segunda-feira, 21 de setembro de 2020

BRAGANÇA E OS BRAGANÇAS: ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA CERIMONIAL PÚBLICA EM BRAGANÇA (1816-1910)

Manda a Senhora Infanta Regente em nome de el-Rei participar à Câmara da
Cidade de Bragança, que havendo recebido a infausta notícia de ter falecido na
Corte do Rio de Janeiro no dia 11 de dezembro do ano passado Sua Majestade a
Senhora Imperatriz do Brasil e Rainha de Portugal Dona Maria Leopoldina, há
por bem determinar que nesta corte e em todo o Reino se tome luto por tempo de
seis meses, três rigoroso e três aliviado, dispensando na presente ocasião que as
respetivas mesas das repartições públicas se cubram de preto, e não se devem fazer
as despesas do costume devido às precisões do Estado.

Palácio da Ajuda 9 de março de 1827.
Escrito em Bragança em 30 de março de 1827.
(Fonte – ADBGC/ALL/BGC/Lv. 29/Mç. 8, fl. 337v.-338)

D. Maria II de Bragança

As comemorações relacionadas com a Família Real fazem parte da história dos espaços urbanos e, de uma forma mais evidente, dos centros de maior importância, as cidades e vilas do Reino e dos territórios que constituíam o domínio português. Através dessas manifestações relacionadas com o ciclo humano da família real (nascimentos, casamentos, aniversários e óbitos) e com os acontecimentos próprios da função real, principalmente a subida ao trono (aclamação) e as entradas régias, o poder manifestava-se por todo um vasto território, onde a figura do monarca ausente era substituída pelos seus representantes, e estava presente nos festejos, através do retrato, que o substitui em quase todos os atos públicos.
Sobre a festa do poder, relembramos o que escrevemos em 2003: “A festa relacionada com o poder, cujas influências longínquas encontram no passado romano e medieval a base para o florescimento que vai ter no Renascimento e Barroco, desenvolveu esquemas de organização e de decoração a partir dos séculos XV-XVI que se mantiveram até aos nossos dias, com adaptações ao respetivo momento histórico, às modas e gostos que marcam cada época. Embora os grandes movimentos revolucionários que, a partir da Revolução Francesa, abalaram o Mundo tenham causado um profundo golpe na imagem do poder tradicional e tenham introduzido novos símbolos e valores, rapidamente os novos poderes estabelecidos adaptaram a essência dos esquemas tradicionais da festa, como imagem do poder, às novas realidades”.
Analisando as festas associadas com o poder durante os séculos XIX e XX, podemos observar a forma como se estruturaram na Época Contemporânea. No decurso da centúria de Oitocentos, e grande parte da que lhe sucede, encontramos manifestações festivas que:

• se mantêm sem grandes ruturas com o passado (o cerimonial do sacre – 29 de maio e 1825 – do Rei de França Carlos X (1757-1836), que recriou a tradição estabelecida no tempo de Luís VII (1120-1180), e a coroação dos reis da Grã-Bretanha, são exemplos da permanência de um ritual secular);
• constituem grandes encenações do poder pessoal e de propaganda de um ideal, mantendo-se a teatralidade do imaginário imperial romano, como se pode observar desde a coroação (1804) de Napoleão Bonaparte, até às grandes paradas dos regimes totalitários do século XX; 
• recorrem a formas de encenação cinematográfica (celebração, em 1971, dos 2 500 anos do Império Persa), ou a versões napoleónicas inimagináveis (coroação, em 1977, de Bokassa como imperador da República Centro-Africana).
Em todas estas manifestações, ao lado da modernidade própria de cada época e dos novos meios tecnológicos, conserva-se um esquema que é considerado ao longo da História como o modelo ideal da imagem do poder.


