Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Ilustração que homenageia o jogador brasileiro de futebol Leônidas, “criador da bicicleta” (*) |
- Onde andará o Dauro, que ainda não chegou?
Lá no Jardim D´Abril, periferia de Osasco, o Dauro preocupado com o jogo e com a feijoada que comeu no sábado no Bar do Agenor, no Jardim Oriental. Passou mal a noite inteira: diarreia braba! Nove e meia, na base do chá de erva-doce e camomila, o Dauro resolve ir jogar assim mesmo: - ele se sentia melhor!
Mesmo contra a vontade da mulher e da filha pequena, o Dauro saiu de casa um tanto atrasado dirigindo seu caminhão. Chegou só a tempo de vestir a número nove e entrar em campo. O Dauro sentia uma bambeza nas pernas. Certo momento achou que tinha um pouco de febre, mas tudo acabou no momento em que batia bola com o goleirão Ceboff, chutando faltas da risca das dezoito jardas para esquentar o Jorjão. Quando o juiz chamou os capitães para decidir quem começava a partida e o lado, o Dauro sentiu um ronco na barriga.
-Não deve ser nada, pensou!
O juiz deu a partida e começou o “pega”! Já aos cinco minutos o Corintinha marcou uma a zero, com o Marreco. O Jorge Ceboff chamou o Dauro e disse:
-Vê se toma uma atitude lá na frente, que essa defesa não vai aguentar esses caras!
- Pode deixar, disse o Dauro!
E o Dauro começou a dividir cada jogada como se fosse dividir um prato de comida. Ele era um jogador de classe apenas razoável, mas que compensava tudo com um grande entusiasmo e disposição física para jogar.
Era tipo rompedor, e não dava sossego para a defesa do Corintinha, na trombada, na botinada na cabeça e nas divididas. Deu uns cinco chutes de fora da área que saíram fracos; passou para um meia direita fajuto que tropeçou na bola; o quê deixou o Dauro ainda mais furioso.
Os boleiros do Corintinha faziam o que queriam no campo; um a zero era pouco.
Eis que o Dauro sentiu um ronco enorme na barriga, que veio vindo, veio vindo, veio vindo... .
Bem nessa hora o Nelsão cruzou uma bola na área do Corintinha, que o Jairzão rebateu de cabeça, o Dauro chegou à bola antes que o beque pegasse o rebote; tomou a frente dele, na base da disposição física. Quis preparar de joelho; a bola subiu! Então ele, de costas para o gol, não teve dúvidas: saltou alto, levando primeiro a perna direita, depois, numa ação coordenada de beleza plástica magistral de vai-e-vem, meteu o pé esquerdo na bola; numa linda bicicleta! => gol da Eternit!
O Dauro empatou o jogo; agora Eternit um, Corintinha um!
Enquanto todos os jogadores da Eternit se cumprimentavam e a torcida postada na carroçaria dos caminhões de do Zé Sasso e do Sardinha faziam algazarra.
E o Dauro ficou lá, no chão; quieto, inerte, olhos fechados, sem se mexer. Quando o Ceboff aproximou-se para ajuda-lo a erguer-se e dar-lhe um abraço pelo belo gol, ele lhe sussurrou no ouvido:
-Me caguei todo!
Obviamente, providenciaram uma contusão para o Dauro que saiu arrastado na maca e não mais voltou ao campo de jogo em que a Eternit perdeu de cinco a um.
Mas, ficou a lembrança do belo gol do Dauro, que mesmo cagado fez bonito enquanto esteve em campo.
Referência:
- Texto criado em janeiro de 2001.
- (*) Leônidas da Silva jogou pelo Flamengo e pelo São Paulo Futebol Clube. Tinha o epíteto de “Diamante Negro” e foi o artilheiro da Copa do Mundo de Futebol em 1938.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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