Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O Linguajar Transmontano (III)

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Mais um pedaço da nossa herança, duma memória que não devemos apagar.

1 – “Enquanto durar o pão da boda”. É uma expressão típica do Planalto Mirandês. Utiliza-se, perifrasticamente, naquele contexto em que uma dada relação entre duas pessoas, amorosa ou doutra natureza, uma sociedade comercial feita por dois amigos, está a correr bem no início, mas ainda não é tempo para se tirar uma conclusão definitiva sobre o “enlace” e consistência da “relação”.

Ex.º : - “Já biste, parece que os dois sócios do café se entendem muito bem!”

-  “Tem calma! Tudo corre bem, enquanto dura o pão da boda”. Ou seja, no início tudo é muito bonito; os sócios ainda não foram postos à prova; ainda não foram testados a sério”.  

2 – “Bou-me despir”. Não tem, no Planalto Mirandês, neste contexto, o significado de tirar a roupa do corpo p´ra ir tomar banho. “Despir”, termo usado essencialmente pelas mulheres, significa trocar de roupa, principalmente quando elas chegam a casa e se querem pôr à vontade.

Ex.º - “Ana, dá-me aqui uma ajuda”.

- “Espera só dois minutos, que me bou despir”.

Esta expressão, fora de contexto, pode ser interpretada “maliciosamente”, se, naquele preciso momento, for proferida, e estando um vizinho por perto.

3 – “Arganeiro”, expressão que, julgo, só se ouve no Planalto Mirandês”. Significa “alarve”. Diz-se daquela pessoa que, à mesa, se puder, come ele tudo, não se importando se a comida chega para os restantes comensais. 

4 – “Deixar um cão sem ceia”. Expressão usada no Planalto Mirandês, diz-se, perifrasticamente, não com sentido pejorativo, quando referido a um individuo que come exageradamente.

Ex.º “Aquele é o tal p´ra deixar um cão sem ceia”

5 – “Tchono”, em Vinhais, no Planalto Mirandês e na zona da Lombada (bragança) significa chinelo de quarto/”d´andar por casa”, ou, no uso metafórico, alguém que se sente velho, e “ já não presta p´ra nada”.

Ex.º. da segunda acepção:

– “Pai, quere ir à festa?”

- “Não, filho. O que bai lá fazer este tchono Belho?!” 

6 – “Medrar”, verbo associado ao Planalto Mirandês, influência de nuestros hermanos, significa “crescer”.

Ex.º “ Come, p´ra ber se medras/p´ra medrares”.

7 – “Touronda”, no Planalto mirandês, diz-se duma vaca que está com o cio, e o seu comportamento, “deribado” das hormonas, é caracterizado pela irrequietude. Quando era miúdo, pensava tratar-se de vacas às quais acontecia o mesmo que às máquinas de flippers, que, quando “apertávamos com elas”, faziam “tilt”, “passavam-se”. 

8 – “D´ádréde”, expressão usada no concelho de Vinhais, e significa “de propósito”.

Ex.º “ Tu és matchutco! Fizeste – o d´ádréde”

9 – “Ácente”, expressão característica do Planalto Mirandês, com o significado de “de propósito”. 

Nota: a expressão “ácente” conheço-a apenas foneticamente, de ouvido. No concelho de onde sou natural, Vimioso, ainda hoje se ouve com alguma frequência. Nunca a vi escrita, e desconheço a sua origem. Grafei-a com “c”, admitindo, contudo, que possa ser escrita com a sibilante dupla “ss”.

10 – “Nem tuge, nem muge”, expressão associada ao Planalto Mirandês, diz-se da pessoa que, além de pouco sincera e cínica, “nem ata, nem desata“, ou, no melhor dos vernáculos, “nem …, nem sai de cima”.

11 – “Nem fede, nem cheira”, expressão atribuída ao Planalto Mirandês, e tem a significação da anterior.

12 – “Sobrerrolho”, palavra ouvida no Planalto Mirandês, e pertence à linguagem da meteorologia, significando “tempo abafado, céu avermelhado e com muito calor”.

13 – “Esmofir”, palavra/verbo característico do Planalto Mirandês, que significa comer com muita vontade, com prazer.

14 – “Bô Bício”, expressão que nunca ouvi senão em Bragança, mais precisamente na Vila/Cidadela, no Bairro Além do Rio e no Bairro dos Batocos, e significa “era o que mais faltava!”. “bô bício”, este regionalismo localizado, “convive” com o “bem m´eu finto” e com o “bô fé l´eu ponho”.

Ex.º. –  Pedro, olha qu´amanhã tens que te levantar cedo, que bamos às batatas.

- Bô bício! Num contes comigo!

15 – “P´ra comer, aposta pai”, é uma expressão de todo o Trás – os – Montes, que tem a significação de “p´ra comer, conta sempre comigo”.

16 – “Catchaçada”, expressão devida ao Nordeste Transmontano, que significa levar uma porrada, com a palma da mão, no catchaço; ou seja, atrás do pescoço, na nuca.

Nota: se verbalizarmos, por exemplo”, em Lisboa, a palavra “cachaçada”, em vez de “catchaçada” (variante foneticamente produzida com a consoante africada), estamos a negar aquilo que mais nos identifica, o nosso transmontanismo.