Em Portugal, até 1910, se excluirmos as festividades religiosas e lúdicas, que ritmavam anualmente as sociedades, são as comemorações relacionadas com a Família Real que constituem os grandes acontecimentos que mobilizam as populações e as congregam com a figura, quase mítica, que os governa. O monarca, ainda no início do século XIX, tem uma área de circulação muito limitada, razão que leva a que um número muito restrito de portugueses o visse. As grandes saídas eram pouco frequentes, realizando-se unicamente para acontecimentos muito especiais ou extraordinários, como aconteceu com a mudança da corte para o Brasil, em 1807. Só na segunda metade da centúria de Oitocentos, o monarca e a sua família começam a estar presentes, por vezes com assiduidade, em várias áreas do País. Com a facilidade dos meios de comunicação e a diminuição do número de acompanhantes, os monarcas começam a sair do espaço limitado a que se confinaram a partir do momento em que, organizado o Estado, residem em Lisboa, e frequentam áreas de lazer, quase sempre nos arredores da capital, ou em locais de curta distância (Mafra, Queluz, Salvaterra de Magos, mais raramente, Vila Viçosa).
A partir da segunda metade do século XIX, as monarquias visitam-se oficialmente ou em recreio, e o próprio espaço nacional, incluindo as colónias, é frequentemente percorrido, o que não acontecia desde a mobilidade dos monarcas medievais. Assim, os reis deslocam se para visitas oficiais ou particulares, para as caçadas, às quais podemos acrescentar outras formas lúdicas, como corridas de cavalos e desportos náuticos, e para frequentarem termas e praias. O Rei, figura até então quase inacessível e ausente em grande parte do Reino, passa a estar mais acessível no desempenho das suas funções – funcionário dos funcionários, cuja diferença com um Presidente da República é não ser um funcionário a prazo – dando assim início ao lugar que hoje ocupa nas monarquias existentes.


