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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 30 de março de 2021

BRAGANÇA: ANOS DE 1700: QUADROS SOCIAIS - JUIZ DO FISCO DE COIMBRA EM BRAGANÇA

 Nestes quadros sociais deparamos com dois factos bem pouco vulgares. Um deles respeita à presença de um inquisidor de Coimbra em Bragança, durante uns 4 meses, concedendo audiências e instruindo processos. Sobre o assunto estamos preparando um trabalho que em breve apresentaremos. O outro facto é a estadia em Bragança, entre junho e novembro de 1685, do “juiz executor geral das dívidas e fazendas do fisco real” do distrito inquisitorial de Coimbra, Dr. Luís Álvares da Costa. O seu trabalho desenvolveu-se “executando, cobrando, arrecadando e vendendo tudo o que ao dito fisco pertence”.
Terão sido as notícias de fuga de bens sequestrados que levaram a esta deslocação do juiz do fisco de Coimbra para Bragança? Teria isso a ver com o grande número de prisões então efetuadas na área da comarca de Bragança/Miranda? E estará também relacionada com dificuldades financeiras da inquisição e do fisco, derivadas da suspensão da sua atividade, em anos anteriores, que exigiam medidas urgentes de recolha de fundos?
Seja como for, ainda antes de chegar a Bragança, o juiz Álvares da Costa expediu ordens aos 4 concelhos do ramo de Miranda, para os juízes de fora ordenarem a entrega, em Bragança, dos dinheiros e peças de ouro do fisco, que estavam em mãos de depositários. Assim, em Miranda, em mão do depositário Bento Simões, encontravam-se 89 960 réis. Por ordem do juiz de fora, aquele dinheiro foi levado a Bragança, pelo meirinho da cidade, André Moreira Freire, em 24.6.1685. Obviamente que todas estas diligências foram objeto de registos e certidões notariais.
O dinheiro resultou da venda de bens sequestrados em Campo de Víboras a Maria Fernandes (4 739 réis); em Vimioso (a Manuel da Costa e sua mulher (5 600) e à mulher de João Carvalho (20 000); em Sendim a António Rodrigues (13 392). O meirinho não trazia registo nem conseguiu explicar a origem de 5 moedas de ouro no valor de 22 000 réis que entregou, porque o depositário dessas moedas era José de Sá Dantas, do Vimioso, que então estava preso em Coimbra e quem lhas entregou foi o cunhado dele, cónego António Pires Paiva. Para além do dinheiro, trazia um anel de ouro que fora sequestrado à citada Maria Fernandes e o entregou também. Recebidos os 89 860 réis e passada a respetiva certidão, mandou o juiz Álvares da Costa retirar 2 000 réis para pagar a viagem do meirinho de Miranda a Bragança e 219 réis para levar ao escrivão de Miranda que tinha feito os documentos de suporte do dinheiro entregue. Descontos feitos, o anel e os 87 641 sobrantes foram entregues pelo juiz ao depositário geral de Bragança, Miguel Rodrigues, que os haveria de levar a Coimbra.
Em 17 de setembro seguinte, na mesma casa e perante o mesmo juiz, compareceu Francisco Rodrigues, depositário do fisco na vila de Algoso a entregar 36 257 réis, procedidos dos sequestros e inventários de bens de João Rodrigues, sapateiro, natural de Sendim, morador no Algoso; Filipe Lopes, de Urrós; Filipe Cardoso, de S. Pedro da Silva; e António Rodrigues, da vila de Algoso. Registe-se que todos estes réus tinham sido presos antes de 1670. Filipe Cardoso, por exemplo, foi preso em 1665 e sentenciado em 1667. Portanto, a execução do sequestro arrastava-se desde há 18 anos. Diligência semelhante se realizou em 22.10.1685, dia em que Pedro Afonso, da cidade de Miranda do Douro foi a Bragança fazer entrega de 65 862 réis provenientes do foro de 20 alqueires de trigo sequestrados a António Rodrigues, de Sendim e alguma fazenda que era do tendeiro João da Costa, de quem se falou em um dos textos anteriores.
Daquele dinheiro, porém, o juiz Costa mandou subtrair 8 294, antes de o entregar ao depositário geral de Bragança. Vejamos: Para si próprio – 4 872 réis, de custas sobre a execução de uma parte daquele dinheiro... Ao caminheiro Simão de Brito, que foi a Miranda fazer a dita execução – 245 rs. Para o mesmo juiz, “de custas de caminhos, estadia e feitio de uma carta” – 2 177. A Pedro Afonso, da deslocação a Bragança – 10 tostões = 1 000 rs.  Guardamos para o fim a entrega feita por João da Silva, meirinho do judicial do concelho de Outeiro, no montante de 12 000 réis. Este dinheiro tem uma história exemplar. Vamos contar: António Oliveira era um cristão-novo natural e morador em Argozelo. Tinha 37 anos quando foi sentenciado no auto da fé de 13.2.1667. Sequestraram-lhe o rendimento de uma vinha e de um prado que tinha, rendimento calculado em 2 000 réis.