17 – “Levar um croquete”, expressão de contexto escolar (ensino primário e preparatório), usada em todo o nordeste transmontano, significa dar uma pancadita na cabeça de alguém, com as nozes dos dedos. O meu querido amigo e conterrâneo Fernando Ratão, um dos professores mais consensuais da nossa praça, pedagógica e cientificamente do melhor (inigualável no sentido de humor), quando, na sala de aula, um aluno se distraia, dava-lhe, à socapa, um carinhoso croquete, para o “devolver ao convívio dos demais”. O saudoso professor Acácio, na Escola da Estacada, também nos “brindava”/“sacudia as moscas” com indolores croquetes. 

18 – “Caçoar”, expressão do Planalto Mirandês, que significa fazer troça de alguém, escarnecer.

19 – “Abia-te”, expressão típica de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, que significa “despacha-te”.

20 – “ Dar fé de…”, expressão do Planalto Mirandês, significa “ aperceber-se de.” e “ter a ideia de..”

Exº. Primeira acepção. “Já biste, a Francisca, com 11 meses, já dá fé de tudo”.

Exº. Segunda acepção:  – Biste a Maria?”

- Eu dou fé da ber por aí.

21 – “Dar conta de…”, com idêntica origem geográfica, significa o mesmo que a expressão anterior.

“Dar conta de …” tem também o significado de, por exempro, numa luta de touros, “vencer”:

Exº. “Cá p´ra mim, o touro de Vilar Seco dá conta do de Constantim”. Ou seja, “ganha-lhe”, “bence-o”.

22 – “Entendido”, expressão do Nordeste Transmontano (semanticamente próxima das duas anteriores), significa, referida a crianças, “desenvolvido”:

Exº. O José, p´rá idade que tem, está muito entendido. Ou seja, está desenvolvido.

Nota: A forma nominal “desenvolvido”, particípio regular do verbo “desenvolver”, dá lugar, no Planalto Mirandês, ao particípio irregular “desenvolto”. 

23 – “Torgueiro”, expressão cuja entrada lexical aparece no “Dicionário Aulente” associada genericamente a Trás-os-Montes, com o significado de “estúpido” e “boçal”, em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês é a adjectivação para quem é desajeitado, que veste sem gosto, sujo, uma pessoa com aspecto abrutalhado – o correspondente ao “corisco mal amanhado”, no linguajar açoriano.

Nota: a palavra “torgueiro” vem de “torga”, uma planta/arbusto, com uma raiz enorme. Antigamente, no meio rural, havia quem fizesse carvão/brasas, a partir desta raíz. Os torgueiros, ou carvoeiros, eram aqueles que se dedicavam a esse lavrar. Uma “actividade” que, como facilmente se compreendá, implicava que quem a ela se entregasse, andasse “enciscado”, sujo. Daí atribuir-se essa conotação.

24 – “Prosmeiro”, expressão que no Dicionário Priberum da Língua Portuguesa tem os significados de “tretas”, “pessoa com lábia” e “arenga”, no Planalto Mirandês diz-se de alguém que, ainda que simpático e afável, é dado a mesquinhices, que irrita pela piquinhice como faz as coisas.

25 – “Arredar”, expressão ouvida no Planalto Mirandês, com o significado de “desviar” um objecto ou pessoa.

Exº. Primeira acepção; “Ajuda-me aqui a arredar o armário”.

Exº. Segunda acepção: “ Arreda daí os pés!”

26 – “Ronsar” ou “Arronsar”, expressão que no planalto Mirandês é usada com o significado de mover um objecto, arrastando, fazendo-o deslisar, devido ao seu considerável peso. Quando a roda dum carro de vacas ficava presa no lodaçal, era preciso “arronsá-lo”, e pô-lo em “terra firme”.

Esta expressão é usada num outro registo de linguagem menos cuidada, no modo imperativo, com a significação de “levanta-te-me daí”: 

Exº. Deixa-te de ser calaceiro/preguiçoso, e arronsa lá daí o cu!”.

27 – “Os de pori abaixo”, expressão típica de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, usada como identificação geográfica/ origem duma pessoa, e refere-se sempre a alguém natural duma localidade p´ra lá do Marão. Os de “puri a baixo”, como diz o meu amigo e ilustre vinhaense, de Vila Verde, João Saldanha, são todos aqueles que não são transmontanos.

 Exº. - De onde é o professor de Matemática?

- Num sei, mas acho que é de pori a baixo.

28 - “Enredar”, expressão do Planalto Mirandês, e diz-se daquele que “empata tempo”, que faz as coisas “de vagar e devagarinho, que está a engonhar. No fundo, é um “faz -  que -  faz”:

Exº. Tirate-me daí, que só estás a enredar.

29 – “Arrebimbar”, expressão do Planalto Mirandês (actualizada, ainda hoje, com frequência, nas aldeias de Carção e Argoselo), significa cair:

Exº. - Então , como é que te aleijaste?!

- Olha, arrebimbei-me da mula abaixo. 

E, assim, termina mais uma viagem de memórias, a consciência de nós mesmos.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso.
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

Sem comentários:

Enviar um comentário