Em épocas anteriores à realidade que acabamos de referir, promover manifestações de alegria (nascimentos, casamentos, aniversários), de pesar (doença ou morte) ou de regozijo (aclamação do monarca, vitórias militares, visitas régias), eram a forma de levar a presença da Família Real a todo o Reino, representada, como dissemos, por figuras públicas civis e eclesiásticas. Estas, apoiadas pelo escol da sociedade religiosa e laica, vão utilizar os esquemas festivos para, através deles, unir a população à figura do Rei ou da sua família. Este fenómeno tão importante ao longo de toda a Época Moderna, vai manter -se na Época Contemporânea com a mesma vitalidade, até à segunda metade do século XIX, altura a partir da qual começa gradualmente a decair e a perder a função que tinha de congregar a população à volta da imagem do Rei. Esta é a realidade dos festejos que estudamos em Bragança, onde também a partir dos finais do século XIX a importância começa a ser menor, o que é notório na forma como as autoridades lidam com esses acontecimentos e na qualidade da programação.
Bragança, como todo o Reino, comemorou ao longo dos tempos todos os acontecimentos relacionados com a Família Real e, talvez, com um sentimento mais acentuado quando a dinastia que tira o seu nome da Cidade sobe ao trono, em 1640. Esta ligação Bragança/Braganças aparece referida nos festejos do século XIX, quando se justifica a comemoração que Bragança ia fazer por ser o solar da dinastia reinante.
O estudo dos festejos relacionados com os Braganças durante o século XIX e primeiros anos do século XX, devido à falta de documentação, não permite, de uma forma pormenorizada, conhecer toda a sua história. Ainda que não existam nem muitos documentos nem muitas publicações sobre o tema, Bragança, no período em estudo, participou com as tradicionais manifestações de júbilo ou de pesar relacionadas com a família reinante, mesmo quando esta se encontrava ausente no Brasil, como aconteceu em 1816, quando Bragança foi informada da morte, no Rio de Janeiro, de D. Maria I (1734-1816). Por ofício datado do Palácio do Governo, em 10 de julho de 1816, assinado por José António Salter de Mendonça (1746-1825), 1.º visconde de Azurara, e registado em Bragança em 17 de agosto de 1816, por José Joaquim Pinto, a Cidade tomou conhecimento de que “foi Deus servido chamar a Sua Santa Glória no dia 20 de março do presente ano pelas onze horas e um quarto da manhã a Augustíssima Senhora Rainha D. Maria I depois de muitos e católicos atos de fervorosa resignação, e el-Rei Nosso Senhor manda participar a vossas mercês esta infausta noticia não só para que acompanhem com aquelas demonstrações de sentimento praticadas em semelhantes ocasiões”. Como acontecia com os monarcas reinantes, deveria ser cumprido um ano de luto, seis meses rigoroso e seis meses aliviado.
O levantamento e juramento de D. João VI (1767-1826) realizou-se também no Rio de Janeiro, como se pode ver pelo ofício que se transcreve, conservado no Arquivo Distrital de Bragança.
Com frequência os festejos que se realizavam ultrapassavam o que era ordenado. As luminárias eram geralmente colocadas durante três noites, diversas cerimónias religiosas eram promovidas por várias instituições, além de outras iniciativas públicas e privadas. Bragança festejou, “com aquelas demonstrações de alegria tão próprias ao seu zelo”, o casamento de D. Pedro de Alcântara (1798-1834) com a arquiduquesa Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826): “Havendo-se celebrado em Viena de Áustria no dia 13 de maio do corrente ano o casamento de S. A. R. o príncipe D. Pedro de Alcântara com a sereníssima arquiduquesa, manda S. M. participar a vossas mercês a notícia deste plausível sucesso, tendo por certo o contentamento que dele receberá os seus vassalos e esperando que vossas mercês efetuem com aquelas demonstrações de alegria que são próprias do seu zelo e fidelidade em tudo que é da satisfação da sua real casa.
Palácio do Governo, 15 de novembro de 1817”.
Temos também notícia de festejos que teriam de ser realizados pelo nascimento dos infantes, como se exemplifica com o nascimento, no Rio de Janeiro, da princesa da Beira e do Grão Pará, D. Maria da Glória (1819-1853), futura Rainha D. Maria II.
Também Bragança, como todo o Reino, teria de cumprir, o luto de seis meses, três rigoroso e três aliviado, devido à morte da imperatriz do Brasil, D. Maria Leopoldina, em 1827.
Igualmente os dois casamentos de D. Maria II foram comunicados a Bragança. Num ofício do Ministério do Reino, de 25 de janeiro de 1835, participava-se a chegada do príncipe D. Augusto de Beauharnais (1810-1835), duque de Leuchtenberg e de Santa Cruz, e a ratificação do consórcio, tendo a Rainha determinado que durante três dias se interrompesse o luto, por morte de D. Pedro de Alcântara, duque de Bragança (D. Pedro I, Imperador do Brasil, D. Pedro IV, Rei de Portugal), e “se praticasse” em todo o Reino as demonstrações de júbilo próprias da solenidade. D. Maria II esperava que a Câmara Municipal de Bragança, desse, pelo motivo em causa, assinaladas provas do seu regozijo.
Depois da morte de D. Augusto, e devido ao novo casamento da Rainha, chegaram a Bragança dois ofícios do Ministério do Reino. O primeiro, de 26 de dezembro de 1835, pelo qual se mandava que, no dia 1 de janeiro e nos dois seguintes, se suspendesse o despacho em todos os tribunais, e que na corte houvesse durante os três dias repiques de sinos, luminárias, salvas de Artilharia e todas as costumadas demonstrações de júbilo, acrescentando-se ainda que “tão grata ocorrência” devia constar em toda a Nação e ser festejada por todos os portugueses, razão pela qual a Rainha mandava que a Câmara de Bragança fizesse publicar a notícia no seu Concelho e desse providências para que nos dias designados se fizessem “as manifestações próprias de tão solene ato”. O segundo, de 8 de abril de 1836, comunicava a chegada de D. Fernando de Saxe Coburgo Gotha (1816 1885) – D. Fernando II – e a ratificação do casamento em 9 de abril. Por este último motivo, deveriam ser feitas, durante três dias, demonstrações de júbilo em todo o Reino.
Como vimos anteriormente com os filhos de D. Pedro IV, também os nascimentos dos filhos de D. Maria II foram festejados em Bragança, assim como, em 1862, o casamento de D. Luís (1838-1889) com D. Maria Pia de Saboia (1847-1911).
Se com estas notícias podemos confirmar que Bragança, ao longo de todo o século XIX, participava com manifestações de regozijo ou tristeza relacionadas com a dinastia de Bragança, não possuímos elementos que nos permitam conhecer, para cada uma delas, o que de facto foi realizado. Faltam, para a maior parte dos casos, descrições pormenorizadas ou informações que nos permitam conhecer a totalidade do programa comemorativo.
Para alguns casos o silêncio é quase total, como acontece com a morte de D. Pedro V (1837-1861), e a aclamação (22 de dezembro de 1861) de D. Luís, devido à inexistência de atas da Câmara de Bragança para esse período.


