Não faltam no nosso território marcas de relação vital com o sagrado, esse espaço/tempo de pulsões, intuições, angústias e desesperos, mas também da esperança, da alegria, da festa que nos mantém cheios de vontade de viver.
Muitos dos santuários que ainda atraem multidões já eram lugares especiais de contacto indizível com o sobrenatural no período pré-cristão. Os santos de hoje herdaram funções de múltiplas divindades protectoras que os humanos não dispensaram ao longo de milénios, numa relação com o mundo carregada de espantos, inquietações e medos, que os levaram a acreditar na magia da proximidade com o divino, tranquilizadora mas sempre efémera, porque os amanhãs trazem sempre desagradáveis surpresas.
Nas romarias de fim de Verão há quem se prepare espiritualmente para enfrentar as incertezas do Inverno, mas também quem lá vá para dar largas à celebração da fartura do tempo das colheitas, na senda do velho Epicuro e do seu herdeiro literário, Horácio, porque, afinal, a vida é melhor vivê-la do que vê-la passar.
Mas este ano não haverá na Senhora da Serra o cheiro empolgante das pavias da terra quente, nem os figos que tornaram famoso um jovem de uma aldeia próxima da cidade, na década de quarenta do século passado, que mandou contar um cento e quando a vendedeira contou o último já ele tinha engolido os outros noventa e nove.
Também não haverá as tabernas, que serviam para alimentar os peregrinos durante a novena, mas se foram tornando verdadeiro chamariz para gente da cidade e arredores se ir encher de vitela, tenra ou nem por isso, antes de arriscar uma nota nas bancas de sorte ou de azar que, durante décadas, conviveram com missas e procissões, mesmo se ali se perderam pequenas fortunas, deixando almas geladas, tanto como ficavam os corpos dos incautos que subiam à serra à tarde sem contar com o frio cortante das noites.
Enquanto se vai a meio da novena na Serra, começa a dos Chãos, lugar de referência para o mercado de gado, ali levado das quatro partidas da terra fria, um plaino com santuário, ao fim da serra, onde continuaria a peregrinação dos palatos pelas carnes suculentas dos herbívoros do nosso contentamento.
Aos que descerem da serra restará lamentar-se por também ali não haver onde enterrar a dentuça, mas também pela falta das memórias dos jogos que a tradição trouxe até aos dias que vivemos, cada vez mais próximos do esquecimento, porque já ninguém se importa com as malhas do fito, o vinte, o lançamento dos calhaus ou do ferro, apesar dos que resistem e ainda costumam dar ares da sua graça.
Dos Chãos sobra o registo das deslocações dos lavradores e criadores, que calcorreavam caminhos para comprar e vender cabeças de gado. Havia quem saísse de casa à uma da madrugada para chegar ao recinto da feira pelas dez da manhã, a conduzir a cria. Depois, a viagem de volta significava outro tanto, porque os animais que permitiam a continuação da vida podiam não conhecer o caminho.
Este ano chora-se pela carne que faltou às festas. Em breve ninguém se lembrará sequer das festas de fim de Verão no território onde o perfil da Serra de Nogueira domina o horizonte.
Muitos dos santuários que ainda atraem multidões já eram lugares especiais de contacto indizível com o sobrenatural no período pré-cristão. Os santos de hoje herdaram funções de múltiplas divindades protectoras que os humanos não dispensaram ao longo de milénios, numa relação com o mundo carregada de espantos, inquietações e medos, que os levaram a acreditar na magia da proximidade com o divino, tranquilizadora mas sempre efémera, porque os amanhãs trazem sempre desagradáveis surpresas.
Nas romarias de fim de Verão há quem se prepare espiritualmente para enfrentar as incertezas do Inverno, mas também quem lá vá para dar largas à celebração da fartura do tempo das colheitas, na senda do velho Epicuro e do seu herdeiro literário, Horácio, porque, afinal, a vida é melhor vivê-la do que vê-la passar.
Mas este ano não haverá na Senhora da Serra o cheiro empolgante das pavias da terra quente, nem os figos que tornaram famoso um jovem de uma aldeia próxima da cidade, na década de quarenta do século passado, que mandou contar um cento e quando a vendedeira contou o último já ele tinha engolido os outros noventa e nove.
Também não haverá as tabernas, que serviam para alimentar os peregrinos durante a novena, mas se foram tornando verdadeiro chamariz para gente da cidade e arredores se ir encher de vitela, tenra ou nem por isso, antes de arriscar uma nota nas bancas de sorte ou de azar que, durante décadas, conviveram com missas e procissões, mesmo se ali se perderam pequenas fortunas, deixando almas geladas, tanto como ficavam os corpos dos incautos que subiam à serra à tarde sem contar com o frio cortante das noites.
Enquanto se vai a meio da novena na Serra, começa a dos Chãos, lugar de referência para o mercado de gado, ali levado das quatro partidas da terra fria, um plaino com santuário, ao fim da serra, onde continuaria a peregrinação dos palatos pelas carnes suculentas dos herbívoros do nosso contentamento.
Aos que descerem da serra restará lamentar-se por também ali não haver onde enterrar a dentuça, mas também pela falta das memórias dos jogos que a tradição trouxe até aos dias que vivemos, cada vez mais próximos do esquecimento, porque já ninguém se importa com as malhas do fito, o vinte, o lançamento dos calhaus ou do ferro, apesar dos que resistem e ainda costumam dar ares da sua graça.
Dos Chãos sobra o registo das deslocações dos lavradores e criadores, que calcorreavam caminhos para comprar e vender cabeças de gado. Havia quem saísse de casa à uma da madrugada para chegar ao recinto da feira pelas dez da manhã, a conduzir a cria. Depois, a viagem de volta significava outro tanto, porque os animais que permitiam a continuação da vida podiam não conhecer o caminho.
Este ano chora-se pela carne que faltou às festas. Em breve ninguém se lembrará sequer das festas de fim de Verão no território onde o perfil da Serra de Nogueira domina o horizonte.
Sem comentários:
Enviar um comentário