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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Alfredo, ou a dúvida da aceitação rápida do estranho nos grupos com coesão comunitária

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Na Rua onde eu nasci e naquele tempo, havia uma "catrefa" de garotos que estavam tacitamente escalonados em grupos que normalmente eram constituídos por catraios da mesma idade. A diferença de três anos era vista por nós como a causa para que em determinadas brincadeiras e aventuras, só os mais velhos participassem e quando se punha a questão de ser necessário recorrer à violência os mais pequenos só eram admitidos se o assunto lhes dissesse respeito direto e os confrontantes fossem da mesma idade. Nunca um garoto pequeno era envolvido em lutas com os mais crescidos da tribo.
O grupo da Caleja era coeso e os mais velhos defendiam os mais novos e os mais novos aprendiam a saberem defenderem-se e a serem orgulhosamente da Caleja e num âmbito mais alargado de Bragança.
Acontecia que quando um garoto estranho vinha intrometer-se com os nativos era posto à prova pelo grupo dos seus pares na idade.
Num belo dia aconteceu notarmos que tínhamos um novo morador que não era reconhecido como um dos nossos, mas se movimentava à vontade sem se preocupar com a garotada que ia encontrando e não dava cavaco às tropas.
Começaram os da frente a questionar de onde viria tal abencerragem? Soubemos que se chamava Alfredo e que era de Chaves, tendo chegado a Bragança com a família, pois o seu pai tinha vindo para trabalhar na construção da Escola Industrial e Comercial e foram viver para a Caleja.
Cedo constatámos que estávamos na presença de alguém que não era assustadiço. Punha-se a questão da integração e o tipo não parecia para aí virado, sem antes tirar as suas impressões do que o rodeava em questões de confiança e camaradagem. Por isso ele quando era abordado respondia sempre com uma atitude de quase desinteresse q.b. nunca deixando que lhe fosse imposta qualquer regra ou hierarquia.
Era de idade do meu irmão Marcelo, que com os seus iguais tomaram para eles a tarefa de o meterem na ordem.
Mas o Alfredo não era dos que se intimidava e enfrentou as ameaças veladas ou claras que lhe declararam. Ora aí estava um que tinha de ser testado. E lá saem uns quantos da Caleja para o assustarem. Mas o Alfredo era dos Valentes e quando se viu rodeado pôs as mãos na cinta e tirou das calças um cinturão de cabedal com fivela amarela, como usavam os legionários e começou  a despachar os que o queriam "integrar". 
Bom, os da Caleja sendo mais possivelmente venceriam, mas cedo se aperceberam que tinham ali um garoto de guerra e que era tempo perdido usar a violência para o integrar. Recuaram assim e com palavras foram questionando o Alfredo que já com a situação a pender para o seu lado tomou a iniciativa de se fazer amigo de todos os garotos e mais gente da rua.
Com o passar dos dias fomos descobrindo que o Alfredo era um líder cujo caráter era o dos homens que ficam na memória das gentes pela coragem e verticalidade nas suas ações. Sempre pronto para uma cena de pancadaria se o caso fosse punir quem fizesse por isso e de demonstrar um coração de ouro para as pessoas que ele respeitava como um cavalheiro educado e gentil. Havia na nossa rua gente humilde, alguma já de idade avançada. O Alfredo depressa conheceu todos e se inteirou dos hábitos da rua, que ele comparava com os da sua terra de criação, Chaves.
Nunca deixou de se afirmar flaviense e enquanto viveu connosco, sempre o fez de cabeça levantada e sem temores dos homens e das coisas. A sua nobreza era tal que um dia passando junto à Escola da Estação viu a Tia Maria Mónica que trazia um feixe de lenha às costas. Vinha da Quinta do Lima e a lenha era para ela fazer a fogueira que, quando inverno, sempre ardia no chão de terra um pouco afastada da porta da casa número 72 da Caleja do Forte. O Alfredo abordou-a e disse-lhe: -A Senhora já está muito velhinha e cansada, deite o feixe de lenha ao chão que eu o levarei até sua casa. A tia Mónica recusou uma primeira vez, mas a insistência do Alfredo foi tão veemente que os olhos da velhota se marejaram de lágrimas e disse: -Obrigado meu Deus que ainda tens no mundo quem te sirva, servindo os Teus.
Quando o Alfredo chegou à Caleja e depôs o feixe no chão da casa onde vivia a tia Mónica todos na Rua ficaram a saber que os valentes e honrados também podem vir de fora.
Não esteve muito tempo connosco, seguiu com a família, que deve ter ido para outra qualquer terra a vender o seu suor nos trabalhos com que pagavam a sua maneira honrada de viverem e educarem os filhos.
Pergunto aos caleijenses que ainda sobram, quantos se lembram do Alfredo de Chaves que viveu connosco e nos fez ver o que nós nem suspeitávamos? Eu lembro-me dele como uma das lições mais genuínas que recebi nos meus tempos de menino.



25/01/2021
A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. A. O. dos Santos - Lembranças destas, permanecem vivas até ao fim dos nossos dias, vão-se apenas quando a vida nos deixa...

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