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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Pauliteiros de Miranda

A popularidade dos Pauliteiros de Miranda
Barbara Alge, Revista "Brigantia", Jul/Dez 2004

Este texto dá uma ideia geral do meu estudo sobre a dança dos Pauliteiros, escrito como tese de mestrado intitulada “Continuidade e mudança na tradição dos Pauliteiros de Miranda (Trás-os-Montes, Portugal)” e defendida na Universidade de Viena (Áustria) em Abril de 2004.
Embora a tese inclua diferentes aspectos dos Pauliteiros, entre outros uma análise do repertório, incluindo algumas letras, música e coreografia, estudado ao longo do tempo e comparado entre os actuais grupos de Pauliteiros do concelho de Miranda, concentro-me nesta reflexão na folclorização ou na popularidade actual dos Pauliteiros de Miranda. 
Barbara Alge

O que são os “Pauliteiros de Miranda”?
Por causa da opinião geral que “os Pauliteiros de Miranda são um grupo de dança original de Miranda do Douro”, preciso esclarecer logo do princípio que não se trata dum grupo, mas de vários grupos de diferentes aldeias do concelho de Miranda. Embora em Portugal a dança dos Pauliteiros se tornasse emblema da cidade de Miranda do Douro, a dança dos paulitos faz parte dum género de dança chamada “dança de espadas” que se encontra no mundo inteiro. Segundo Stephen Corrsin (1997: 1) o tipo de dança de espada dito “encadeado”, a que pertence a dança dos Pauliteiros, existe exclusivamente na Europa e em territórios colonizados por Europeus. Citações desta dança remontam à Idade Média, mas devem evitar-se hipóteses sobre a sua origem – sobretudo por causa da constante modificação e adaptação desta dança a circunstâncias históricas. No meu estudo cito elementos guerreiros, religiosos e rituais da dança dos Pauliteiros sem classifica-la definitivamente numa destas categorias. Em Portugal ainda se encontram outras danças de espadas sendo a maioria conhecida como “mouriscas” – das quais curiosamente nenhuma tornou tão popular como as danças dos Pauliteiros de Miranda.
É importante mencionar que os Pauliteiros não se restringem exclusivamente ao concelho de Miranda, mas existem também noutras localidades próximas de Miranda. Por fontes escritas constatei que a dança dos paulitos se dançava e se dança nos concelhos Vimioso, Bragança, Vinhais, Mogadouro, até mesmo no concelho de Macedo de Cavaleiros. Hoje em dia fundam-se além disso grupos de Pauliteiros em outras regiões portuguesas, sobretudo nas tunas de estudantes, e nas comunidades portuguesas no estrangeiro. Embora um capítulo aborde a fundação de grupos de Pauliteiros nas comunidades portuguesas no estrangeiro, e a expansão dos Pauliteiros em Portugal, o meu estudo concentra-se sobretudo nos Pauliteiros de Miranda, pois nos grupos do concelho de Miranda. Devido à facilidade de ver actuações dos Pauliteiros de Miranda em todo o Portugal, preferi estudar a dança dos paulitos no contexto dito mais “tradicional” e por isso passei três meses de trabalho de campo em Miranda entre Agosto 2003 e Setembro 2004. Em Junho 2003 pesquisei também na comunidade portuguesa de Saint-Denis (Paris). O resultado das pesquisas no terreno e em bibliotecas e arquivos portugueses, é o primeiro estudo sistemático de diferentes aspectos dos Pauliteiros de Miranda. No entanto, as obras de António Maria Mourinho e doutros autores mencionando os Pauliteiros no quadro dos seus estudos sobre cultura mirandesa (ver Vasconcelos, Alves, Schindler, Gallop, Veiga de Oliveira, Giacometti e Caufriez) serviram-me como base.
