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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANUEL LOPES, UM JUDEU DO TEMPO DA INQUISIÇÃO

 
Manuel Lopes esteve em Itália apenas uns 10 meses, entre Outubro de 1700 e Agosto de 1701. Obviamente que um dos primeiros objetivos que prosseguiu foi o de se fazer circuncidar. Ele não contou especificamente como as coisas aconteceram, mas fez uma descrição genérica da cerimónia, baseado na sua experiência de circunciso e em outras cerimónias de circuncisão a que assistiu. 
Veja-se: — Para se circuncidar, juntam- -se 10 homens e um deles serve de padrinho. E este se senta numa cadeira e tem o menino sentado nos joelhos. E logo o homem que faz de ministro, com uma faca, abre a parte do prepúcio e logo com as mãos afasta a pele e com uma tesoura corta um pouco daquela pele e lava a ferida e dois homens lhe aplicam uns unguentos dos vasos que têm nas mãos.(1) Acrescentou que a circuncisão dos meninos se faz normalmente em casa dos pais e não há ministros designados, antes são os pais que os chamam, entre aqueles que estão capacitados para isso. E disse mais: — A parte do prepúcio cortada se guarda num vaso de vidro, que está na sinagoga, e havendo muitos, se entregam aos judeus que vão de Jerusalém a Livorno, para os levarem a Jerusalém e para os lá enterrarem e disseram a ele confitente que os enterravam na ocasião em que enterravam algum judeu.(2) 
Falou depois da Yeshiva, a escola onde as crianças, a partir dos 4 anos e até aos 8, aprendiam a ler e escrever. E aprendiam também os preceitos da Lei Mosaica, lendo por “um livro pequeno do tamanho de umas horas” em língua castelhana. À escola vão as crianças de manhã, de tarde e à noite. Três vezes por dia vão também os adultos à sinagoga onde “todos os homens se punham pelos ombros um pano à maneira de toalha, a que chamam Tallit e dizem significar capa de Deus, que é de tafetá branco”, o qual tem nas pontas 4 cordões de fios de seda e pelo de cabra, unidos por 3 ou 4 nós e a que chamam “Tzitzit”. E enquanto isso, na sinagoga, rezam em hebraico uma oração que Manuel traduziu assim: — Bendito Adonay nosso Deus, rei do mundo, que nos santificou em suas santas benditas encomendanças e que nos ensinou a pôr os Tzitzit.(3) Manuel Lopes descreveu depois o uso e a forma de cada judeu colocar os Tefillin, em volta do braço, antes da oração na sinagoga e a respetiva oração que ele recitou em hebraico e em castelhano: — Bendito Adonay nosso Deus, rei do mundo, que (…) nos ensinou a pôr os Tefillin.(4) Manuel não soube explicar o significado da usança dos Tallit, dos Tzitzit e dos Tefillin como elementos de preparação para a oração na sinagoga. 
Continuou, porém, explicando que, depois de estar assim equipados, cobriam a cabeça com o chapéu e se sentavam nos bancos, dizendo 3 orações, sendo que a primeira, chamada Tefillah, era cantada. As outras duas são o Shemá e o Amidá. Também não soube explicar o significado de cada uma destas orações, nem porque as duas primeiras as rezavam sentados e a última “estando em pé e tendo os pés juntos”. As mulheres assistiam, separadas dos homens, sentadas nos bancos que havia nos corredores, à volta do espaço central da sinagoga, mas liam por livros iguais aos dos homens e a que chamavam Minchah, nome que ele não sabia explicar. 
As ditas cerimónias prolongavam-se por cerca de hora e meia e havia uma sessão de manhã e outra de tarde. Havia um judeu encarregado da sinagoga e que percorria as ruas da cidade chamando os crentes para as orações – o chamador. À noite também havia “juntas” na sinagoga, se bem que com menos gente a frequentá-las. E nesta “junta”, para além do Shemá e do Amidá, havia uma oração que era cantada e se chamava Arbit. Estas cerimónias e ajuntamentos faziam todos os dias da semana, exceto à sexta-feira, dia em que, “logo que saíam da junta, voltavam para as suas casas e os homens despiam os vestidos que ordinariamente traziam e vestiam camisas limpas; e as mulheres, de vestidos compostos, voltavam para a sinagoga, até ao pôr-do-sol”. 
