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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

ÓH MENINA ROSINHA, SÃO DEZE E MAIS QUÊ?

A cena passou-se na minha aldeia, a meados da década de cinquenta do século passado, quando para nos deslocarmos a Mirandela tínhamos de utilizar as famosas Barcas de Chelas no local que hoje se situa a Ponte das Barcas.

Cada casa tinha de ser auto-suficiente em quase tudo, pelo menos no dia-a-dia e, para pequenas necessidades (petróleo, vinho, açúcar, arroz e massa), existia a Taberna da Cristina (Aniceto), mesmo em frente à minha casa paterna.

Quando por ali passava alguma família cigana, ia pedindo aos agricultores as batatas e outras necessidades, mas também compravam, quando a isso eram obrigados.

A Tia Cristina, como lhe chamávamos na aldeia, foi mulher generosa e de muita luta, criando e educando as duas filhas como ninguém. Até cozia pão que vendia na taberna a alguns aflitos.

Certo dia a Cândida Cigana (se tinha mais algum nome nem ela o sabia) pede-lhe que lhe venda um pão e pergunta-lhe o preço. A Tia Cristina diz-lhe que custa doze escudos. A cigana fica baralhada e diz que é muito caro. Depois, lembra-se de pedir ajuda à minha irmã Rosa.

Naquele tempo, a moeda base na aldeia eram os dez mil réis (um escudo) e metade destes eram quinhentos réis ou uma crôa (cinquenta centavos).

A simpática cigana fica baralhada com o preço. Como muitos, só funcionava com as unidades e a referência decimal. E pergunta: - oh Menina Rosinha, são deze e mais quê?

- São dez e mais quatro crôas! - respondeu-lhe ela (ou seja, doze escudos - 12$00).

- deze e mais quatro crôas! Assim está bem! - e a cigana deixou de «resgatear» o preço.

A partir deste episódio, quando alguém não percebia o trivial, entrava o dito: «são deze e mais quê»?

Vem este episódio antigo à liça porque eu costumo comprar muito do que preciso aos agricultores (de Braga, Vila Verde e Amares) que vendem (directamente aos consumidores) os seus produtos no Mercado Municipal de Braga. O mais barato do país.

Na manhãzinha do sábado de Ramos, comprei a uma lavradeira de Amares umas tangerinas deliciosas e docinhas como o mel. Quando a senhora as pesa diz-me: que passa dos três quilos e que é melhor fazer os quatro. Disse-lhe que não. Então: - os três quilos e meio. Disse-lhe que queria aquelas que pus no saco. A senhora disse-me que não me podia fazer a conta a três quilos e duzentas gramas.

Contrapus: - Se me leva a setenta cêntimos o quilo, tenho que lhe dar dois euros e vinte e quatro cêntimos.

Uma lavradeira ao lado atalhou e disse: - são dois euros e meio.

A simpática lavradeira das tangerinas pergunta-me: - como é que fez a conta?

- Se o quilo é a setenta cêntimos - respondi-lhe - e os três quilos custam dois euros e dez cêntimos. Cem gramas custam sete cêntimos e duzentas catorze, somando dá dois euros e vinte e quatro cêntimos.

Esta cena fez-me avivar a memória daquela em que a minha irmã foi protagonista dos «deze e mais quê», já lá vão uns sessenta anos.

O que é certo é que no mercado de Braga só se vendem em fracções de meio quilo e unidades, a não ser que haja uma balança de cálculo automático por perto. Manual ou mentalmente ninguém faz o cálculo prático como o que referi.

O meu pai fazia essa conta mentalmente ainda que tivesse de meter fracções e divisões. No seu tempo e no meu de criança, ninguém na aldeia ou na «feira da bila» tinha papel e lápis à mão. Quem não conseguisse fazer a conta do negócio de cabeça, dizia o meu pai que era «brutote» (leia-se burro).

Um dia o meu pai calou os mais «espertos» da minha família numa contenda que se arrastava. Até já acusavam o meu pai, mais recto que uma escritura, de querer favorecer o filho mais velho. Eu próprio fui levado para o lado dos que faziam o cálculo com papel e lápis. Mas, depressa me passei para o lado do meu pai quando, mentalmente, fez ao pé de mim a conta.

As nossas gentes do campo eram melhores que máquinas calculadoras. O Miguel Tomé Mateus, pastor que serviu no rebanho dos serviços agrários do Valongo era melhor a fazer contas que uma registadora, porque não se enganava e as máquinas ao faltar-lhe as pilhas embrutecem.

Um dia, a meados do século XX, estariam na Maravilha a pesar uma camioneta de azeitona saca a saca e ao pesar a última saca o apontador tinha de fazer a soma. O Miguel, perguntou-lhe se ainda não sabia o peso da carga, depois de se socorrer de papel e lápis? O apontador disse que tinha de somar. Então o Miguel respondeu-lhe: - não é preciso fazer a conta, são «tantos quilos».

O apontador somou e tirou a prova dos nove e ficou de boca aberta. O Miguel era mais rápido sem lápis e papel.

Mas, o António Mateus, irmão do Miguel, que foi por muitos anos pastor do casal dos Pinto Azevedo de Vale Pradinhos, era uma enciclopédia a registar episódios do dia-a-dia. Qualquer acontecimento, tivesse um ano, dez ou quarenta, referia-o sempre dizendo o mês, a hora solar do dia ou da noite e o estado do tempo.

Eu, criança ouvia isto com espanto e admiração e também tive que descodificar, matutando com os meus botões, a tabuada e as contas, mesmo complexas, de uma forma lógica.

Jorge Lage
in:diario.netbila.net

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