A restrição a Miranda resulta também da suposição de que em Portugal esta dança se enraíza nesta zona, onde poderá ter chegado através da população de León. A saber, a danza de palotes ou paloteo é muito divulgada em Espanha. Uma confrontação com o repertório dos Pauliteiros de Salselas (Macedo de Cavaleiros) (Cravo 2000) mostrou que havia mais adaptações recentes de modas portuguesas (Canções e danças populares portuguesas) nos lhaços Salselenses do que de Miranda (O termo lhaço designa a marca individual ou melhor dito a peça musical e coreograficamente fechada da dança dos Pauliteiros. Os lhaços constituem junto com os passacalles o repertório dos Pauliteiros). Não se pode dizer, porém, que devido a um repertório mais “moderno” e devido à aglomeração de grupos de Pauliteiros na zona de Miranda, todos os Pauliteiros, incluindo os de Salselas, são uma imitação dos Mirandeses – um discurso às vezes encontrado na população mirandesa. 
Contudo, os Pauliteiros definem em comum com a língua mirandesa uma comunidade: a dos Mirandeses.
Dentro dos chamados ranchos folclóricos (grupos representando tradições locais de música e dança, encontrados em todo o território de Portugal e no Estado Novo utilizados como propaganda ideológica),  os Pauliteiros tomam um lugar especial: eles constituem-se exclusivamente de homens, vestem um costume bem diferente dos outros ranchos e a coreografia complexa com paulitos e castanholas chama a atenção. Além disso, por causa das semelhanças com a danza de palotes espanholas são por vezes não considerados como fazendo parte do folclore português, por outro lado são defendidos pelos Mirandeses como sendo mais “autênticos” do que os ranchos uniformizados de Portugal. 
No meu estudo a expressão “rancho dos Pauliteiros” serve porém como contraparte aos dançadores que ainda executam as suas funções nas festas religiosas de Miranda. 
Aqui preciso acrescentar uma questão interessante: Antigamente, e em Miranda ainda hoje, os “Pauliteiros” eram chamados “dançadores”. Visto que em Espanha os “Pauliteiros” se chamam danzantes, o segundo termo parece mais correcto. Não se sabe a partir de quando a expressão “Pauliteiros” foi utilizada e por quem foi inventado. Fora de Miranda, os dançadores mirandeses são exclusivamente conhecidos como “Pauliteiros”. De qualquer modo, este termo já aparece nas Memórias do Abade de Baçal (Alves 1990 [1925]).
A institucionalização dos Pauliteiros
Para mim, “rancho” é sinónimo de “institucionalizado”. Um dos primeiros ranchos de Portugal foi talvez o dos Pauliteiros de Constantim que actuaram na Sociedade de Geografia em Lisboa em 1898. O maior impacto na institucionalização, patrimonialização e uniformização dos Pauliteiros de Miranda teve porém o Padre António Maria Mourinho, que não só escreveu sobre a dança dos paulitos, mas também fundou o Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas – Pauliteiros de Miranda em 1945. Este era um grupo de danças mistas de Duas Igrejas que, incluindo os Pauliteiros de Cércio, e mais tarde os de Duas Igrejas, representava os Pauliteiros de Miranda em Portugal e no estrangeiro, produzia gravações comerciais e participava em competições de dança e de arte popular.
Embora outros Pauliteiros de Miranda lamentem ter este grupo modificado a dança dos paulitos incluindo instrumentos rítmicos (ferrinhos, pandeiros e pandeiretas) que não faziam parte do acompanhamento tradicional dos Pauliteiros (gaiteiros ou tamborileiro) e divulgado a imagem de “homens em saias brancas”, este grupo serviu como “modelo” para os Pauliteiros de Miranda actuais. Nas conversas com Sebastião Martins (85 anos), um antigo dançador dos Pauliteiros de Cércio, aprendi que os Pauliteiros de Cércio já estavam “institucionalizados” e promovidos pela Câmara Municipal de Miranda do Douro antes da direcção de António Mourinho. Além disso, estes Pauliteiros utilizaram o traje das saias, que difere do traje das calças utilizada nas festas religiosas mirandesas, a partir da actuação em Londres, em 1934. Devido à falta de documentos sobre o traje dos Pauliteiros antes do fim do século XIX, não se sabe se o traje das saias foi revivificado pelos Pauliteiros de Cércio por causa da actuação em Londres ou se eles foram inspirados por trajes de outras danças de espadas europeias, talvez inglesas ou espanholas.
