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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Freixo de Espada à Cinta - Terra de lendas e de refúgio com alguma poesia

Na Bio-Freixo tudo é biológico.
“Faço vinhos como antigamente”,
diz Gilberto Pintado
Os freixenistas já sorriem quando o assunto é o nome da sua vila. E nem sempre as explicações coincidem - afinal, estamos em território de lendas. De um fidalgo visigodo, Espadacinta, a D. Dinis, que por aqui terá dormido uma sesta à sombra de um freixo onde pendurou a espada e tido sonhos de “pacificação da família” - passando pela existência de um local de passagem entre Freixo e um monte que se chamaria Espadacinta: as pessoas iam do Freixo a Espadacinta. “Esta parece a justificação mais plausível”, dizem-nos, embora as lendas sejam mais atractivas. E, por isso, há um freixo com uma espada à cinta, literalmente, bem no coração da zona histórica de Freixo de Espada à Cinta.

A torre heptagonal (conhecida como “torre do galo”), que sobrou do castelo desmantelado no século XIX, ergue-se um pouco acima (por estes dias rodeada de obras, que põem à vista restos da muralha), ao lado está a igreja matriz - no outro topo da praça, a Igreja da Misericórdia, na sua margem os antigos paços do concelho. Estamos na Praça Jorge Álvares e a sua estátua lembra-o alguns chamam-lhe a “praça do mundo” e Jorge Álvares foi precisamente o primeiro navegador europeu a chegar à China, em 1513. O mundo dessa época de expansão portuguesa reflete-se na igreja, estrutura monolítica em pedra viva, que só observamos de fora - há quem compare a estrutura com os Jerónimos, certo é que os motivos decorativos são manuelinos e não é o único edifício aqui a ostentá los.

Freixo, como os habitantes se lhe referem, também se reclama como a vila mais manuelina de Portugal e para tal apresenta um catálogo de janelas manuelinas, mais ou menos discretas, mais ou menos gastas, que sobressaem nas fachadas, modestas, desta zona, onde casas quinhentistas convivem com exemplares bem mais recentes. Não raras vezes, essas casas também são apresentadas como de judeus (ou cristãos-novos) - o truque para identificá-las logo, dizem-nos, são as duas portas no rés-do-chão: uma grande para o comércio, outra mais pequena para a parte habitacional; algumas podem ter cruciformes, também, uma marca habitual para demonstrar a conversão. A verdade é que, depois da expulsão de Espanha, muitos judeus encontraram refúgio em terras raianas portuguesas e terá sido esse influxo de dinheiro que contribuiu para a construção destas casas que seguiram a tendência arquitectónica da época num local tão remoto.

Uma dessas casas, vão desalinhado, é a Casa do Poeta Guerra Junqueiro, onde este nasceu (1850) e a autarquia abriu um espaço evocativo da sua memória. Junqueiro é também o nome do museu regional - Casa Junqueiro - instalado na casa que foi do pai do poeta. As salas de exposição ocupam o rés-do-chão e recriam alguns espaços de uma casa abastada da segunda metade de Oitocentos, incluindo vestuário e objectos pessoais - curiosa é a recriação de um “sóto”, uma loja tradicional.

Tradicional em Trás-os-Montes é também a prodigalidade à mesa.

Não há muita oferta, mas a que há sacia as expectativas: no Cinta d’Ouro, cozinha da raia pelas mãos do espanhol Diego Ledesma (casa aberta há 30 anos), a vitela, porco, o bacalhau e o polvo podem apresentar-se de forma mais heterodoxa (presa de porco com mostarda e mel ou vitela estufada com amêndoas, por exemplo); no Paula, o leitão, cabrito, bacalhau e posta à mirandesa e, no Latas, o misto de carnes na brasa são pura generosidade. São produto do terroir.

Assim e a ouvir as videiras. “Não podemos seguir a ordem dos homens.”

“Sabem quem foi o arquitecto desta adega? Manuel Caldeira, quarta classe. Fiz isto”. Do terraço da adega Quinta dos Castelares, o olhar perde-se em vinhedos que se desfazem à medida que trepam os montes.

Manuel Caldeira é como um rei perante os seus domínios: aqui estão 10 hectares, uma gota nos 140 hectares de que é proprietário, “tudo no Freixo”. “E ainda tenho 16 para plantar”, avança, “empatados por causa do parque natural. É um entrave para todos nós. Ando a lutar há anos.”

Lutou durante anos para conseguir comprar a Quinta da Fronteira, ou da Congida, também conhecida “pelos entendidos”, diz, como “a pérola do Douro”, mesmo à beira-rio. Mas aqui está a primeira vinha que plantou, em 1976. “Desde os seis anos trabalho em vinho”, conta, “o meu pai era feitor e por aqui fazia-se ‘vinho para os ingleses’”. Até aos 12 anos, acompanhou o pai, depois teve de começar a trabalhar (enveredou pela construção civil). Nunca perdeu o sonho das vinhas.

