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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A minha avó Filomena

 
Uma pessoa nasce por sorte e um bocado ao calhas. Mercê de milhares de acasos no tempo e nos lugares, alguém a todo o momento se cruza com alguém e se entrelaça física e emocionalmente.
Quanto a mim, deu-se a bendita circunstância de quando o século XX ainda era acabado de despontar, de o meu bisavô Genésio e a minha bisavó Maria se terem conhecido e entendido ao ponto de fazerem nascer a minha avó Filomena.
Dizem que ele foi estroina e um valdevinos, e que ela foi e é uma santa pelo que padeceu por causa dele, mas isso são linhas de outra costura. Depois um dia conto-lhes mais em pormenor. Não os conheci, mas pelo que ouvi dizer, vale a pena contar, ainda que tenha que se dar algum desconto em cada ponto.
Gabiru de todo, meteu-se na política e na luta entre monárquicos e republicanos com situações de faca na liga. Dizem os mais velhos que era aguerrido e pingueiro, se é que me entendem. Se calhar por via disso trabalhar não era com ele.
No entanto, teve arte para ir a Lamego encantar a minha bisavó Maria Rebelo para lhe desencantar a vida na quinta em Queimada que acabou por vender arruinado e sem bens ao luar. Andou sempre na boa-vai-ela, ao contrário da mulher coragem que sofreu ao ponto de ganhar por direito um lugar no paraíso.
Moldada pelo que viu e porque teve a sorte de ser mais enxertada na mãe que no pai, a minha avó Filomena foi um assombro de pessoa. Grande e inteira, digna e honesta, generosa em toda a essência, visionária e lutadora, nada regateou e tudo deu.
Soube ser e soube estar. Caseira na Quinta da Seara situada mesmo no centro da vila de Armamar, teve o condão de fazer daquele pedaço de terra um microcosmos onde todos entravam e todos saíam. A força da gravidade era tal, que nem o enorme cão a preceito chamado Fiel, metia medo ou era impedimento para qualquer visitante. Sabia que ali também era o reino dos sem eira nem beira, terra onde não medra a erva daninha da maldade.
Pelo enorme portão de ferro que dava acesso a um largo terreiro, entrava quem queria unicamente dois dedos de conversa, quem quisesse saber ou falar de novidades, quem quisesse matar a fome, quem quisesse umas brasas de vides para o lume, quem quisesse guarita para uma noite por andar sem destino e ao sabor do vento.
Ricos e pobres, todos cabiam no coração da minha avó. Aflitos ou tranquilos, certos ou duvidosos, todos podiam contar com os ouvidos dela para escutar aperreações ou alegrias. A enorme cozinha onde crepitava uma enorme lareira era chão onde medrava a partilha. Floria fortificada pelo raiar daquele sol que era a minha avó.
Faleceu quando eu já era homem acabado de entrar às “sortes” e prestes a receber convocatória para ir assentar praça no quartel militar. Passei muito tempo com ela. Cuidou de mim com esmero e carinho. Fui bafejado pelo seu exemplo.
Por isso a tenho comigo. Faz boa parte daquilo que tenho cá dentro e me diz de onde vim e para onde devo ir. O meu bisavô Genésio se calhar também, quando às vezes me puxa para o arredio. Mas não me importo. Valeu a pena ele ter existido, pois foi pai da minha avó.

Manuel Igreja

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