Um bom exemplo para a distinção feita entre a forma “rancho” e “tradicional” dos Pauliteiros, é S. Martinho de Angueira: há 4 anos o antigo dançador e actual chefe dos Pauliteiros de S. Martinho, Fortunato Preto (cerca de 55 anos) e o gaiteiro Desidério Afonso (cerca de 50 anos) fundaram nesta aldeia os Pauliteiros “folclóricos” segundo o modelo dos Pauliteiros de Cércio para as “saídas”, ou seja, actuações fora de S. Martinho. Quando falo do “modelo” dos Pauliteiros de Cércio penso na apresentação com saias brancas ao contrário das calças pretas que os dançadores de S. Martinho ainda vestem na Festa da Nossa Senhora do Rosário no último domingo de Agosto. Curiosamente, alguns rapazes, assim Fortunato Preto me contou, participam somente ou no “rancho” ou na festa em honra da Nossa Senhora do Rosário.
Vestígios da tradição dos Pauliteiros e reconstrução da tradição
Como vivi pessoalmente em S. Martinho durante dois meses, tomei no meu estudo os Pauliteiros de S. Martinho como exemplo da sobrevivência da tradição dos Pauliteiros de Miranda nas festas religiosas do solstício de verão. Comparados com outros Pauliteiros que entrevistei e gravei, eles preservaram ainda mais elementos tradicionais: 
1) constituindo-se exclusivamente de rapazes solteiros, 
2) utilizando o antigo traje de calças na festa religiosa em S. Martinho, 
3) ainda respeitando alguns dos antigos ritos como o convívio dos mordomos, dançadores e músicos no dia antes da festa da Nossa Senhora do Rosário, o cantar nas casas durante o peditório, o dançar dos lhaços Bicha e Rodrigo à volta dum alqueire de trigo, o acompanhar a entrada na igreja e a procissão, etc., 
4) executando o peditório da forma antiga, pois começam às 6.00 de manhã, logo depois da alvorada dos gaiteiros, dançando o lhaço Senhor Mio em frente das igrejas e capelas, rezar em frente das casas que estão de luto, etc,. 
- o que não tem de significar que eles são os mais “autênticos”, um termo às vezes presente no discurso dos Pauliteiros. Precisa-se além disso de acrescentar que outros Pauliteiros de Miranda adoptam também um ou outro destes elementos ditos “tradicionais”.
Os Pauliteiros de S. Martinho confrontam-nos no entanto com outras problemáticas que serviam para futuros trabalhos: por um lado a construção duma identidade local, por outro a “reinvenção simbólica da tradição no presente” (Handler e Linnekin 1984: 280), em que no presente os contextos são bem diferente do passado – sobretudo considerando o seguinte:
Não há nenhuma aldeia em Miranda onde os Pauliteiros deixaram de existir e foram revivificados mais tarde. Embora tenha juntado alguns dados na minha tese, uma reconstrução da história dos diferentes Pauliteiros de Miranda tornava-se impossível por causa da falta de documentos. Uma influência considerável no “boom dos Pauliteiros”, sobretudo a partir dos anos 80, deve-se ao Padre Mourinho e aos Pauliteiros de Miranda promovidos por ele.
A iniciativa da recuperação de grupos foi e é tomada por antigos dançadores, músicos e emigrantes e a motivação dos dançadores são sobretudo as viagens e o convívio. Reconstruir a história dos grupos é também difícil por causa dalguma confusão do que é que é um “grupo activo” ao contrário dum “grupo inactivo”. Para uns um grupo é activo quando dança exclusivamente na festa religiosa da aldeia, para outros quando se apresenta exclusivamente em actuações “folclóricas” fora de Miranda e para outros quando existe sob as duas formas. Eu defino um grupo “inactivo” quando nem participa na festa religiosa, nem tem possibilidade de se juntar de vez em quando. Apesar de parecer inactivo, um grupo consegue porém juntar-se às vezes para fins “folclóricos”, para actuações fora do quadro funcional das festas religiosas, porque tais actuações significam dinheiro e prestígio (Mesmo a mim afirmaram em parte que um grupo ainda estava activo, embora nunca se tenha juntado durante todo o ano. Eu, a saber, parecia uma provável organizadora de actuações dos Pauliteiros na Áustria).
