que te põe de bem com os outros e de mal contigo?” - Vim baptizar a filha de um amigo meu. Tu sabes que eu sou padre? Vocação tardia.
Disse o meu amigo, quase como quem pede desculpa pelo conflito possível ao nível das ideias entre a ciência, o profano e o religioso. - Ainda bem que tenho um amigo padre e sábio, pois acho que estou em pecado mortal mas preciso dum passaporte para o Céu. O meu amigo sorriu e sem grandes certezas disse somente que o céu, ou o inferno, está no coração dos homens. Tão perto.
Fiquei aliviado e com a esperança que um dia o meu coração inquieto repousará ao lado de Deus Pai todo-poderoso. Não havia nuvens no céu.
De seguida trocamos os números do telemóvel e email e o meu amigo levantou-se, deixando-me a convicção que o céu esta muito mais perto do que nós pensamos.   Em jeito de despedida ainda disse:  - Quando escreves outro livro?! - Sobre o quê?! Lembrei-me do teu sorriso. - Olha, as pessoas andam muito triste… fala de coisas bonitas… fala das rosas… é tempo das rosas!  Sem pressa, apertou-me demoradamente a mão e fez um sinal em jeito de bênção. 
Talvez os anjos pousem nos beirais das casas. E foi-se embora!








Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

2 comentários:

  1. Parabéns, Fernando Calado. Muito bem escrito, com belas imagens e figuras de estilo, como tu tão bem sabes fazer. Adorei ler. Um abraço.

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  2. Caro colega Fernando Calado: Lindo texto. Orgulho-mede tê-lo no mesmo blog.

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