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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Abrir abril

Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

A democracia, que por estes dias festejamos, surgiu no mundo como uma flor da civilização, joia rara entre o cascalho da marcha da humanidade. Por imperfeita que seja, e ainda que outros benefícios não tivesse, a licença de sob as suas asas se dizer o que se pensa e sente sem medos (essa mesma que aqui estou a usar) já seria preciosa. E a que consiste em indicarmos quem nos há-de governar mediante um gesto secreto não o é menos, mesmo que existam reservas quanto à sua efetividade. Ambas são dádivas, tanto mais admiráveis quanto é certo terem surgido por sobre o sacrifício de incontáveis gerações, flageladas durante milénios por toda a sorte de tiranias e sob o fogo constante da repressão de mentes e corpos. 
Num mundo perfeito as suas regalias durariam para sempre mas, se pensarmos que sobre elas pesam ameaças de vária ordem, há poucas garantias de que tal aconteça. A primeira talvez advenha de, por terem passado a ser tão banais, tendermos a não lhes dar valor, sempre mais ciosos de direitos que de deveres, mais zelosos de liberdades que de moderações, mais solícitos a assegurar garantias que a admitir e acolher incertezas. Daí termos tolerado que aos poucos a democracia viesse a ser gerida por medíocres que se aproveitam das suas fraquezas, que em vez de a servirem porfiem intentos que lhe são alheios, em lugar de a visarem como um fim se convertam em fins a si próprios.
Sabendo-a tão frágil como a própria sociedade, e tendo tudo a ganhar com ela, estimo-a de coração (talvez como só quem viveu em ditadura a saiba estimar) e permito-me gozar de todos os seus prazeres. Mas daí a que todos sintam o mesmo vai um abismo: quando se é muito afeiçoado a mordomias vive-se no receio contínuo de as ver talhadas; a fazenda traz sempre o secreto temor de a perder. Em tal estado de espírito, o mínimo transtorno da ordem ou brisa de mudança constituem fonte de anseio, sendo muito provável até que as regularíssimas eleições assomem de quando em vez como motivo de inescapável incómodo. O que se entende. Porque no fundo, no fundo, isto de ter dado a soberania à plebe foi muito generoso, muito bonito, muito poético, mas não deixou de comportar os seus óbices. Afinal de contas, sabendo-se da volubilidade, dos humores, dos caprichos dos eleitores, quem pode dizer o que trará o amanhã?
Ora é justamente esta indecisão própria dos ciclos democráticos que leva muitos a torcerem-lhe o nariz. É certo que, para assegurar o poder que faculta e protege proventos, se vai participando ativamente nas suas estruturas formais, tem que ser. Porém, de modo a acautelar surpresas não se pode descurar a possibilidade de jogar o xadrez noutros tabuleiros, assim como quem lança um olho ao burro e outro ao cigano. Faz-se jogo limpo enquanto este nos é favorável, mas a bola é redonda e o resultado sempre incerto. Que bom não seria poder mudar as regras a meio, caso estejamos a perder, sobretudo quando há muito a perder… Nada mais natural então do que fazer um nadinha de batota criando e ativando grupos esconsos (cujos sócios podem à luz do dia aparentar mesmo ser opositores) para mover na sombra os cordelinhos. Ou não fosse o dinheiro um instrumento privilegiado das maquinações do belzebu!
Se buscarmos alguns princípios da coisa democrática, eles não andarão muito longe do acolhimento da diversidade de interesses, da abertura aos outros e ao diálogo, da troca de ideias, do confronto aberto, da negociação benevolente, da humildade para a cedência, do sim à crista-da-onda e à mó-de-baixo, da sabedoria na derrota como na vitória, da serena aceitação das incertezas. Os mesmos que propiciam uma instância cívica, a democracia, onde nenhum saber, propósito ou atividade humana poderiam ser estranhos ou tabus, incluindo mesmo aquilo que a põe em causa. Onde toda a ação privilegia a abertura, não o fechamento, e por conseguinte se deseja impregnada de convicta e honesta transparência. 
Em suma, tudo aquilo de que esses furtivos clubes, por mais que se reclamem de aperfeiçoamentos, fraternidades e coisa e tal, são a própria negação. Isto sem prejuízo de admitir que haja quem, sem a clara noção destas mundanas subtilezas, se lhes possa juntar somente por retirar prazer de algum sombrio gosto da camuflagem ou de exclusivismos snobes.

(Nordeste - abr. 2018)

Manuel Eduardo Pires
. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.

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