Ao menos posso dar um número definitivo: há 10 grupos de Pauliteiros de Miranda “oficiais” citados no folheto “Grupos Culturais, Concelho de Miranda do Douro” da Câmara Municipal de Miranda do Douro de 2003: os Pauliteiros de Palaçoulo, Sendim, Duas Igrejas, Malhadas, Fonte de Aldeia, Cércio, São Martinho de Angueira, Granja, Picote e os Pauliteiros da Associação dos Professores do Planalto Mirandês. Na minha pesquisa no terreno, porém, percebi que alguns destes grupos, como por exemplo os de Picote, não estavam activos em 2003 e 2004 e que de facto havia mais grupos capazes de dançar, como por exemplo os de Constantim e da Póvoa.
Entre os Pauliteiros “oficiais” observei uma hierarquia que não resulta da qualidade da música e dança, mas da disponibilidade do grupo. Devido aos problemas económicos da região que levam muitos Mirandeses a trabalhar e estudar fora de Miranda, torna-se óbvio que aldeias mais desenvolvidas como por exemplo Palaçoulo dispõem dum grupo activo. 
Afim de ser muito solicitados para actuações em e fora de Miranda, os grupos competem entre si: Embora à primeira vista não se distingam diferenças entre os diferentes Pauliteiros de Miranda, cada grupo tenta ser mais especial inventando “elementos identitários”. Tais elementos são figuras coreográficas como o salto dos Pauliteiros de S. Martinho no fim de cada lhaço, a força e masculinidade exprimida na maneira de bater os paus dos Pauliteiros de Malhadas, movimentos particulares dos pés, o bater certíssimo dos paus (Pauliteiros de Cércio) e não usar castanholas na parte final dos lhaços (Pauliteiros de Malhadas) etc. Além disso os grupos compõem novos lhaços, na maior parte baseados em melodias conhecidas e com novas letras.
Um elemento identitário importante é também o discurso de serem os “mais autênticos” – o que é que já foi mencionado no caso dos Pauliteiros de S. Martinho. É bem curioso que os Pauliteiros de S. Martinho defendem a sua autenticidade continuando a utilizar o traje das calças em S. Martinho, mas ao mesmo tempo vestem o “uniforme dos Pauliteiros de Miranda” quando dançam fora da própria aldeia.
Isto leva à questão seguinte: quem ou o que é que define a imagem dos Pauliteiros de Miranda?
As associações locais, nas quais os Pauliteiros funcionam como uma equipa de futebol: tendo um “manager”, um treinador, um uniforme, um salário e, em alguns casos, mesmo um “regulamento do grupo escrito”? 
Os textos escritos por eruditos locais, por jornalistas, por investigadores e curiosos que objectificam a tradição dos Pauliteiros?
Os emigrantes que querem reviver o passado quando voltam as aldeias natais durante o período festivo?
A imagem e emblematização dos Pauliteiros exprimem-se, entre outros na comercialização: hoje em dia podemos comprar paulitos, castanholas, traje dos Pauliteiros, bonecos de Pauliteiros etc. nas lojas turísticas em todo o Portugal, sobretudo nas lojas de artesanato em Miranda e fotografias dos Pauliteiros aparecem em postais e nos restaurantes e cafés mirandeses. Segundo antigos dançadores, os paulitos deviam ser feitos pelos próprios Pauliteiros e a decoração do traje era antigamente dever dos mordomos - organizadores das festas religiosas (entrevista com José dos Ramos Lucas, antigo dançador, Póvoa, 18 de Outubro de 2003).
Refiro ainda que uma das mudanças que a população velha de Miranda lamenta é a folclorização do traje dos Pauliteiros, pois segundo ela os jalecos eram antigamente mais enfeitados e o enfeite era sinal de devoção e elegância. Assim o exprime bem Isabel Meirinhos (cerca de 65 anos) a 23 de Agosto de 2003 em S. Martinho: “Hoje o casaco é pagão!”.
