Foto: Alfonso San Miguel/WikiCommons |
Portugal tem a lei mais antiga da Europa no que se refere à proteção das árvores. Desatualizada face à realidade atual, esta lei, datada de 1565, já pedia que se plantassem e se protegessem muitas das espécies nativas da floresta portuguesa. Naquela época, a procura por madeira para a construção naval, sobretudo de carvalho, foi tão intensa que esta passou a ser um bem escasso, obrigando a medidas de regulamentação do corte de árvores e de proteção da floresta. A lei de proteção das árvores promoveu a reflorestação com carvalhos, pinheiros e castanheiros. Desde então pouco mais foi feito.
É importante lembrar que as árvores começam a vida como minúsculas plantas nascidas por semente, podendo acabar os seus dias como gigantes centenários. São dos seres vivos mais antigos e maiores do globo terrestre.
São muitas as espécies arbóreas que constituem a nossa floresta. Mas hoje escolhi falar do carvalho-português (Quercus faginea), a árvore mal-amada dos portugueses. É uma das espécies que tem perdido mais área de ocupação nos últimos séculos, ora para a agricultura, ora para a reflorestação com outras espécies exóticas, ora motivado pelos incêndios florestais.
O carvalho-português
O carvalho-português – também conhecido como carvalho-cerquinho, cerquinho, carvalho-lusitano ou pedamarro – é uma árvore da família das Fagaceae, uma das famílias mais representativas da floresta nativa nacional. São três os géneros presentes em Portugal continental, o género Quercus, com nove espécies nativas e os géneros Castanea e Fagus, ambos com uma espécie.
O carvalho-português é uma árvore de porte médio que pode atingir 25 metros de altura. A sua copa é ampla e arredondada e o tronco é geralmente direito, cinzento e fendido. Os ramos são cinzentos-avermelhados e pubescentes.
As folhas são marcescentes, abundantes e ligeiramente convolutas. São simples, coriáceas, verde-lustrosas na página superior e acinzentadas na página inferior, devido à pilosidade densa, junto às nervuras.
As flores surgem entre março e abril. As flores masculinas são numerosas, de cor verde amarelado e surgem dispostas em amentilhos ciliados, pendurados, pouco firmes. As flores femininas surgem solitárias, dentro de uma cúpula.
O fruto é uma glande, quase cilíndrica, com 15 a 30 mm de diâmetro, vulgarmente designada como bolota. Apresenta um pecíolo curto e é protegida por uma cúpula, revestida de escamas aplicadas (não levantadas) e tomentosas, que cobre ⅓ da bolota. Os frutos surgem em grupos, no meio das folhas e formam-se e amadurecem no mesmo ano. Amadurecem nos meses de setembro e outubro.
Foto: Guillermo César Ruiz/WikiCommons |
O carvalho-português é uma espécie de crescimento lento, que pode viver até aos 300 anos e tem uma elevada capacidade de renovação basal.
A origem científica desta espécie é fácil de interpretar. O nome do género Quercus é o nome clássico, em Latim, dado aos carvalhos, azinheira e sobreiro e faginea, também deriva do Latim, de fagineus-a-um, que significa “semelhante à faia”, espécie do género Fagus.
Habitat rico em biodiversidade
O carvalho-português é originário da Península Ibérica e do norte de África. Em Portugal distribui-se um pouco por todo o país, sendo mais comum no centro e sul, em povoamentos mistos com outras espécies do género Quercus (sobreiros e azinheiras), em pequenas manchas isoladas ou como árvore individual.
Árvore de meia-luz, o carvalho-português tem preferência por climas suaves e quentes, com alguma humidade atmosférica. Suporta grandes amplitudes térmicas e temperaturas até -12ºc. Adaptado a todo o tipo de solo, tem preferência por solos ricos em bases.
Como os restantes carvalhais, as florestas de carvalho-português são habitats bastante ricos em biodiversidade e têm uma elevada importância ecológica, sendo o habitat preferencial de inúmeras espécies animais, desde pequenos insetos, anfíbios e aves como o gaio a pequenos e grandes mamíferos como os veados e o lince-ibérico.
Foto: Programa de Conservação Ex-Situ |
Esta é uma espécie que ocupa áreas limitantes para a maioria das espécies arbóreas e arbustivas e também desempenha um papel fundamental na regulação do ciclo da água, no controlo da erosão e na recuperação de solos degradados. O carvalho-português apresenta um grande valor ornamental e paisagístico e as suas folhas e frutos são utilizados na alimentação animal.