Presumivelmente, para ambos os casos foi mantido o cerimonial tradicional.
Pela leitura das atas da Câmara de Bragança, as referências da subida ao trono de D. Carlos (1863-1908) e da sua morte violenta, reduzem-se, no primeiro caso, por proposta vereador João Baptista Olímpio Ramires, à deliberação por parte da Câmara do envio de felicitações pela ascensão ao trono; e, pela sua morte, e pela do príncipe D. Luís Filipe (1887-1908), ficou registado na ata de 24 de fevereiro de 1908, o seguinte texto: “O senhor
Presidente, intérprete do sentimento geral da profunda consternação dos habitantes deste Concelho pelo trágico acontecimento que, no dia primeiro de fevereiro corrente, enlutou o País, em sinal de intensa dor, propôs que fosse encerrada a sessão, o que foi unanimemente resolvido”. Sabemos ainda que a Câmara mandou rezar uma missa no dia 1 de fevereiro de 1909, na catedral, por alma de D. Carlos e do Príncipe Real.
Se as notícias das atas camarárias não nos permitem alongar este tema, veremos através da Gazeta de Bragança como a Cidade reagiu ao regicídio. Na subida ao trono de D. Manuel II (1889-1932), a Câmara convidou os habitantes de Bragança a iluminarem as fachadas das suas casas, no dia da coroação do monarca, em 6.5.1908, sendo enviado um telegrama pelo mesmo motivo: “Como representante da Cidade de Bragança à qual Vossa Majestade tem ligadas gloriosas tradições, venho saudá-lo neste dia memorável da sua coroação, apresentando-lhe um reinado longo, venturoso e liberal como tem sido até ao presente”.
Esta contenção nas manifestações associadas ao poder régio por parte da Câmara, ainda que se continuassem algumas ações festivas ou a mandar fazer exéquias e a rezar missas, contrasta com o empenhamento das outras câmaras em tempos passados. A vertente da história do mundo urbano, relacionada com o poder real, termina com a visita cancelada que D. Manuel II deveria fazer a Bragança no dia 9 de outubro de 1910.
A função monárquica vai motivar um cerimonial palaciano e público de grande complexidade. Como referimos, o ciclo humano da Família Real é aquele que mais manifestações festivas ocasiona, levando a imagem da realeza a todos os espaços do Reino. Mas se o nascimento, aniversário, casamento, doença e morte de qualquer membro da Família Real motivam momentos de alegria ou de tristeza, o cerimonial régio mais importante é a coroação (ou a aclamação) que consagra a continuidade da Monarquia. Cerimónia centrada quase sempre na capital, local das grandes festividades, vai ter repercussão em Bragança e em todo o Reino.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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