Os outros 10 mil réis resultaram de multas impostas pelo fisco a 3 dos seus agentes em Outeiro, a saber: o juiz da paz, Francisco Rodrigues Santulhão, o escrivão Leonardo Machado e o citado João da Silva, meirinho do judicial. O juiz e o escrivão foram condenados em 4 000 réis cada um e o meirinho em 2 mil, por “levarem mais do que importava do inventário” de Estêvão Rodrigues. Ou seja: ao fazer o inventário e sequestro dos bens, levaram mais dinheiro do que pertencia, pelo trabalho.  Sim, embora existissem tabelas aprovadas pela inquisição e fisco real, muitas vezes os agentes do fisco, quando intervinham na feitura dos inventários e sequestros dos presos, na arrematação dos seus bens e outras diligências, cobravam mais do que deviam. Neste caso, foram condenados.
De outros casos temos conhecimento e logo no primeiro texto que escrevemos sobre este assunto apresentámos uma carta do escrivão do fisco em Bragança denunciando abusos dos agentes na execução das prisões e na feitura dos inventários. Realizou-se um processo de averiguações em cujo despacho, datado de 16.8.1715, se condena o comportamento de familiares, escrivão e outros agentes da inquisição e do fisco. Vejam: - Nos inventários feitos nesta cidade, não somente se acham contados salários por dias, como se fossem fazer fora da terra, mas ainda o salário de cada dia muito exorbitante ao que cada um tem taxado pela lei, quando vai fora da terra. O que é mais de notar, havendo tantas ordenações que proíbem, com graves penas, exceder cada um o salário que pelas leis lhes é taxado. - A falta, parece, é do escrivão, omitindo o que é manifesto e que no dito provimento se lhe encarrega, mas como também quer que lhe contem salários de dias em sua casa, não lhe convém ir contra a própria conveniência a dita observação do provimento. E chega a tanto excesso esta conta de salários de dias na própria terra, que houve vários inventários com escrita somente de uma folha de papel de que, em sua execução, ficou para o fisco menos de 600 réis, e a conta dos 3 inventários, pelos custos deles, importou em mais de 2 mil réis cada um; e nestes excessos tem havido tanto dano da fazenda real, que para ressarcir de tantos inventários, deve promotor o fiscal e o escrivão observar os provimentos, com a pena de se lhe dar em culpa e se lhe imporem as que, pelas leis se dá aos que levam mais do que por elas lhes é taxado. - Fique em advertência que o escrivão deve escrever no inventário as roupas que levam os presos para o santo ofício (…) e assim também fará assinar os familiares o termo do dinheiro que se lhe entrega para alimentos de cada preso (…) e houve nisto tal desordem que levavam dinheiro de vários presos sem saberem dizer de que presos era (...) - Nas contas dos inventários deve declarar abaixo de que procedeu o dinheiro, se de bens vendidos para isso ou dado pelos depositários por essa conta, e em tudo toda a declaração necessária, pelas muitas dúvidas que depois resultam, passados muitos anos, em que as memórias não podem estar certas, ainda que a vida dure (…)
Na verdade, parece que muita gente corria atrás do dinheiro dos judaizantes presos pela inquisição e muitas bocas em Bragança se alimentavam dos bens sequestrados aos judeus. E isto mesmo sem transgredir as leis. Veja-se como “voaram” legalmente e com despacho do próprio juiz Álvares da Costa, 41 952 réis na execução de uns inventários, em Bragança, em 25.11.1685: Ao Dr. Juiz de fora, de uma devassa que tirou… – 1 436 rs. Ao escrivão Diogo Monteiro, de uns inventários – 1 345. Ao escrivão que este fez – 5 773. De tirar a devassa acima – 842. Ao porteiro Domingos Álvares, dos pregões, arrematações e caminhos a Quintela – 2 040. E 200 réis que se deram a um louvado pela liquidação da casa de João da Costa. E outros 200 réis que se deram à mulher do Chupa, por um concerto da casa em que morava, que era do fisco e se vendeu também. De custas que devia Manuel Martins, de Quintela – 2 300. E assim mais a ele juiz executor 32 998 réis, procedidos de: 2 300 de custas que devia Manuel Martins, de Quintela, ao tempo que se lhe arrematou a fazenda para o fisco (…) E nas custas de António da Costa – 843.  (…) O despacho acima transcrito não foi o único, nem o primeiro. Abusos como os descritos já vinham de outros tempos.
Veja-se, a título de exemplo, um excerto de uma provisão expedida de Chacim para Bragança, em 22.7.1703: - Nos sequestros, nem em outra alguma diligência que se fizer dentro da cidade, se levará salário de dias, assim os ministros como os oficiais; só podem levar quando fora da terra; e se lhe deve então contar na forma da lei somente; e deste provimento se fará parte ao ministro que fizer o sequestro ou diligência, para o fazer executar.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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