(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Mais um pedaço da nossa herança, duma memória que não devemos apagar.
1 – “Enquanto durar o pão da boda”. É uma expressão típica do Planalto Mirandês. Utiliza-se, perifrasticamente, naquele contexto em que uma dada relação entre duas pessoas, amorosa ou doutra natureza, uma sociedade comercial feita por dois amigos, está a correr bem no início, mas ainda não é tempo para se tirar uma conclusão definitiva sobre o “enlace” e consistência da “relação”.
Ex.º : - “Já biste, parece que os dois sócios do café se entendem muito bem!”
- “Tem calma! Tudo corre bem, enquanto dura o pão da boda”. Ou seja, no início tudo é muito bonito; os sócios ainda não foram postos à prova; ainda não foram testados a sério”.
2 – “Bou-me despir”. Não tem, no Planalto Mirandês, neste contexto, o significado de tirar a roupa do corpo p´ra ir tomar banho. “Despir”, termo usado essencialmente pelas mulheres, significa trocar de roupa, principalmente quando elas chegam a casa e se querem pôr à vontade.
Ex.º - “Ana, dá-me aqui uma ajuda”.
- “Espera só dois minutos, que me bou despir”.
Esta expressão, fora de contexto, pode ser interpretada “maliciosamente”, se, naquele preciso momento, for proferida, e estando um vizinho por perto.
3 – “Arganeiro”, expressão que, julgo, só se ouve no Planalto Mirandês”. Significa “alarve”. Diz-se daquela pessoa que, à mesa, se puder, come ele tudo, não se importando se a comida chega para os restantes comensais.
4 – “Deixar um cão sem ceia”. Expressão usada no Planalto Mirandês, diz-se, perifrasticamente, não com sentido pejorativo, quando referido a um individuo que come exageradamente.
Ex.º “Aquele é o tal p´ra deixar um cão sem ceia”
5 – “Tchono”, em Vinhais, no Planalto Mirandês e na zona da Lombada (bragança) significa chinelo de quarto/”d´andar por casa”, ou, no uso metafórico, alguém que se sente velho, e “ já não presta p´ra nada”.
Ex.º. da segunda acepção:
– “Pai, quere ir à festa?”
- “Não, filho. O que bai lá fazer este tchono Belho?!”
6 – “Medrar”, verbo associado ao Planalto Mirandês, influência de nuestros hermanos, significa “crescer”.
Ex.º “ Come, p´ra ber se medras/p´ra medrares”.
7 – “Touronda”, no Planalto mirandês, diz-se duma vaca que está com o cio, e o seu comportamento, “deribado” das hormonas, é caracterizado pela irrequietude. Quando era miúdo, pensava tratar-se de vacas às quais acontecia o mesmo que às máquinas de flippers, que, quando “apertávamos com elas”, faziam “tilt”, “passavam-se”.
8 – “D´ádréde”, expressão usada no concelho de Vinhais, e significa “de propósito”.
Ex.º “ Tu és matchutco! Fizeste – o d´ádréde”
9 – “Ácente”, expressão característica do Planalto Mirandês, com o significado de “de propósito”.
Nota: a expressão “ácente” conheço-a apenas foneticamente, de ouvido. No concelho de onde sou natural, Vimioso, ainda hoje se ouve com alguma frequência. Nunca a vi escrita, e desconheço a sua origem. Grafei-a com “c”, admitindo, contudo, que possa ser escrita com a sibilante dupla “ss”.
10 – “Nem tuge, nem muge”, expressão associada ao Planalto Mirandês, diz-se da pessoa que, além de pouco sincera e cínica, “nem ata, nem desata“, ou, no melhor dos vernáculos, “nem …, nem sai de cima”.
11 – “Nem fede, nem cheira”, expressão atribuída ao Planalto Mirandês, e tem a significação da anterior.
12 – “Sobrerrolho”, palavra ouvida no Planalto Mirandês, e pertence à linguagem da meteorologia, significando “tempo abafado, céu avermelhado e com muito calor”.
13 – “Esmofir”, palavra/verbo característico do Planalto Mirandês, que significa comer com muita vontade, com prazer.
14 – “Bô Bício”, expressão que nunca ouvi senão em Bragança, mais precisamente na Vila/Cidadela, no Bairro Além do Rio e no Bairro dos Batocos, e significa “era o que mais faltava!”. “bô bício”, este regionalismo localizado, “convive” com o “bem m´eu finto” e com o “bô fé l´eu ponho”.
Ex.º. – Pedro, olha qu´amanhã tens que te levantar cedo, que bamos às batatas.
- Bô bício! Num contes comigo!
15 – “P´ra comer, aposta pai”, é uma expressão de todo o Trás – os – Montes, que tem a significação de “p´ra comer, conta sempre comigo”.
16 – “Catchaçada”, expressão devida ao Nordeste Transmontano, que significa levar uma porrada, com a palma da mão, no catchaço; ou seja, atrás do pescoço, na nuca.
Nota: se verbalizarmos, por exemplo”, em Lisboa, a palavra “cachaçada”, em vez de “catchaçada” (variante foneticamente produzida com a consoante africada), estamos a negar aquilo que mais nos identifica, o nosso transmontanismo.