Manuel Gomes Mota tem na Quinta da Maritávora a “adega mais pequena do Douro”; ao lado, sepulturas da baixa Idade Média na Calçada de Alpajares


Agora, tem vinhas que vão dos três aos 60 anos e ao longo do tempo desenvolveu a ideia de ter vinho próprio e adega. Foi Pedro Martins, o genro que trabalhava com ele na empresa de construção, que o incentivou. “Já estava farto de o ouvir dizer que queria 
fazer um vinho”, brinca. Pedro, que já havia trocado o Porto pelo

Freixo, trocou os recursos humanos pelo vinho - é o director-geral da empresa e coordenador da enologia: “Puxamos um pelo outro”, diz.

Volta o orgulho do construtor Manuel Caldeira na adega, enorme, cubas de inox “com e sem camisa” (para fermentação a quente e a frio): “As antigas tinham tecto de madeira, por isso fiz assim”, e aponta para cima. Para trás ficou a cave das barricas - umas de carvalho francês e outras de americano (e novas a chegar, encomendadas nos tanoeiros da vizinha Palaçoulo), “para dar um toque diferente ao vinho”, como se “a temperar a comida”, compara Pedro Martins. É ele o responsável último pelas criações da empresa.

“Queremos inovar”, assume Pedro, “e ainda há semanas provei 70 vinhos”. “É provar e ver para onde podemos ir”. A plantação de castas autóctones e mais comuns no Douro - a Códega de Larinho é muito do seu agrado, “é todo o terreno” - é acompanhada por porções de outras castas, “para ver o potencial”. E para poder “seguir as tendências do mercado”.

Por estes dias, Pedro anda entusiasmado com a Bastardo, mas fala com especial emoção do vinho que fez em 2017 em homenagem ao sogro. “Apercebi-me que tínhamos um branco mais do que Grande Reserva”, recorda, “e ofereci-lhe esse”. Esgotou logo, uma segunda edição está a caminho.

“Nunca foi objectivo a quantidade, mas sim a qualidade”, sublinha. E sempre seguindo a agricultura biológica, aponta Manuel Caldeira à boleia de uma joaninha que voa no exterior - “é bom quando as vemos, nada as mata e comem insectos prejudiciais”.

Preferem ser “preventivos em vez de reactivos”, um cuidado que lhes valeu a certificação BRC, “única”, afirmam, no Douro Superior: não só dá garantia de rastreabilidade de tudo como abre portas em muitos mercados.

“Há 2200 marcas de vinho no Douro, porquê comprar Castelares?”,

reflete Pedro Martins - “temos de marcar pela diferença”.

Declinações de azeite e ideias

“Esta é uma zona altamente privilegiada para a produção de azeite”,

afirma Miguel Massa, “há quem a compare com a Toscana. Mas é pouco valorizada.” Miguel sabe do que fala, já que, durante décadas, a família vendeu azeitonas e, mais tarde, produtos transformados a granel – para a Itália. Até que ele decidiu pegar no negócio: recuperou os nomes que haviam sido registados no final da década de 1990, Arribas do Douro e Porttable - e aqui está, cinco anos depois, com o azeite Arribas do Douro Virgem Extra Grande Escolha acabado de receber uma medalha de prata no Concurso Internacional de Azeite de Nova Iorque.

Aqui é a Quinta da Matança, a vista é Espanha (aos pés está a barragem de Saucelle), os olivais estendem-se dos 730 aos 120 metros de altitude, até à barragem (“Era a única parte da quinta onde nunca tinha ido”, confessa, “aproveitei ter amigos aqui e fomos hoje”). Vamos provar azeites, azeitonas, pastas de azeitona e vinhos - há ninhos de abutres por cima de nós, nos penhascos que terminam no Miradouro Durão, e Miguel Massa a dizer-nos: “Não é muito comum fazermos provas, como trabalhamos muito a exportação não temos visitas.”

À nossa volta, 110 hectares de olival (e a fábrica de transformação), a que se juntam outros 30 em Barca d’Alva.

Estas são as raízes da família às quais Miguel, de Vila Real e a viver no Porto, regressou parcialmente. Estudou engenharia mecânica, trabalhou na área durante algum tempo e, diz, cansou-se de ver isto parado. Como “herdeiro único”, sentiu responsabilidade e viu potencial, até para o turismo.

“Vamos pôr uma marca nossa e dizer que é daqui, de Portugal.” Pensou em fazer “produtos bonitos, gourmet” - “Vamos a umas feiras e não será difícil.”

Fê-lo e vendeu. “Mas só para nichos não dá”, assume.

Nos olivais, a variedade Negrinha do Freixo domina (“é o guarda chuva na zona”), mas entram também, entre outras, Cobrançosa, Verdeal Transmontana e Madural - as quatro fazem os azeites virgem extra das marcas. Na fábrica, a azeitona é transformada em azeites e conservas, entre pastas e azeitonas descaroçadas, em várias versões de “temperos” - desde o típico do Douro, com alho, orégãos e louro, a versões com rosmaninho, alho, piripíri, por exemplo.

