De repente, pela calada da noite, meia dúzia de mascarados montaram espectáculo mórbido à porta de uma organização legitimada por décadas de intervenção cívica na sociedade portuguesa, no campo da prevenção e combate institucional a um fenómeno inegável, que constitui indicador de problemas graves no sistema educativo e na realidade social deste país: a persistência surda de segregação suportada na cor da pele, na diversidade cultural, mas principalmente em preconceitos do universo do irracional.
Naturalmente, o fenómeno dos mascarados provocadores não foi uma brincadeira. Corresponde a certa sensação de impunidade que uma democracia não pode permitir. No entanto, é preciso contextualizar o episódio para garantir que não alastre, mesmo que por trás das máscaras estejam, provavelmente, sempre as mesmas caras sem honra nem vergonha.
Sabe-se que a realidade sócio-económica, muitas vezes marcada por desigualdades associadas à origem geográfica e, por isso, à tonalidade da epiderme, requer atenção redobrada por parte dos responsáveis políticos, de modo a evitar a perpetuação de dinâmicas que, mais cedo ou mais tarde, podem revelar-se explosivas, reconduzindo os indivíduos à condição instintiva, ao salve-se quem puder, ao perdido por cem, perdido por mil, sinais de definitiva degradação das sociedades em que vivemos.
Basta olharmos para os E.U.A ou para o Brasil para perceber que as comunidades humanas precisam de se afastar de modelos que, apesar das aparências, continuam a replicar os factores de discriminação, dos guetos suburbanos, das escolas monocolores e, por consequência, dos bairros inseguros, dos transportes públicos de risco, do abandono escolar e das prisões a encher-se de gente com características muito próprias.
Só a verdadeira integração nos pode conduzir a uma sociedade onde os tons da pele se multipliquem, longe dos padrões monótonos da diferença ostensiva. Para isso também é preciso que, do lado de quem sofreu seculares injustiças, haja a necessária serenidade, para que o futuro se construa na partilha, para além do ressentimento, cultivado por protagonistas que não parecem estar preocupados senão com o seu próprio umbigo.
O radicalismo que se alimenta de eventuais culpas, assacadas a determinadas personagens no passado, não parece ter condições de contribuir para um futuro de tolerância e equidade. Valerá a pena que os descendentes dos injustiçados de séculos, não permitam que os enredem nas tramas que a intriga política pode tecer.
Soa estranho que as últimas manifestações antirracistas, no fim de semana, tenham sido consideradas fruto do oportunismo de alguns radicais, exactamente por forças políticas e sociais que têm sido as mais activas relativamente ao fenómeno.
O problema é real. A solução não passa pela dispersão de esforços, muito menos por permitir que o videirismo contribua para o agravar.
Os radicalismos, que vivem à custa do espectáculo mediático, não têm dado bons resultados num mundo que precisa de homens e mulheres de boa vontade para atingir o desígnio da fraternidade.
Teófilo Vaz
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