Os objetivos do Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), divulgado em finais de 2019, manifestam a vontade de os governantes europeus liderarem o combate mundial às alterações climáticas e alcançarem a neutralidade climática até 2050. O Pacto apresenta-se como uma nova estratégia de crescimento para a UE, visando “fazer dela uma sociedade justa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva” (i), operando de imediato a transição para um novo modelo económico, verdadeiramente assente nos princípios da redução, reutilização e reciclagem de materiais e energia, e uma mudança de paradigma, do atual modelo económico linear, no qual o produto é produzido, consumido e rapidamente descartado, para uma “economia circular”, que minimiza (e humaniza)(ii) a exploração de recursos naturais, a produção de resíduos e o consumo de energia, para se atingir a sustentabilidade local e global (iii).
Mas, então, como interpretar algumas práticas que contradizem estes princípios e destroem o património natural, económico, social e cultural das comunidades locais e regionais? Vejamos o caso concreto “Valtreixal” N.º 1906 e “Alto de Los Repilados” N.º 1352, em Calabor (Sanábria, Zamora, Espanha).
Este projeto de exploração de estanho e volfrâmio tem vindo a merecer preocupação e contestação, nomeadamente em Portugal, pelos impactes ambientais negativos que virá a ter na região transmontano-nordestina, designadamente nas bacias dos rios Calabor e Igrejas prolongando-se pelo Sabor do qual aqueles são afluentes. Por se tratar de águas transfronteiriças, abrangidas pelo Acordo de Albufeira, assinado entre os dois países, Portugal mostrou interesse em participar no procedimento de Avaliação do Impacte Ambiental, o qual veio a estar à consulta do público no verão de 2020, embora as autoridades portuguesas tenham feito pouquíssima divulgação.
De acordo com o Estudo de Impacte Ambiental (iv), esta exploração mineira terá efeitos ambientais severos ao nível da qualidade das águas, dos habitats naturais e da paisagem, entre outros. Dada a proximidade com a fronteira, terá também reflexos no território transmontano-nordestino, nomeadamente ao nível da qualidade da água, da fauna e da saúde pública, nas localidades de Aveleda, Baçal, Varge, Gimonde, entre outras. Estes efeitos vão, pois, pesar sobre as gentes que habitam este território (quer em Espanha quer em Portugal), degradando a sua qualidade de vida e hipotecando o desenvolvimento sustentável da região afastando o turismo de bem-estar e de natureza, reduzindo as mais-valias que a riqueza ambiental incorpora no comércio de produtos endógenos, e reduzindo as potencialidades da região para vir a atrair população que esteja em busca de viver numa zona saudável.
Em termos económicos e sociais, uma exploração mineira desta natureza só trará malefícios, integrando-se antes no conceito de «economia de rapina» (v), própria do liberalismo económico da primeira metade do Século XX (vi), operada por grandes grupos económicos que extraem riqueza a localidades, regiões ou países sem pensar nas consequências ambientais e nas sucedâneas destas.
i Conselho Europeu & Conselho da União Europeia (2020). Pacto Ecológico Europeu. Ver AQUI.
ii Expressão entre parêntesis da nossa autoria.
iii Direção-Geral das Atividades Económicas. (2020). Economia Circular. Ver AQUI.
iv Estudo de Impacto Ambiental do Projeto de Exploração de Recursos de Estanho e Volfrâmio “Valtreixal” N.º 1906 e “Alto de los Repilados” N.º 1352 no limite municipal de Pedralba de la Praderia, Zamora. Ver AQUI.
v Papa Francisco. Encíclica «Querida Amazónia», §§ 48 e 49. Ver AQUI.
vi A propósito do conceito de «economia de rapina» ver ainda: Joseph Shumpeter (1984: 43, Impérialisme et Classes Sociales, Paris, Flammarion, citado em H. Ferreira, 2007: 205, Teoria Política, Educação e Participação dos Professores, Lisboa, EDUCA)
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