17 – “Levar um croquete”, expressão de contexto escolar (ensino primário e preparatório), usada em todo o nordeste transmontano, significa dar uma pancadita na cabeça de alguém, com as nozes dos dedos. O meu querido amigo e conterrâneo Fernando Ratão, um dos professores mais consensuais da nossa praça, pedagógica e cientificamente do melhor (inigualável no sentido de humor), quando, na sala de aula, um aluno se distraia, dava-lhe, à socapa, um carinhoso croquete, para o “devolver ao convívio dos demais”. O saudoso professor Acácio, na Escola da Estacada, também nos “brindava”/“sacudia as moscas” com indolores croquetes.
18 – “Caçoar”, expressão do Planalto Mirandês, que significa fazer troça de alguém, escarnecer.
19 – “Abia-te”, expressão típica de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, que significa “despacha-te”.
20 – “ Dar fé de…”, expressão do Planalto Mirandês, significa “ aperceber-se de.” e “ter a ideia de..”
Exº. Primeira acepção. “Já biste, a Francisca, com 11 meses, já dá fé de tudo”.
Exº. Segunda acepção: – Biste a Maria?”
- Eu dou fé da ber por aí.
21 – “Dar conta de…”, com idêntica origem geográfica, significa o mesmo que a expressão anterior.
“Dar conta de …” tem também o significado de, por exempro, numa luta de touros, “vencer”:
Exº. “Cá p´ra mim, o touro de Vilar Seco dá conta do de Constantim”. Ou seja, “ganha-lhe”, “bence-o”.
22 – “Entendido”, expressão do Nordeste Transmontano (semanticamente próxima das duas anteriores), significa, referida a crianças, “desenvolvido”:
Exº. O José, p´rá idade que tem, está muito entendido. Ou seja, está desenvolvido.
Nota: A forma nominal “desenvolvido”, particípio regular do verbo “desenvolver”, dá lugar, no Planalto Mirandês, ao particípio irregular “desenvolto”.
23 – “Torgueiro”, expressão cuja entrada lexical aparece no “Dicionário Aulente” associada genericamente a Trás-os-Montes, com o significado de “estúpido” e “boçal”, em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês é a adjectivação para quem é desajeitado, que veste sem gosto, sujo, uma pessoa com aspecto abrutalhado – o correspondente ao “corisco mal amanhado”, no linguajar açoriano.
Nota: a palavra “torgueiro” vem de “torga”, uma planta/arbusto, com uma raiz enorme. Antigamente, no meio rural, havia quem fizesse carvão/brasas, a partir desta raíz. Os torgueiros, ou carvoeiros, eram aqueles que se dedicavam a esse lavrar. Uma “actividade” que, como facilmente se compreendá, implicava que quem a ela se entregasse, andasse “enciscado”, sujo. Daí atribuir-se essa conotação.
24 – “Prosmeiro”, expressão que no Dicionário Priberum da Língua Portuguesa tem os significados de “tretas”, “pessoa com lábia” e “arenga”, no Planalto Mirandês diz-se de alguém que, ainda que simpático e afável, é dado a mesquinhices, que irrita pela piquinhice como faz as coisas.
25 – “Arredar”, expressão ouvida no Planalto Mirandês, com o significado de “desviar” um objecto ou pessoa.
Exº. Primeira acepção; “Ajuda-me aqui a arredar o armário”.
Exº. Segunda acepção: “ Arreda daí os pés!”
26 – “Ronsar” ou “Arronsar”, expressão que no planalto Mirandês é usada com o significado de mover um objecto, arrastando, fazendo-o deslisar, devido ao seu considerável peso. Quando a roda dum carro de vacas ficava presa no lodaçal, era preciso “arronsá-lo”, e pô-lo em “terra firme”.
Esta expressão é usada num outro registo de linguagem menos cuidada, no modo imperativo, com a significação de “levanta-te-me daí”:
Exº. Deixa-te de ser calaceiro/preguiçoso, e arronsa lá daí o cu!”.
27 – “Os de pori abaixo”, expressão típica de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, usada como identificação geográfica/ origem duma pessoa, e refere-se sempre a alguém natural duma localidade p´ra lá do Marão. Os de “puri a baixo”, como diz o meu amigo e ilustre vinhaense, de Vila Verde, João Saldanha, são todos aqueles que não são transmontanos.
Exº. - De onde é o professor de Matemática?
- Num sei, mas acho que é de pori a baixo.
28 - “Enredar”, expressão do Planalto Mirandês, e diz-se daquele que “empata tempo”, que faz as coisas “de vagar e devagarinho, que está a engonhar. No fundo, é um “faz - que - faz”:
Exº. Tirate-me daí, que só estás a enredar.
29 – “Arrebimbar”, expressão do Planalto Mirandês (actualizada, ainda hoje, com frequência, nas aldeias de Carção e Argoselo), significa cair:
Exº. - Então , como é que te aleijaste?!
- Olha, arrebimbei-me da mula abaixo.
E, assim, termina mais uma viagem de memórias, a consciência de nós mesmos.
António Pires
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.
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