Foto: Miguel Porto/Flora-On |
A campainha-amarela (Narcissus bulbocodium), também conhecida como campainha-dos-montes ou cuco, é uma dessas pequenas plantas que começa agora a despertar e a florir, preenchendo de amarelo os nossos canteiros, campos e florestas.
A campainha-amarela
Foto: Miguel Porto/Flora-On |
A campainha-amarela é uma das plantas mais belas que podemos ver durante o inverno. Pertence à família das Amaryllidaceae, que engloba outras espécies bem conhecidas, como o alho, o cebolinho, as beladonas ou os agapantos.
As Amaryllidaceae são plantas monocotiledóneas perenes, herbáceas, bolbosas ou rizomatosas. A beleza destas espécies confere-lhes um grande valor ornamental e económico, além das muitas outras utilizações, como condimentares, hortícolas e medicinais.
Estas plantas caracterizam-se por possuir na semente apenas um cotilédone – os cotilédones são as folhas embrionárias que irrompem na germinação – e por se desenvolverem a partir de um caule subterrâneo. Se tiverem bolbo este tem forma arredondada ou globosa, enquanto que o rizoma é uma estrutura vegetal que cresce horizontalmente.
Bolbos e rizomas funcionam como órgãos de reserva e permitem que a planta se mantenha “adormecida” durante a época do ano mais desfavorável, possibilitando a sua renovação assim que se verificarem as condições ambientais ideais. Quando surgem as primeiras chuvas estes deixam o estado de dormência e iniciam a sua atividade, ainda no outono, começando a surgir as primeiras folhas e flores no decorrer do inverno.
Foto: A.J.Pereira/Flora-On |
A campainha-amarela é uma planta vivaz, bolbosa, herbácea, que pode atingir cerca de 40 cm de altura. O bolbo subterrâneo é de cor esbranquiçada ou ligeiramente acastanhado.
As folhas surgem no final do outono ou durante o inverno, agrupadas em conjuntos de 2 a 4 folhas por bolbo. São quase erectas, lineares, verde-escuras, finas e compridas.
Após a formação das folhas forma-se o caule florífero – o escapo – caule esverdeado, cilíndrico, que sustenta a flor, normalmente não ramificado e sem folhas, que surge diretamente do bolbo e mede um pouco menos que as folhas.
As flores surgem solitárias na extremidade do escapo. São amarelas ou alaranjadas, grandes e vistosas. Com uma forma muito semelhante a uma corneta, ou a um cone invertido, surgem numa posição quase horizontal em relação ao solo.
É entre janeiro e abril que ocorre a floração, mas permanece poucos dias em flor. Quanto ao fruto, é uma cápsula esférica ou ligeiramente ovóide que contém inúmeras sementes pequenas, negras e brilhantes.
Espécie protegida
A campainha-amarela é uma planta nativa em Portugal, com uma distribuição alargada um pouco por todo o território continental. Surge junto a rochas, em prados, margens de linhas de água, charnecas, dunas, clareiras de bosques caducifólios, sobreirais, zimbrais ou pinhais.
Pode também encontrar-se espontaneamente no sudoeste da Europa, nomeadamente no sul e oeste da França e Espanha e no norte de África, na Argélia e Marrocos.
Apresenta uma ecologia muito variável, preferindo locais com exposição solar intermédia, meia sombra e com temperatura média. Solos moderadamente secos a húmidos, calcários, arenosos ou argilosos, com pH ácido e pobres em azoto. Suporta solos temporariamente encharcados.
Foto: A.J.Pereira/Flora-On |
Em Portugal Continental estão presentes duas subespécies de Narcissus bulbocodium. O Narcissus bulbocodium subsp. bulbocodium, espécie nativa que ocorre um pouco por todo o território preferindo solos arenosos ou argilosos, pode encontrar-se em prados húmidos, margens de linhas de água, clareiras de matos e pinhais, entre outros. A corola (conjunto das pétalas da flor) desta subespécie apresenta umas bandas verdes, evidentes ao longo de todo o tubo.
Já o Narcissus bulbocodium subsp. obesus é uma espécie endémica da Península Ibérica. Em Portugal pode encontrar-se sobretudo no litoral centro e sul do país, em solos de origem calcária, em charnecas secas, arribas, zonas pedregosas, relvados e pastagens. A corola desta subespécie não apresenta bandas verdes, sendo a flor totalmente amarela.
Foto: Cristina Estima Ramalho/Flora-On |
As duas subespécies encontram-se protegidas por legislação comunitária, nomeadamente pelo Anexo V da Diretiva Habitats – Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. As espécies constantes neste anexo apresentam interesse comunitário, podendo a sua colheita na natureza e exploração ser objeto de medidas de gestão.
Histórias mitológicas
A designação científica desta espécie pode ter duas interpretações, sendo que uma surge associada à beleza desta flor e à mitologia grega. O nome do género Narcissus tem origem em Narciso, o filho do deus Cefiso, deus dos lagos.
Narciso era um jovem e belo rapaz, pelo qual todas as mulheres e homens se apaixonavam, e no entanto desprezava todas as propostas de amor. Por vingança, os deuses levaram-no a apaixonar-se pela sua própria imagem refletida na água de um lago. Completamente apaixonado pela imagem refletida e incapaz de se separar dela, acabou por cair e morrer afogado. Junto ao lago surgiu uma flor extremamente bela, a que deram o nome de Narciso.
Outros autores sugerem que o nome Narcissus se deve ao cheiro intenso e inebriante de algumas flores deste género e deriva do grego narkáo – que significa narcótico, planta tóxica. A designação bulbocodium, por sua vez, significa “bolbo lanoso”.
Esta planta é muitas vezes utilizada como planta ornamental em arranjos de jardins públicos e privados. Pelo aroma agradável que exala, é muito utilizada para perfumar armários e pequenas divisões e também em perfumaria. As flores são comestíveis, tanto cruas como caramelizadas, e muito utilizadas na confecção de doces. Alguns autores referem que apresenta algumas propriedades sedativas e hipnóticas.
São inúmeras as espécies do género Narcissus que florescem em Portugal, cerca de 20 espécies, nativas e endémicas, algumas das quais raras e em estado selvagem. A perda e destruição de habitat, a plantação de outras espécies e a colheita indiscriminada de bolbos na natureza têm sido dos maiores problemas para a sua conservação e das principais razões para o elevado risco de extinção de algumas espécies endémicas de Portugal.
Deixo-vos esta sugestão: se viverem próximos de locais como os que aqui referi, no vosso próximo passeio, procurem estas pequenas e belas plantas. Não as colham. Aproveitem a natureza para relaxar e apreciar a cor que existe mesmo nos dias cinzentos de inverno.
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