sábado, 24 de abril de 2021

Comboio em Vila Real: e o burro sou eu?!

 Dizer que tudo isto é desconcertante é pouco. Se o comboio pode voltar a Vila Real, no sentido de haver fundos para isso e ser uma meta essencial para alcançar objectivos como a descarbonização da Economia, promoção da coesão territorial, e devolução aos trasmontanos do direito à mobilidade sustentável e inestimável do caminho-de-ferro? Pode; aliás, deve. Uma Linha do Corgo reaberta e modernizada tornará por exemplo ainda mais rentável a Linha do Douro, a qual corre também o sério risco de assistir a uma reabertura histórica até Barca d’Alva.

A intervenção do Ministro Pedro Nuno Santos, na sessão de lançamento do Plano Ferroviário Nacional (PFN) no passado dia 19 de Abril, foi para mim um marco histórico. Não me lembro, na nossa história recente, de ter ouvido um ministro com a pasta dos Transportes ser tão assertivo e realista sobre o que queremos da nossa ferrovia.

Este PFN e a forma como será discutido – qualquer um pode, e deve, enviar os seus contributos através do seu site oficial  – já são por si só inéditos, e vêm no seguimento de dois anos incríveis para o sector ferroviário: reabertura de oficinas, recuperação de dezenas de carruagens e locomotivas abandonadas, reabertura para breve da Linha da Beira Baixa, electrificação da Linha do Minho… A lista vai longa, neste período marcado por uma reversão de décadas de laxismo e destruição da ferrovia portuguesa desde o 25 de Abril.

Na sua intervenção, Pedro Nuno Santos relembrou o objectivo de conectar todas as capitais de distrito de comboio; relembrou, friso, pois esta meta já foi anunciada na proposta de Orçamento de Estado para 2021, no final do ano passado.

Vila Real é uma das três capitais de distrito sem ferrovia – sendo as outras Bragança e Viseu – e o autarca vilarealense não deixou de prestar declarações sobre a hipótese do regresso dos comboios à cidade. Que é a reparação justa por 30 anos de abandono da Linha do Corgo, e que a via deve estar a par dos padrões de excelência da rede rodoviária actual. Palavras justas, se não estivessem revestidas de uma profunda hipocrisia, que a nível pessoal me deixaram perplexo e indignado.

Desde 2012 que elaborei um estudo de viabilidade da reabertura da Linha do Corgo entre a Régua e Vila Real. Um estudo que demonstra a gritante desfasagem da realidade do que a extinta REFER apontou como custo de reabertura, e que aponta para a viabilidade económica e financeira do projecto, ao alargar as suas fontes de proveitos, e pela forma como a Economia local e o próprio Estado beneficiariam, com a criação de emprego e aumento de receitas comerciais e impostos. Estudo o qual já discuti na imprensa e rádios locais, e que se encontra publicado e explicado em detalhe no meu canal na rede social Youtube.

Em inúmeras ocasiões solicitei uma reunião com este autarca para apresentar este estudo, até porque, quando o abordei através do Movimento Cívico pela Linha do Corgo, grupo que fundei em 2010, o ainda candidato ao seu primeiro mandato na Câmara de Vila Real dizia-se a favor da reabertura deste troço ferroviário. E, contudo, em quase 8 anos de mandato, nunca fui recebido pelo mesmo, conseguindo apenas duas reuniões absolutamente inócuas com outros tantos vereadores, um dos quais me explicou de forma paternalista que o autarca não defende a reabertura da Linha do Corgo, porque o Governo também não o fazia, o que seria assim um, e cito, “suicídio político”. Entretanto, o canal ferroviário na cidade vai sendo transformado numa ecopista, num desperdício de dinheiros públicos sem critério e contra producente.

Dizer que tudo isto é desconcertante é pouco. Se o comboio pode voltar a Vila Real, no sentido de haver fundos para isso e ser uma meta essencial para alcançar objectivos como a descarbonização da Economia, promoção da coesão territorial, e devolução aos trasmontanos do direito à mobilidade sustentável e inestimável do caminho-de-ferro? Pode; aliás, deve. Uma Linha do Corgo reaberta e modernizada tornará por exemplo ainda mais rentável a Linha do Douro, a qual corre também o sério risco de assistir a uma reabertura histórica até Barca d’Alva.

Com a construção prevista de uma linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto, encurtando a viagem entre ambas para pouco mais de uma hora, Vila Real, mesmo levando meia hora de viagem até à Régua por comboio (tempo que qualquer outro transporte terrestre leva actualmente), ficará a 3h30 da capital – de autocarro são 5h.

É duro ser-se cidadão, ser-se munícipe, e ser-se olimpicamente ignorado pelo Poder local, que ao sabor da oportunidade ora é a favor, ora é contra, ora é totalmente indiferente. Venha de lá o serviço ferroviário por favor, senhores e senhoras mais esclarecidos que isto.

Daniel Conde

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