A comercialização afecta os rituais de enfeitar o traje ou de fazer os paulitos e castanholas em casa, como se vê em alguns grupos actuais dos Pauliteiros de Miranda que compram os paulitos. 
Além disso, a tradição dos Pauliteiros é divulgada por rádio e televisão que assistem por um lado à dança dos paulitos nas festas locais de Miranda, por outro convidam Pauliteiros para actuar em emissões. 
Segundo Gualdino Raimundo (cerca de 27 anos), actual Pauliteiro de Palaçoulo, com quem conversei em Miranda do Douro no 6 de Novembro de 2003, os Pauliteiros de Palaçoulo foram convidados para actuar na emissão “Portugal no coração” da RTP no dia 11 de Novembro de 2003. Por causa do espaço limitado, a RTP só pediu 4 Pauliteiros – um certo risco, visto que a dança é normalmente executada por 8 dançadores…
Contrariamente veremos centenas de Pauliteiros representando a cultura portuguesa no final do campeonato de futebol Euro 2004. A maior parte deles nem sabia dançar, assim me contou um Pauliteiro de S. Martinho que participava neste evento.
No Inverno 2003/04 havia um anúncio na televisão portuguesa, em que dois cozinheiros dançavam “à la Pauliteiro” ao som dos gaiteiros, utilizando as colheres de pau como paulitos. 
Para a divulgação dos Pauliteiros contribuem entre outros os assim chamados Grupos da Recriação da Música Tradicional Portuguesas (Lima 2000) que incluem lhaços no seu repertório. Um exemplo é a Brigada Victor Jara (1979 e 1995) e Galandum Galundaina. O último grupo sendo natural de Miranda enriquece às vezes o seu espectáculo com a dança dos Pauliteiros de Fonte de Aldeia. 
Um “espectáculo”é também produzido pelos grupos de Pauliteiros mesmos quando actuam em frente dum grande público, seja em frente da igreja depois da missa da festa religiosa local, seja nas saídas. Em seguida cito alguns elementos “espectaculares” observados nos Pauliteiros de Miranda: a utilização do traje das saias nas actuações, mas nunca nos peditórios das festas religiosas que ainda são uma sobrevivência da função original dos Pauliteiros, a exibição do repertório segundo um crescimento do “espectacular”, com os lhaços O 25, que é “um lhaço para partir os paus”, Bicha, em que os Pauliteiros utilizam exclusivamente castanholas e Salto ao Castelo, em que um Pauliteiro salta por cima duma torre humana, no fim,
- garrafas de água dadas aos dançadores exaustos durante a actuação,
- os abraços entre os dançadores no fim da actuação – o que me fazia lembrar um jogo de futebol, observado por exemplo nos Pauliteiros de S. Martinho em frente da igreja na Festa da Nossa Senhora do Rosário em S. Martinho,
- os lhaços Ofícios e Salto ao Castelo, que são, além dos paulitos e saias, logo associados aos Pauliteiros de Miranda pelos Portugueses em geral,
- outros lhaços incluindo uma coreografia teatral: por exemplo o lhaço Lhiêbre, Senhor Mio, China ou Caballero. Estes lhaços distinguem-se bem da maioria dos lhaços que soam e parecem quase iguais (na minha tese o problema da distinção dos diferentes lhaços foi tratado separadamente e nas transcrições musicais indico elementos que podiam servir para uma melhor distinção).
- a competição entre os diversos Pauliteiros de Miranda que contribui para uma constante transformação ou reconstrução da dança dos paulitos. Os grupos dão ao show uma nota pessoal alternando a coreografia tradicional pelos já mencionados elementos “identitários” e criando novos lhaços que na maior parte são adaptações de modas ou, como no caso dos Pauliteiros de Palaçoulo, mesmo dum toque de telemóvel,
- o figurante na capa de honras e o portador da bandeira que acompanham os Pauliteiros nas actuações folclorísticas. A capa de honras nunca aparece nas festas religiosas de Miranda, nunca se utiliza nos ensaios e a sua função na dança dos paulitos é obscura. Talvez se veja nela um elemento tradicional inventado que serve para reforçar o misticismo atribuído à dança dos paulitos.
