O consórcio Rede Douro Vivo, com base num estudo liderado pelo Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), vai propor à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a remoção prioritária de 20 barragens e açudes obsoletos, localizados em cinco afluentes do Douro. A investigação realizada nos últimos dois anos pela Associação Natureza Portugal, em parceria com as universidades do Porto e de Trás-os-Montes e Alto Douro e o Instituto Politécnico de Bragança revela que as mais de 1200 barreiras do rio Douro têm vindo a colocar em risco dezenas de espécies autóctones, como a lampreia e a enguia, ao travarem o curso da água, comprometendo a biodiversidade na maior bacia hidrográfica da Península Ibérica.
A construção de 57 grandes barragens hidroelétricas ao longo do rio e seus afluentes do lado de cá da fronteira, além de reduzir os caudais, interrompeu a conectividade fluvial, “impedindo ou causando enorme constrangimento” à migração da comunidade piscícola local. Para mitigar os efeitos nefastos na fauna local, fluvial e terrestre, o GEOTA defende a progressiva retirada de barreiras inúteis, “25% das quais obsoletas ou semidestruídas, servindo apenas para potenciar a deterioração da água e dos habitats ribeirinhos”, refere Ricardo Próspero.
O coordenador científico do GEOTA adverte que espécies nativas emblemáticas do Douro estão ameaçadas de extinção, como já sucedeu com o esturjão, desaparecido na década de 70. “É notório o impacte que as barragens têm no ciclo natural e na integridade ecológica dos rios, que no caso do Douro é já alarmante”, afirma o ambientalista, que além da remoção das barreiras abandonadas vai avançar junto da tutela com a proposta de criação de reservas naturais fluviais para promover a resiliência dos ecossistemas originais na bacia do Douro. 90% de declínio em Portugal Manuel Lopes Lima, biólogo do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da UP, acaba de traçar uma cartografia ecológica da bacia do Douro, tendo concluído que do lado espanhol “já não existem espécies endémicas mas apenas invasoras”.
Apesar do declínio de 90% da população nativa do lado português, a equipa de investigadores do CIBIO, após recolha de amostras de água, peixes e moluscos em mais de 175 locais da bacia hidrográfica, descobriu que ainda subsistem “santuários de peixes nativos”, sobretudo nas bacias dos rios afluentes como o Tua, Coa, Arda e Paiva, onde os peixes ameaçados de extinção ainda encontram refúgio.
“As espécies invasoras concentram-se no troço principal do Douro, onde predominam as albufeiras das grandes barragens”, diz o investigador, que aponta como peixes em risco a lampreia, enguia, salmão ou a savelha, e o mexilhão-de-rio. “A lampreia e a enguia já quase não existem a montante da Barragem de Crestuma/Lever”, salienta Lopes Lima, que lembra que a primeira espécie reproduz-se em água doce e migra para o mar, enquanto a segunda faz o percurso oposto.
O declínio das espécies não se restringe, contudo, à comunidade piscícola: ameaça também o lobo-ibérico, a águia-real, o corso e o coelho bravo.
1201 barreiras
Tal como Ricardo Próspero, Rui Cortes, do Centro de Investigação de Tecnologias Agroambientais e Biológicas da UTAD, também preconiza que o Estado tome medidas para preservar os habitats que ainda resistem. “O próximo passo é identificar os proprietários, pois há açudes e moinhos de privados, alguns dos quais emigrados”, diz o docente.
As conclusões do primeiro mapeamento das barreiras do Douro vão ser apresentadas à APA no final deste mês. No inventário, Rui Cortes contabilizou 1201 barreiras nas 30 sub-bacias do Douro, das quais 57 são barragens, 40 mini-hídricas e 1105 são médias ou pequenas barreiras e açudes, sendo o Tua e o Tâmega os mais sobrecarregados. “Do total, identificaram-se 165 como candidatas a remoção e criou-se um ranking de 20 prioritárias”, avança o investigador.
Apesar de a APA ter previsto nos Planos de Gestão de Região Hidrográfica 2016-21 a demolição de barragens obsoletas, nenhuma foi abatida, tendo apenas sido removidos “o açude da Foz do Sousa, as ensecadeiras de Foz Côa e os açudes do rio Sousa”.
AS BARREIRAS A ABATER
Com 145 quilómetros, é um dos afluentes internacionais do Douro mais perturbado pela construção de infraestruturas, estando sinalizada a remoção de sete. O rio que nasce na Galiza, na serra de San Mamede, e desagua em Entre-os-Rios, conta com três barragens da Iberdrola, a maior das quais a do Alto Tâmega (107 m). A de Daivões tem 80 m e a de Gouvães 30 m.A de Fridão, contestada pelos ambientalistas, foi cancelada pelo ministro do Ambiente, em 2019.
É outro dos principais afluentes do Douro e resulta da junção dos rios Tuela e Rabaçal, ambos nascidos do lado de lá da fronteira. Tem sinalizadas para abate sete barreiras abandonadas. A grande Barragem do Tua, lançada em 2007 no Governo Sócrates, foi posta à venda pela EDP.
São quatro as pequenas barragens identificadas como obsoletas e para demolição no inventário encomendado pelo GEOTA. O rio que tem a sua nascente em Arouca integra o Geopark local e é considerado um santuário de biodiversidade.
Com nascente na serra de Mesas, no Sabugal, tem referenciada para remoção uma ensecadeira sem serventia, desde que António Guterres mandou parar a construção da Barragem do Côa para salvaguardar as pinturas rupestres, Património da Humanidade.
Nasce em Trancoso e desagua na margem esquerda do Douro. A retirada de uma barreira é fundamental para a preservação da qualidade da água.
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