Não há só olival nas terras da família, há vinha (e virão mais: os planos são consertar os baldios em vinhedos) de onde saem três referências de vinho (a caminho de mais). E na Quinta d’Alva (Barca d’Alva) estão quase prontas quatro casas T3 para turismo. Aqui há planos para abrir uma loja, mesmo à face da estrada, pouco depois da placa que indica Espanha. “Há muita gente que vem ver a barragem, vê a fábrica e pergunta o que se pode comprar.” Por

agora nada, talvez em breve os produtos Arribas do Douro - a marca preferida de Miguel - e Porttable, que, inicialmente, foi concebida para o mercado anglo-saxónico (e significa “Portugal at Table”, explica). Contudo, confessa Miguel, o nome Arribas do Douro atrai mais curiosidade nesse mercado.

Se há algo para “inventar” na área agro-industrial, Gilberto Pintado, que até tem formação em psicologia organizacional, põe as mãos à obra - “No azeite avançámos diferente dos outros: biológico com extracção a frio. É o Ferrari dos superóxidos”.

Mesmo que por vezes ande à frente da legislação, como com o que chama “cervejão”, cerveja branca e vinho rosé que fermentam em barricas: “Não podemos ir para o mercado porque não há entendimento sobre o selo a colocar.”

Miguel Massa pegou no negócio da família e agora faz na Quinta da Matança um azeite que acabou de ser premiado

É uma das frustrações de Gilberto - “freixenista a 100%”, ainda que tenha nascido em Bragança -, que, no entanto, tem outros trunfos, como a cerveja bio-vegan e o que diz ser o primeiro vinho bio-vegan, prontos a serem certificados e apresentados, “em Agosto ou Setembro”, assegura.

O nome não engana, está claro: na Bio-Freixo, tudo é biológico. No vinho, a produção é biológica e biodinâmica.

“Faço vinhos como antigamente”, diz, como os avós e o pai, embora tenha algumas queixas.

“Não há certificação de Douro Biológico ou Dão Biológico, como há

Douro Reserva, Douro Colheita…” - não há DOC nos vinhos MPB, apenas um logótipo criado pela União Europeia e identificação do país de origem.

Em breve, vai lançar também um vinho do Porto - rosé, “nos outros há muita competição”, avalia; e, no mercado, há alguns anos, está o ice wine branco que é provavelmente a joia da coroa deste portefólio – pelo menos pelo preço: cada garrafa custa 250€ (e tem direito a uma “capa” de seda artesanal local).

É um vinho que é bebido por Cristiano Ronaldo e os filhos do Trump, diz Gilberto, e é característico do Canadá. Foi um tio que ali vivia que lhe trouxe uma garrafa, em 2009.

“Fiquei com gosto, queria fazer”, conta. Sabia que tinha de ser um colheita tardia, que meia tonelada de uvas só resultaria em 50-70 litros (300, no vinho “normal”), que as uvas teriam de ficar 30 dias a congelar e depois ser colocadas numa cuba isobarométrica, onde a maceração e fermentação levam 60 dias a concluir.

Utiliza “castas antigas do Douro”, contudo, desde 2009 só por duas vezes conseguiu fazer este que é conhecido, diz, como “vinho dos deuses” - e vendeu apenas nove garrafas. Provamos: Gilberto fala em “labirinto de aromas que se vão abrindo”, em “doçura com acidez certa” - é, certamente, doce com um twist.

Gilberto tem uma mente inquieta, mas também paciente. Veja-se o vinagre que está a preparar. Tira da talha, para cheirarmos, o balsâmico que está a desenvolver, a partir da “madre”: em 30 litros de barrica, todos os anos adiciona mosto, quando faz o vinho - vai ficando pastoso.


Leva cinco anos e meio em barrica e ficará mais: venderá vinagres de 10, 15 e 20 anos, “como o vinho do Porto”.

E Gilberto já foi muito feliz com o seu vinagre de vinho rosé, que até já foi considerado “o melhor dos melhores” em Santarém.

Também nas cervejas artesanais a Bio-Freixo tem recebido prémios.

Gilberto lembra-se de, na década de 1980, em miúdo, a seguir à escola “ir ao lúpulo”, que era “o maior produto em Quintanilha”. Desde essa altura dizia que queria fazer cerveja e em 2011 foi aí buscar o rizoma e cultiva o seu lúpulo em Freixo. A cevada compra- a a agricultores da zona. Lúpulo, cevada e água: as suas cervejas seguem a lei da pureza de 1540 (Baviera).

Não lhe faltam ideias e quer incentivar os jovens da região - “temos um que vai avançar para o primeiro hidromel biológico”. “Precisamos de gente a investir aqui.”

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