Era a única árvore no cimo do monte: grande, frondosa, magnífica, algo arrogante, enquanto acolhia de bom grado quantas aves a procuravam para nela fazerem os ninhos, criarem os filhos, entoarem alegres canções, acompanharem o balouçar dos ramos embalados pelo vento, enquanto davam a saber que ali havia vida e alegria. Debaixo dela, à sombra, descansavam coelhos, lebres, perdizes… e, de onde em onde, alguma estonteada e cambaleante raposa que, perseguida pelo sol abrasador, ali descansava e adormecia até retomar forças. Este acolhimento que a árvore concedia tinha, no entanto, uma contrapartida: em caso de alguma ameaça, todos haviam de estar prontos para a defender.
Muitos verões a foram cumprimentando e, ao mesmo tempo, ameaçando. E ela não deixava de agradecer, se bem que num misto de altivez e de desprezo, mesmo naquele verão que veio tão quente!À volta da árvore, crescia um mato rasteiro e meia dúzia de arbustos que, com boa vontade, amizade, e tristeza que sentiam pelo seu isolamento, embora confiante em si, procuravam fazer-lhe ver o perigo em que vivia. Na verdade, sempre pensou que, num imprevisto incêndio, nunca as chamas a atingiriam, antes de consumirem a vegetação que a rodeava e a protegia. Quer dizer, antes que as ameaçadoras chamas começassem a importuná-la e a fizessem tremer de pânico, alguém as teria avistado, a tempo de avisar quem, decerto, havia de vir salvá-la. Por outro lado, bem sabiam, tanto eles como a árvore, que ficaria menos exposta ao perigo se, em vez do mato e dos arbustos, ela preferisse ter à sua volta uma boa extensão de terra lavrada.
Mas, como sempre acontece, entre todos os que a avistavam ou com ela lidavam, cresciam opiniões diversas que poderei agrupar em duas principais: havia uns que a admiravam, protegiam e respeitavam; e havia outros que simplesmente a invejavam. E invejavam-na porquê? Pela sua elegância, pelo recorte que formava – como que dependurada no horizonte – pela vida que acolhia, pela aparente felicidade que mostrava, pela temeridade que revelava, por verem nela a figura mandante sobre aquele monte.
Mas a árvore, desconhecendo quanto era invejada, e na crença de que seria, não só admirada pelo seu altruísmo, como digna de compaixão pelo isolamento em que se encontrava, ia gerindo de tal forma a situação que nunca pensou render-se a qualquer ofensiva.
E foi no gerir desta situação que tudo aconteceu!
Descansando na confiança que a acompanhava, inesperadamente foi surpreendida por umas pequenas labaredas que iam consumindo o mato que a rodeava. Tão traiçoeiras como humildes, as labaredas não foram vistas por alguém que viesse em seu socorro. E só foram alarmantes quando a árvore solitária se transformou num impressionante mar de fogo!
Antes desta catástrofe, quisera ela ter deixado aquele lugar. Sendo, contudo, impossível, ali teve de permanecer, acabando por sofrer a sua destruição, mesmo contando com as suas criadas, mas inverosímeis defesas.
Com grande pena e admiração, é verdade que estas coisas acontecem – mesmo a quem é dada a possibilidade de escolher o lugar para onde possa mudar-se, argumentando possuir as defesas necessárias, contudo inverosímeis, para ali poder permanecer.
Sem comentários:
Enviar um comentário