A essa hora iluminavam a sinagoga, com “grande número de lâmpadas e aranhas e alquimia ao redor da sinagoga”, seguindo-se especial celebração a que apenas acorriam os homens, como o Manuel Lopes explicou para os inquisidores: — As mulheres não vão a estas juntas, porque vão para suas casas, limpando-as e compondo-as e fazendo o que se há-de comer no sábado, porque nele não se acende o fogo nem se faz coisa de trabalho, nem se toca em dinheiro.(5) As lâmpadas na sinagoga ficavam acesas até se gastar o azeite e se apagarem por si. Tal como em casa onde, ao entardecer de sexta- -feira, se acendia a “Menorah, que tem 7 luzes” – acrescentou Manuel, que continuou dizendo a seguinte oração: — Bendito Adonay, meíssima criatura e maravilha para fazer o sábado que guardam em observância da lei dos judeus.(6) No ajuntamento do sábado na sinagoga não punham os filactérios, mas apenas o Tallit. E, além das 3 orações referidas, Manuel disse que cantavam “certos Salmos de David”, acrescentando mais informações: — E logo se põe o Tebah, que é a modo de tribuna, no que chama para o ofício de Hazan um porteiro que apregoa a ordem de Hazan para correr a cortina da Arca aonde está a Lei e para abrir as portas e tirar dali a Lei e levá-la até à Tebah (…) e voltam a colocar na Arca a Lei, e correm as cortinas e o dinheiro que isto importa se distribui e reparte entre os pobres, em diferentes dias da semana, que não seja sábado, porque no sábado não se pode mexer em dinheiro. 
E o judeu que leva a Lei desde a Arca à Tebah, a entrega ao Hazan e este, sem dizer palavra, a mostra ao povo donde para que todos a vejam. E na junta de sábado à tarde, o dito Hazan sobe à tribuna e diz Daras (?), que é o sermão em que explica segundo a Lei de Moisés…(7) Chamado a falar sobre as celebrações festivas judaicas, ao longo do ano, Manuel Lopes começou pelo Pessah, semelhante à Páscoa dos cristãos. Prolonga-se a celebração por espaço de 8 dias “em que não comem pão levedado, nem o amassam as mulheres, nem tão pouco trazê-lo para a celebração na sinagoga”, que enfeitam com tafetás e terciopelos, acendendo muitas luzes pelos corredores e também “no solo, no meio da sinagoga”. E durante aqueles 8 dias que dura o Pessah, cantavam e rezavam orações distintas e também alguns salmos. 
Sobre a Páscoa das Cabanas, o Sucot, disse que cada um a celebrava em sua casa, em parte não coberta, fazendo uma cabana de canas, coberta com murta. Na cabana ceavam e acendiam a Menorah de 7 luzes. Acrescentou que não sabia por quanto tempo a celebravam. O mesmo sobre a Festa das Rosas, Roshaná: que não recordava do tempo nem das cerimónias que especificamente faziam. Disse também que não sabia a data em que caía o Kipur, festividade maior, celebrada em memória da destruição de Jerusalém. Porém, acrescentou as seguintes informações: — Comem em sua casa às 3 da tarde, assentados no chão e com sapatos e sombreros, vão à sinagoga, adornada em conformidade. E nas ditas páscoas, estão assentados no chão, toda a noite, até ao outro dia de tarde, cantando e rezando orações pertencentes à dita destruição de Jerusalém. 
E pela dita tarde, o Hazan sobe ao Tebah e dizem o Doras em idioma castelhano; e acabado, se levantam do solo e se sentam nos bancos e começam com a oração da noite, que se chama Arbit e o Shemah e Amidah e acabada, voltam para suas casas. E em todo o tempo que dura a festividade, não comem até ter saído a estrela; e alguns, saindo da sinagoga, vão para sua casa, mas não dormem na cama, mas no chão, em memória dos judeus de Jerusalém que naquelas noites dormiram no campo, na terra. E estas cerimónias e o jejum observam todos os judeus.(8) Falámos já de muitas pessoas, familiares e amigos, conhecidos de Portugal que Manuel Lopes encontrou em Livorno fazendo vida de judeus e usando nomes hebraicos. 
Resta apresentar o líder da nação sefardita de Livorno, o Trasmontano Gabriel de Medina, de que Manuel Lopes disse: — Conheceu em Livorno a Gabriel de Medina, não sabe de onde era natural, nem se era batizado, mercador de ofício, que tinha 4 ou 5 navios por sua conta para o comércio, mas sabe que era judeu e o viu assistir na sinagoga. E ouviu dizer que era casado e tinha um filho de 13 anos, e no dia em que os completou, ofereceu à sinagoga o fabricar de novo a escola da dita sinagoga; e não se recorda ter ouvido o nome de sua mulher e filho.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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