A madeira de carvalho-português é de alta qualidade, resistente e fácil de trabalhar. Muito boa para construção, nomeadamente para vigas, carpintaria, soalhos e marcenaria. Apresenta um elevado poder calorífico, sendo também utilizada para lenha e carvão.
Espécie em declínio
A procura elevada de madeira de carvalho-português – a partir do século XV, época dos Descobrimentos – foi a principal responsável pelo declínio das populações desta espécie em território nacional. Esta madeira foi muito utilizada para a construção de naus e caravelas.
Mais tarde, já nos séculos XIX e XX, as áreas de carvalho-português voltaram a sofrer um grave decréscimo, devido ao interesse agrícola das terras e para instalação de outras espécies, nomeadamente exóticas. Esta é uma espécie característica de locais com solos ricos e bem desenvolvidos.
Foto: Xemenendura/WikiCommons |
Devido a estas e a outras ameaças (alteração do uso do solo, mau planeamento florestal, incêndios, abate, trânsito de pessoas e veículos), atualmente esta espécie ocorre somente em pequenas manchas isoladas, essencialmente em alguns distritos do centro, como Coimbra, Leiria, Lisboa e Santarém. Os bosques bem conservados desta espécie são habitats protegidos e correspondem ao Habitat 9240 – “Carvalhais ibéricos de Quercus faginea” do Anexo I da Directiva Habitats nº92/43/CEE, que engloba os “Tipos de habitats naturais de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação.”
O carvalho-português é considerado uma espécie de transição entre os carvalhos de folha caduca a norte de Portugal – o carvalho-roble (Quercus robur) e carvalho-negral (Quercus pyrenaica) – e os carvalhos de folha persistente a sul, o sobreiro (Quercus suber) e a azinheira (Quercus rotundifolia).
As subespécies de carvalho-português
O carvalho-português é uma espécie extremamente polimórfica e plástica, pelo que foram descritos numerosos taxa de âmbito específico quanto intraespecífico.
Existem três subespécies de carvalho-português em território nacional:
O Quercus faginea subsp. faginea, espécie endémica da Península Ibérica, que ocorre predominantemente no nordeste de Portugal, em zonas de maior altitude e secura, sobretudo na região de Trás-os-Montes. O Quercus faginea subsp. broteroi, mais comum na região oeste do centro e sul de Portugal, em zonas húmidas de menor altitude, nomeadamente na Estremadura, Ribatejo e Beira Litoral. E o Quercus faginea subsp. alpestres que ocorre apenas no Barrocal Algarvio.
O carvalho-português tem uma elevada capacidade de produzir híbridos naturais quando se cruza com outras espécies do género Quercus. Com o carvalho-alvarinho (Q. robur) forma o híbrido Quercusx coutinhoi, com o carvalho negral (Q. pyrenaica) forma o Quercusx neomairei, com o carvalho-das-canárias (Q. canadienses) forma o híbrido Quercusx marianica e com a azinheira (Q. rotundifolia) forma o híbrido Quercusx senneniana.
Estes carvalhais de carvalho-português são locais únicos, fazem parte da paisagem da floresta portuguesa. No entanto, aos poucos estas áreas estão a desaparecer. As manchas que ainda existem resultam de regeneração natural.
É urgente a preservação e recuperação desta espécie tão mal amada pelos portugueses, mas com uma importância única, indispensável para a biodiversidade.
Folha marcescente – folha que persiste na árvore, mesmo depois de murcha ou seca. Geralmente fica pendurada na árvore até a formação das novas folhas, na estação mais favorável.
Folha convoluta – folha que se enrola sobre si mesma. As margens enrolam ligeiramente para dentro.
Amentilho ciliado – amentilho coberto de cílios.
Cílios – pelos finos e curtos, geralmente inseridos na margem de órgãos laminares.
Tomentoso – coberto de pêlos moles e muito finos que formam um infiltrado mais ou menos denso e que reveste o órgão.
Taxon (no plural, taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex. Família, Género, Espécie, Subespécie).
Taxon infraespecífico – classificação abaixo da espécie (Ex. Subespécie, Variedade). Exige a utilização de uma nomenclatura trinomial (Ex. Quercus faginea subsp. faginea)
Taxon específico – classificação até à espécie
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