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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

O Dick

 Desta vez, sim, sou eu, a brincar com o Dick — o ‘meu’ cão. Teria eu os meus quinze anos e ele sete ou oito. O seu pêlo era castanho dourado e era conhecido em toda a vila por uma característica que o distinguia dos outros cães: era de venta rachada. A miudagem dizia que tinha dois narizes. 
Não era flor que se cheirasse, o Dick, sempre pronto a rasgar o fato a outro cão que se atravessasse no seu caminho. Mas para mim era meigo e obediente, acorria pressuroso ao meu assobio, e aturava-me com paciência de santo as judiarias que às vezes lhe fazia por brincadeira. De resto, adorava brincar comigo, como esta foto, tirada defronte da nossa casa, documenta: tenta tirar-me das mãos um farrapo qualquer que para ele seria um troféu. 
As nossas brincadeiras tinham um público numeroso e interessado que também está na fotografia: eram os alunos da Senhora Clarinha Vaz, educadora de infância ‘avant la lettre’, que tinha a sua escola num baixo da nossa travessa, que, a propósito, se chamava Travessa Camões.
O Dick esteve connosco uns onze ou doze anos. Quando mudámos de casa, acompanhou-nos alegremente, ao contrário dos gatos (o Lhau e o Bel), que demoraram a afazer-se à nova residência. Assistimos com tristeza ao seu envelhecimento, que foi de facto rápido e doloroso: praticamente cego, a embarrar nos móveis, com um apetite devorador pela a açorda que a minha Mãe lhe punha na cunca. 
Até que uma manhã acordou com fastio: não tocou na açorda. Nesse dia não obedeceu ao meu assobio. Havia um assobio mais premente a chamar por ele: o da morte. Todos derramámos uma lágrima em sua memória. E lá foi a enterrar numa cova que lhe abriram algures. Era um senhor cão, o Dick. Ainda hoje, quando me lembra a amizade, lealdade e paciência que me dedicou, sinto um estremecimento no lugar do coração.

A. M. Pires Cabral

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