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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

A rola que era pomba

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Olho à minha volta, as flores estão no seu máximo esplendor! As aves continuam numa azáfama frenética. O sol que se mostrou madrugador, tudo envolve e faz brilhar com a sua luz gloriosa. Penso nos outros seres, bichos e aves do céu, plantas e flores quais delas as mais esquisitas. Reflito, mas como tudo isto foi feito? 
Quem teve a lucidez sem medida que tudo haja concebido até à minúscula partícula, a ínfima que sustenta todo o edifício em equilíbrio sem que nós tenhamos noção da complexidade que forma as coisas mais simples. Tudo isto concebido para que criatura alguma tenha de mexer um dedo para que tudo esteja em harmonia.
Eterna dúvida que desperta em mim o saber de centenas, talvez milhares de gerações que não tendo o apoio da ciência que dá hoje ao homem certezas incontestáveis à luz da razão continuam insuficientes para negar que foi ELE, e como os antigos pensavam, que tudo concebeu e realizou. 
Passa o melro atarefado de e para o ninho. Não bica uma única vez sem trazer minhoca que é pitéu para as crias que aguardam famintas, insaciáveis. Tanta dedicação, tanto instinto! Olho para a relva que se mostra deslumbrante, de um verde carregado quando mais junto das árvores e menos verde nos espaços abertos onde abundam malmequeres delicados na sua brancura redonda centrada de amarelo. Atentamente olho para o solo e vejo uma ave pequena aninhada que penso ser uma rola. Pequena, imatura continua imóvel apenas com um quase imperceptível movimento de cabeça. 
Deve ter caído da árvore que lhe alberga o ninho, talvez numa primeira tentativa de voo que foi mal sucedida. Aproximo-me e toco-lhe, levanto-a e verifico que está um pouco ferida na lateral esquerda ao ponto onde nasce a asa. Afago-a e sinto um frémito no seu corpo delicado. Pouso-a de novo e ela começa a caminhar, trôpega quase sem jeito! A árvore dá sombra que baste para manter a passarada como que tomada da madorra que preguiça no calor da tarde ardente do fim de junho. 
Resolvo deixá-la pois não tenho conhecimentos suficientes para lhe amenizar o sofrimento ou incapacidade. Depois de alguns passos incertos queda-se de novo aninhada no chão como que esperando auxílio mais eficiente. 
Ao fim da tarde vou ver se continua lá. Surpresa a minha, pois acho-a junta com outra ave igual mas sem sinais de moléstia. Bem juntinhas a outra bica constantemente debaixo da asa da irmã e no seu pescoço com delicadeza que baste para fazer a enferma mexer levemente a cabeça em sinal de agradecimento. 
Dou notícia à minha mulher que me diz ter visto a rola grande (mãe) trazer no bico a pequena saudável, pensando que para fazer companhia à doente. Fico incrédulo perante as palavras da minha consorte. Concluo que há uma capacidade nestas aves que chega para resolver até carências de afeto e socialização. Retiro-me para não disturbar cena tão comovente. 
Olho de novo por sobre o ombro e vejo um par de rolas adultas descerem e colocarem-se em posição protetiva. Passados instantes vejo cada qual levantar sua cria e com esforço visível fazerem a ascensão até ao ramo onde se encontra o ninho. Aí as colocaram a salvo de predadores que a noite quase chegada traria e que as dizimariam certamente. 
Esta cena a que assisti incrédulo foi para mim novidade e lição. Voltei a casa e comentei com os demais este facto insólito. 
Um operário que dava os últimos retoques numa parede, disse-me com ar de quem sabia do que falava; é o instinto maternal que não pensamos ter Deus dado em medida devidamente proporcional a todas as criaturas. Desde a queda da primavera que eu apreciei um casal de pombas sobrevoar o local insistentemente, indo e voltando até decidirem trazer a segunda cria. 
Ao fim do dia quase à hora do crepúsculo houve a decisão final de resgatarem as duas irmãs pondo-as a salvo com sucesso. Informo-o também que não são rolas mas sim pombas pois rolas não fazem ninho nas árvores. Daí a quadra popular: A rola foi-se se queixar que lhe roubaram o ninho/porque o fizeste ó rola/tanto à beira do caminho? (cancioneiro popular dos Cortelhões e Plingacheiros). 
Do alto da minha ignorância coube-me reconhecer que recebi uma lição de verdadeiro amor das aves pelas suas crias e de verdadeiro conhecimento das coisas da Natureza do meu amigo pintor. Pensei de novo, louvado seja o Senhor que nos deu entendimento para apreciar as obras da Sua criação




Normandia 25/06/2018
A. O. dos Santos 
Bombadas

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