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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos- MANUEL LOPES, UM JUDEU DO TEMPO DA INQUISIÇÃO - 6

Voltemos atrás, ao filho primogénito de Luís Lopes Penha, nascido em Mogadouro, cerca de 1629 e ali batizado com o nome de António Lopes Pereira. Sabemos que repartiu a mocidade negociando, entre Mogadouro e Castela. Em data que não conseguimos averiguar, foi casar em Torre de Moncorvo, com Maria Rodrigues, filha de João Rodrigues e Manuela Dias.
O casal morou algum tempo em Moncorvo, mudando-se depois para o Mogadouro onde, por 1680, faleceu Maria Rodrigues, deixando 4 filhos: Luís Lopes Penha, de 10 anos, João Lopes Ventura, de 7, Salvador, de 4 Lopes e Manuel Lopes, o protagonista deste trabalho, recém-nascido. Aliás, presumimos que a mãe faleceu na sequência deste parto.
Da vivência de António Lopes com seus filhos, temos o relato feito pelo filho mais velho, o Luís, na inquisição de Valhadolid em 10.2.1702: - Disse que, sendo de 10 anos e vivendo com seus pais António Lopes Pereira e Maria Rodrigues, já defuntos, no Mogadouro, e tendo morrido a dita sua mãe, havia coisa de um mês, disse a ele confitente seu pai e a seu irmão João Lopes Ventura, que no dito tempo seria de 7 anos, estando os três sozinhos, num aposento de sua casa aonde seu pai dormia, disse o dito seu pai, que havia ele confitente e seu irmão de sacar a alma de sua mãe das penas do purgatório e levá-la para o céu. E que a isto respondeu ele declarante e seu irmão que faziam o que pudessem, ainda que fosse necessário perder a vida. Ao que seu pai respondeu que para consegui-lo não necessitavam senão de estar sem comer nem beber pelo tempo de 24 horas, rezando algumas vezes padre-nosso, sem dizer ao fim Jesus. E convencendo- -os aos dois a fazê-lo, como seu pai dizia, naquele mesmo dia, seu pai e eles, do poente ao sol, comeram uma potage de garbanços e um pouco de peixe, dizendo seu pai que era para fazer a primeira ceia do jejum que haviam de fazer com ele pela alma de sua mãe e que até à noite seguinte, à mesma hora, não haviam de comer nem beber. 
E assim o fizeram ambos, rezando pela manhã e pela tarde um rosário de padre-nossos sem dizer Jesus ao final e sem estar presente seu pai. Assim explicou Luís como foi introduzido por seu pai na prática da lei de Moisés, contando em seguida outras práticas e cerimónias judaicas e ditando várias orações que seu pai e sua avó materna lhe haviam ensinado. Sim, para o Mogadouro se mudou também a sogra de António Lopes, chamada Manuela Dias, talvez depois da morte da filha, para cuidar dos netos. E à responsabilidade desta avó ficaram as 4 crianças, quando o pai morreu, por 1686. Por pouco tempo, já que a avó tratou logo de os encaminhar para junto de outros familiares que melhor pudessem educá- -los e introduzi-los na vida ativa. 
Assim: Luís Lopes Penha foi enviado para Benavente, Castela, para casa do tio paterno João Dias Pereira que, na região de Salamanca, trazia arrendada a venda do tabaco, com muitos familiares empregados em diversos estancos. Breve o Luís ficaria encarregado de um deles. João Lopes Ventura foi enviado para Bragança, para casa da sua parente Inácia Maria Pereira, casada com Manuel Rodrigues, o Clérigo, de alcunha, onde aprendeu a arte de tecelão de sedas e de quem haveremos de falar mais adiante. Da infância de Salvador Lopes Penha, não temos qualquer informação. 
Sabemos tão só que, em 1702, quando contava uns 24 anos, se encontrava servindo o exército de Castela como soldado de cavalaria, conforme informação de sua “tia” Guiomar Lopes. Manuel Lopes, o mais novo, foi levado para Lebução, para casa de sua tia paterna Isabel Cardosa, como se verá. Porém, antes de prosseguirmos, acompanhando a infância de Manuel Lopes em Lebução, fiquemos em Torre de Moncorvo, procurando as suas raízes. E a primeira constatação é que na sua terra natal não conseguimos identificar qualquer parente seu. Tal como a sua avó materna, que era natural de Moncorvo e se passou para Mogadouro, deve dizer-se que todos os parentes que o Manuel encontrou ao longo da vida, originários de Torre de Moncorvo, andavam em outras terras portuguesas ou no estrangeiro. 
A Torre era uma terra completamente limpa da heresia judaica. É que, entre 1640 e 1670, a inquisição levara a efeito uma verdadeira operação de limpeza da etnia hebreia. Recuemos então àqueles anos de 1640, quando o promotor do tribunal do santo ofício de Coimbra solicitava as primeiras prisões, argumentando deste modo perante os inquisidores: - Ilustríssimos Senhores (…) A Torre é terra nova em que importa ao serviço de Deus entrar a Inquisição, que fez muito fruto entrando também por testemunhos de cerimónias em Quintela e Sambade. Foi o início de uma alterosa vaga que, nos anos seguintes, arrastou para as celas da inquisição mais de 7 dezenas de cristãos-novos Moncorvenses, com todas as consequências, ao nível da economia, da sociedade e da cultura, ainda mais, tratando-se do sector mais dinâmico da sua população. E a operação de limpeza foi conduzida com tal eficiência que, uma dúzia de anos depois da primeira investida, em 1652, o comissário local da inquisição, que liderou o processo, Pedro Saraiva de Vasconcelos, escrevia para os inquisidores de Coimbra: - Os cristãos-novos desta vila se fugiram todos para Castela e só ficaram três casas, que também farão o mesmo; porém, dizem que alguns estão escondidos em Vila Flor, que é a sua cidade de refúgio, com intenção de passarem a Castela. Certamente que alguns ficariam em Vila Flor, o tempo suficiente para se desfazerem de alguns bens que não podiam levar e cobrar alguns dinheiros que tinham em mãos alheias. Mais ainda ficaram por Mogadouro, mas todos acabaram por se internar por Castela ou rumar ao Porto e Lisboa onde eram menos conhecidos e poderiam apanhar uma barco para uma terra onde pudessem livremente afirmar a sua religião. 
Facto é que, depois desta vaga não houve mais prisões em Torre de Moncorvo, nem manifestações públicas de judaísmo.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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