Por: Maria dos Reis Gomes
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
Famosos com dislexia |
Na sequência deste episódio, escrevi as histórias que hoje publico.
São histórias de crianças, hoje adultos bem-sucedidos. Na altura com sete, oito e dez anos. Foram-me encaminhados com diagnóstico de dislexia. Sempre gostei de trabalhar com estas singularidades porque quando diagnosticadas e bem orientadas, não se tornam pesadelos.
Apesar do uso da expressão “pareces disléxico/a” se ter banalizado e repetido muitas vezes para ridicularizar o outro, convém que se “olhe” a condição com atenção e sobretudo que não se deixe transformar num complexo de inferioridade que prejudica o desenvolvimento saudável do seu portador e angustia as famílias.
Para nos situarmos convém recordar o conceito de dislexia que, segundo a Federação Mundial de Neurologia define como:
“uma perturbação que se manifesta pela dificuldade na aprendizagem da leitura e da escrita apesar de uma adequada inteligência, educação convencional e oportunidades sócio culturais”
Estamos assim perante uma dificuldade em descodificar e perceber a informação escrita, que atinge todas as classes sociais.
Como se manifesta através de algum embaraço na leitura e na escrita, é por isso normalmente detetada no início da escolaridade obrigatória. Entre outros sinais, aparecem as inversões e troca de letras quer na leitura quer na escrita das palavras.
Partindo do pressuposto que esta característica no indivíduo se mantém ao longo da vida, é fundamental que a reeducação preveja aceitação e o desenvolvimento de estratégias de controlo eficaz.
Passemos então às histórias do João, do Filipe e do Pedro.
O João foi diagnosticado com dislexia depois de apresentar os sinais já referenciados. Estava em risco de ser retido no 2º ano de escolaridade.
Tratava-se de uma criança amável, tranquila, com competências a nível motricidade global e fina, com uma mãe atenta mas não stressada. Desde pequeno manifestou o gosto pela música e improvisava uma bateria a partir de objetos que ia encontrando em casa da avó. Nas aprendizagens académicas formais eram evidentes, a troca de letras, a leitura hesitante e um desinteresse total por esta tarefa.
Foi desenvolvido um trabalho durante dois anos com a participação da professora, dos pais e um empenho enorme do João que fez um percurso académico focado essencialmente nas notas musicais, mas também no essencial das aprendizagens académicas formais que o levaram à ESMAE no Porto onde se formou. Hoje é professor de Educação Musical e é baterista numa banda.
O Filipe, hoje informático e designer, foi sinalizado já a frequentar o 4º ano de escolaridade num colégio privado. Bonacheirão, bem disposto com duas frentes de combate… a necessidade de se preparar para o 5ºano de escolaridade e a necessidade de perder peso. Revelava já uma habilidade enorme para lidar com os computadores e desenhava maravilhosamente. Houve necessidade de trabalhar a motricidade global, a leitura e a escrita e valorizar a suas aptidões já pré existentes. A família colaborou na estimulação da leitura e da escrita pois, impunha-se alargar o vocabulário por forma a ultrapassar as hesitações na escrita. Investiu-se na leitura recorrendo às gravações de textos lidos em voz alta com e sem preparação prévia. Decidiu-se, com a sua anuência, repetir o 4º ano de escolaridade com as vantagens que esta medida podia trazer para a segurança do aluno.
O Pedro foi sinalizado já com 10 anos e a frequentar o 5ºano de escolaridade. Foi uma tia, professora e a frequentar uma acção de formação sobre esta temática, que me pediu para observar o sobrinho. Foram os primeiros testes escritos que começaram a aparecer no 5ºano que fizeram soar os alarmes. O Pedro usava uma letra ilegível nos testes escritos que levava os professores a riscar de alto a baixo por não conseguirem ler. Era pacato mas ágil a nível de pensamento e “craque” na equipa de futebol com os seus colegas. Não foi fácil chegar a ele. Mas com o trabalho dedicado da tia e com apoio de retaguarda foram potenciadas todas as aprendizagens que o aluno já tinha feito ao longo dos 4 anos de escola. O Pedro não era disgráfico. O Pedro fazia uma letra ilegível por opção, pois convivia melhor com a atitude dos professores riscarem o teste de alto a baixo do que se lhe “contassem os erros”. Foi necessário ainda evocar a legislação que protege estes casos, facto a que a escola aderiu e colaborou.
O Pedro fez o 9º ano, continuou a jogar futebol na equipa local e é operário numa fábrica de calçado de uma marca internacional.
Estes exemplos são paradigmáticos da tríade funcional “Aluno-Escola-Família”. Para que a mudança de comportamentos e atitudes seja uma realidade será necessário que todos os intervenientes estejam disponíveis para esse efeito.
Nestes 3 casos, houve um interesse mutuo e uma entreajuda capaz de promover essa transformação e sobretudo uma atitude de valorização das conquistas que cada aluno foi realizando.
Maria dos Reis Gomes
14 de Novembro de 2021
Maria dos Reis Gomes, nascida e criada em Bragança. Estudou na Escola do Magistério em Bragança, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira em Lisboa e na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação no Porto, onde reside.
Sempre focada no ensino e na aprendizagem de crianças com NEE (Necessidades Educativas Específicas) deu aulas no CEE (Centro de Educação Especial em Bragança). Já no Porto integrou o Departamento de Educação Especial da DREN trabalhando numa perspetiva de “ escola para todos, com todos na escola). Deu aulas na ESE Jean Piaget e ESE Paula Frassinetti. No Porto. A escola, a educação e a qualidade destas realidades, são os mundos que me fazem gravitar.
Acredito que, tal como afirmou Epicteto “ Só a educação liberta”. Os meus escritos procuram reflectir esta ideia filosófica.
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