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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 3 de abril de 2021

O Bolo Podre

 Naquele tempo, na Páscoa, o bolo podre era o rei. Sobressaía quase a pedir meças ao cordeiro assado no forno. Um e outro não queriam saber do Natal, pois aí havia outros a distinguirem-se e a merecerem a humana atenção.
A atafona, que é um modo de dizer as canseiras, começava no Dia de Ramos com a escolha das pernadas de oliveira para se fazerem os ramos a levar à Missa. Não é que fosse algo para se ter vaidade, mas até nisso, cada qual procurava exibir o que resultava da sua arte para a coisa.
 
Era pois então o começo e o entranhar do período de Páscoa que se fazia de muito se sentir e muito se rezar, mas era também tempo de alegria pela alva e até ao escurecer do Domingo. Passada a Paixão, celebrava-se a Ressurreição com tudo a preceito.
Na Semana Santa o forno não parava comparado com o resto do ano, pois não era por dá cá aquela palha que ele se acendia. Não que não houvesse vontade, mas os comeres eram parcos. Forno quente e preceitos para o encher era luxo. Só em ocasiões especiais, tipo o dia do Padroeiro e pouco mais tirando a Páscoa.
Mas indo ao bolo podre. Antes de mais, havia que se arranjar lenha a preceito pois a empreitada não era fácil. O ventre do forno tinha que ser esquentado, mas não assim por aí além dada a fineza do produto em questão elaborado a partir de coisas e finas e a merecer todos os cuidados.
Sensíveis que eram e são, quentura a mais, e lá se ia a obra. Havia, pois, que se conhecer bem o forno sabendo-se da sua capacidade de se manter suficientemente brando e de mais o tempo necessário entre o tapar-se e o abrir-se.
Descuido resultava num monte de bolos mais pretos que pretos da Guiné, com o devido respeito, ou nuns amontoados de massa malcozida e pronta a ir para o lixo. Nem para a lavagem dos recos servia. Só mulher sem vergonha na cara se atreveria a ir à Missa de Páscoa se não lhe tivesse corrido bem o labor de fazer bolos poderes.
 
Quanto à lenha. Está-se mesmo a ver que era do mais importante, pois com o seu arder se consegue a temperatura certa. A de giestas era a mais recomendável logo antes das vides que eram pau para toda a colher e estavam sempre à mão. Ambas ardem facilmente e não se aguentam muito tempo a provocar escaldão.
Cuidada a lenha havia o resto. A farinha que se comprava ao moleiro de Alvelos com moinho estabelecido no rio Varosa, os ovos da criação mantida e sobrevivida no galinheiro, água da boa e pura, e pouco mais, digo eu que quanto a saber de tal cozinhado sou a rasar o zero.
Tudo misturado e feita a massa o importante era a aventura do forno feita espera e apreensão. No entanto, antes disso, havia trabalho e duro, pois amassar era obra com exigir de vontade e força. Mexia-se, removia-se, batia-se, socava-se. Podia até ser que na imaginação alguém fosse socado mesmo sem estar dentro da gamela. Mas não. Era época de paz e de amor.
Cortada, amontoada e arredonda a massa fechava-se a porta do forno com ternura e com uma benzedura. Chegada a hora, sustinha-se a respiração, acalmava-se o coração, controlava-se a emoção. Abria-se e soltava-se a alegria.
 
Notaram por certo que contei como se já tivesse sido. Salvaguarda-se, contudo, que ainda é e será. Não tanto como antes, mas mantém-se a tradição que vem de longe e não tem fim porque as coisas boas que são rosas nas nossas memórias deixam por aí as suas pétalas tocadas por suaves brisas.

Manuel Igreja

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