Os lhaços
Uma grande parte da minha tese é dedicada ao repertório dos Pauliteiros: os assim chamados lhaços. Como este texto se concentra na folclorização da dança dos Pauliteiros, quero finalmente mostrar o impacto que a folclorização tem no repertório tradicional: dos 58 lhaços que juntei sistematicamente por fontes literárias e nos grupos dos Pauliteiros, um grupo sabe no máximo 25.
Por causa do tempo limitado nos festivais de folclore, os Pauliteiros podem muitas vezes não dançar mais do que de 5 a 10 lhaços. Somente no peditório das festas religiosas os Pauliteiros dançam todo o seu repertório. Devido ao aumento das actuações folcloristicas, os Pauliteiros dançam cada vez menos lhaços e isto afecta também a variedade dos lhaços nas festas religiosas.
Além disso, uma redução do repertório resulta também da perda das letras dos lhaços: enquanto as letras tinham antigamente uma função mnemotécnica e foram cantadas pelo ensaiador ou pelo gaiteiro nos ensaios, os dançadores actuais memorizam a coreografia principalmente pela música ou pela denominação das partes coreográficas individuais (uma descrição das partes coreográficas encontra-se na minha tese).
Como a maior parte dos lhaços soa melodicamente igual e distingue-se sobretudo pelas letras que estruturam o ritmo, isto tem um efeito fatal: lhaços semelhantes são amalgamados e só os lhaços com melodia e coreografia distinta ficam. No meu estudo analisei o grau de semelhança entre os diversos lhaços e transcrevi a melodia de todos os lhaços por mim gravados. Falo também do impacto que a perda dos lhaços tem na interpretação musical dos gaiteiros, mas isto ultrapassava os limites deste texto. 
Conclusão
Devido à popularidade crescente dos Pauliteiros em Portugal, a fundação de grupos de Pauliteiros em diferentes regiões portuguesas e nas comunidades portuguesas no estrangeiro, não penso que os Pauliteiros vão desaparecer, antes irão ser permanentemente reinventados. 
O que poderá desaparecer nos próximos tempos são as funções tradicionais dos Pauliteiros nas festas religiosas – estas já estavam decadentes em 2003 e 2004. Suponho que a forma do “rancho dos Pauliteiros” vai dominar. Um facto que podia acelerar a já mencionada redução do repertório. Quanto a esta redução, espero que as minhas gravações dos 28 lhaços cantados por Augusto Bilber (75 anos, antigo gaiteiro de S. Martinho de Angueira), assim como a minha demonstração de frases musicais servindo a uma identificação dos lhaços, estimulem os Pauliteiros a recuperar lhaços perdidos. Uma tal recuperação constituiria ao mesmo tempo um novo elemento na constante reconstrução da tradição dos Pauliteiros de Miranda. 

Alge, Barbara; in Revista Brigantia, Vol. XXIV, nº 3/4, Jul/Dez 2004, pp. 159-170.

1 comentário:

  1. Parabéns pelo belo trabalho. Posso testemunhar que o meu pai - José Luiz Bernardo Torrão -, nascido em 2016 e pelos dois dos mais novos meus tios maternos - Domingos e Joaquim Falcão Preto -, nascidos já nos anos 20 do século passado, foram dançadores dos Pauliteiros de Angueira, cujo gaiteiro era o "tiu Agrepino Albardeiro". Eu, nascido em 1953, apesar de ter algumas memórias de quando tinha três anos, já não me recordo de alguma vez ter visto os Pauliteiros de Angueira a dançar. Presumo, por isso, que o grupo terá terminado antes dos anos 50 ou, no máximo, terá durado até 1955. Apesar de Angueira pertencer ao concelho de Vimioso, a língua falada dominante na aldeia era, na minha infância e juventude, ainda o Mirandês.

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